Mundo na encruzilhada

'Modelo de negócios lucra mais com desinformação do que com verdade’, diz Barroso

 

22 de maio de 2024, 20h23

O mundo está em uma encruzilhada entre proteger a liberdade de expressão e não deixar a vida civilizada cair em um abismo de ódio e de desinformação. Como o modelo atual de negócios lucra mais com a circulação do ódio e das notícias falsas, porque isso traz mais engajamento, a liberdade de expressão vive momento dramático de tensão com a busca da verdade possível, que deve ser o objetivo da imprensa.

Barroso Lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2024

Luís Roberto Barroso discursa no lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2024

Essa colocação foi feita pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Luís Roberto Barroso, em seu discurso no lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2024, na noite desta quarta-feira (22/5), na sede do STF.

Para Barroso, a liberdade de expressão em todo o mundo está vivendo um momento muito difícil: “O que temos visto no mundo é que há um novo modelo de negócios, que são as plataformas digitais, que vivem, sobretudo, do engajamento, da quantidade de acessos, dos cliques. E, tragicamente, depondo contra a condição humana, como todas as pesquisas documentam, o sensacionalismo, a desinformação, a mentira e a agressividade despertam muito mais engajamento do que a fala construtiva, do que a fala moderada, do que a busca da verdade possível”.

“Precisamos fazer com que mentir volte a ser errado de novo. Isso é muito importante para nós podermos recuperar civilidade e confiança nas outras pessoas”, resumiu Barroso.

O magistrado disse ainda que um dos motivos que fizeram com que ele aceitasse ser anfitrião do evento foi por ratione materiae, que é a utilidade pública da revista eletrônica Consultor Jurídico e do Anuário da Justiça para todos os que trabalham com o Direito, “até para nós descobrirmos como é que nós somos vistos”.

“O Anuário ajuda a fazer com que o Judiciário seja melhor conhecido e tenha mais transparência. Decidimos as questões mais divisivas da sociedade brasileira. O ministro do Supremo tem de ser bem analisado, porque o nível de rejeição é imenso. Estamos desagradando ou fazendeiros ou comunidades indígenas, ou o contribuinte ou o governo. Não há salvação na atividade que nós desempenhamos. E não há forma pior de conseguir desagradar a todos do que tentar agradar a todo mundo.”

“A verdade não tem dono, a virtude não tem dono e as pessoas veem a vida de modo diferente. Mas entender as razões pelas quais nós decidimos, eu acho que é uma parte muito importante da vida”, concluiu Barroso.

Autoridades do Poder Judiciário prestigiam o evento de lançamento

Além do ministro, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, a presidente do Conselho Curador da FAAP, Celita Procópio, e o diretor da ConJur, Márcio Chaer, também discursaram.

Mais de 250 convidados marcaram presença no evento, entre eles os ministros do STF Gilmar Mendes, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Dias Toffoli, André Mendonça e Cristiano Zanin; 0 ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski; o presidente do Superior Tribunal Militar, ministro Joseli Parente Camelo; além de representantes da advocacia, do Ministério Público e do mundo acadêmico.

Editado pela ConJur com o apoio da FAAP, o Anuário da Justiça Brasil 2024 mostra quem são, o que pensam e como votam os ministros do STF e dos tribunais superiores.

A versão impressa do Anuário da Justiça Brasil 2024 está à venda na Livraria ConJur (clique aqui para reservar o seu exemplar). A versão digital é gratuita e pode ser acessada pelo site anuario.conjur.com.br.

Leia a seguir a íntegra do discurso de Barroso no lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2024:

“Muito boa noite a todos.

Cumprimento o Márcio Chaer, cumprimento a Celita Procopio, cumprimento meus queridos colegas de tribunal, cumprimento os nossos visitantes, senhoras e senhores.

Eu ultimamente ando assombrado por uma história que eu ouvi de que caminhavam pela rua um padre, um professor de Direito e um cidadão comum. E apareceu a eles o anjo da morte e disse: ‘Chegou a hora de vocês, portanto têm direito a um último desejo’.

E o padre disse: ‘Eu gostaria de rezar uma última missa’. E o anjo da morte disse: ‘Concedido’. O professor de Direito disse: ‘Eu gostaria de dar uma última aula’. E o anjo da morte disse: ‘Concedido’. E o cidadão comum, indagado, respondeu: ‘Eu quero que me leve antes desse professor de Direito começar a falar’.

Eu tenho muito prazer de estar aqui nesse lançamento da 18ª edição do Anuário por muitas razões. Vou destacar duas. Uma é ratione personae. O Márcio é uma pessoa extremamente querida e tem um mérito que não se lhe pode tirar de ter sido um pioneiro ao criar o Consultor Jurídico e criar um tipo de jornalismo eletrônico totalmente voltado para o público jurídico.

E abriu espaço para todos nós. Eu mesmo, quando ainda advogado e professor, muitas vezes estive nas páginas virtuais do Consultor Jurídico. E todos nós estivemos lá. De modo que acho que esse mérito do pioneirismo com qualidade e sobretudo com uma visão construtiva da vida.

Num momento no mundo em que as pessoas têm uma obsessão pelo negativo, o Márcio tem um olhar construtivo especialmente sobre o Judiciário. E além desse motivo ratione personae, um motivo ratione materiae, que é a utilidade pública imensa do Consultor Jurídico em geral e do Anuário da Justiça para todos nós.

Até para nós descobrirmos como é que nós somos vistos. Porque às vezes a gente tem uma alta imagem que não corresponde à percepção pública de uma maneira geral. Essa é a primeira razão. A segunda razão que eu considero muito importante no Anuário é que o Judiciário, sob a Constituição de 1988, viveu um momento muito importante de ascensão institucional.

E passou a ocupar um espaço relevante na vida brasileira. E acho que o Consultor Jurídico e o Anuário ajudam a fazer com que o Judiciário seja melhor conhecido e tenha mais transparência. Nós decidimos as questões mais divisivas da sociedade brasileira.

A gente está sempre desagradando alguém, Márcio. O ministro do Supremo tem que ser bem analisado, porque o nível de rejeição é imenso. Quando eu li recentemente que o Supremo tinha 49% de desaprovação, eu pensei assim, graças a Deus, achei bom demais.

Porque nós estamos desagradando ou fazendeiros, ou comunidades indígenas, ou o contribuinte, ou o governo. Não há salvação na atividade que nós desempenhamos. E não há forma de conseguir desagradar a todos do que tentar agradar a todo mundo.

Nosso papel é interpretar a Constituição e fazer justiça. E como a verdade não tem dono, as pessoas têm todo o direito de terem visões diferentes e eventualmente discordarem. Mas o que eu acho que o Anuário ajuda a fazer e o Consultor Jurídico ajuda a fazer é as pessoas conhecerem o Judiciário.

É verdade que o Judiciário muitas vezes não se ajuda. Nós temos uma linguagem hermética e excludente que muitas vezes dificulta a compreensão do que a gente faz. E eu tenho me empenhado muito, lançamos um pacto do judiciário pela linguagem simples para nós sermos melhor compreendidos pela sociedade brasileira.

O pacto pela linguagem simples é muito simples. É falar com sujeito, verbo e predicado. E sempre que possível nessa ordem. E não precisar utilizar palavras desnecessariamente complexas, nem se sentir mais inteligente por chamar recurso extraordinário de ‘irresignação derradeira’ ou Habeas Corpus de ‘remédio heróico’.

Nós já temos muitas dificuldades inevitáveis no direito para precisarmos piorar. Nós já falamos coisas do tipo ‘no aforamento’, ‘havendo pluralidade de enfiteutas, elege-se um cabecel’. Isso é péssimo.

Ou ’embargos infringentes’, ou ‘mútuo feneratício’. Sempre que eu vejo isso me lembra de uma aposição do Kama Sutra. Portanto, nós não precisamos piorar o que já é ruim o suficiente.

De modo que nós temos investido o máximo de energia numa comunicação transparente com a sociedade. As pessoas sempre vão discordar do que a gente faz. Porque, como disse, não há como querer agradar a todos.

A verdade não tem dono, a virtude não tem dono e as pessoas veem a vida de modo diferente. Mas entender as razões pelas quais nós decidimos, eu acho que é uma parte muito importante da vida. E, por fim, eu acho que o Anuário e o Consultor Jurídico ajudam a trazer informações corretas acerca do Poder Judiciário.

A liberdade de expressão em todo o mundo está vivendo um momento muito difícil. A liberdade de expressão é imprescindível para a vida civilizada, porque ela permite o desenvolvimento da personalidade humana.

Ela permite a busca pela verdade possível e ela é imprescindível para a democracia que depende de pessoas esclarecidas e bem informadas. O que temos visto no mundo, no entanto, é que há um novo modelo de negócios, que são as plataformas digitais, que vivem, sobretudo, do engajamento, da quantidade de acessos, dos cliques.

E, tragicamente, depondo contra a condição humana, como todas as pesquisas documentam, o sensacionalismo, a desinformação, a mentira e a agressividade despertam muito mais engajamento do que a fala construtiva, do que a fala moderada, do que a busca da verdade possível.

Essa é a encruzilhada que o mundo está vivendo. Proteger a liberdade de expressão e não deixar a vida civilizada cair num abismo de ódio e de desinformação. Mas como o modelo de negócios lucra mais com a circulação do ódio e da desinformação, porque traz mais engajamento, a liberdade de expressão vive esse momento dramático de tensão com a busca da verdade possível, que deve ser o objetivo da imprensa e da circulação de informações.

Verdade possível e plural numa sociedade aberta e democrática. Mas nós precisamos fazer com que mentir volte a ser errado de novo. Isso é muito importante para nós podermos recuperar civilidade e confiança nas outras pessoas.

E acho que o Anuário e o Consultor Jurídico, liderado pelo Márcio Chaer, contribui para a busca da informação verdadeira, que não necessariamente todos irão concordar. Mas o mais importante é a motivação pela boa-fé.

Onde há boa-fé e boa-vontade, as pessoas são sempre capazes de se entenderem mesmo quando discordam. De modo que eu, com muito prazer, sou o anfitrião do lançamento da 18ª edição do anuário e penso que a liderança do Márcio Chaer, a qualidade da publicação, a visão construtiva do mundo do direito fazem com que o anuário e o consultor jurídico tenham o sucesso que merecem.

Muito obrigado”.

Assista à fala de Barroso no Anuário da Justiça Brasil 2024:

Anunciaram nesta edição do Anuário da Justiça Brasil:

Abdala Advogados
Advocacia Fernanda Hernandez
Antonio de Pádua Soubhie Nogueira Advocacia
Arruda Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça Advogados
Basilio Advogados
Bottini & Tamasauskas Advogados
Cançado e Barreto Advocacia S/S
Cecilia Mello Sociedade de Advogados
Cesa — Centro de Estudos das Sociedades de Advogados
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
Corrêa da Veiga Advogados
Costa & Marinho Advogados
Cury & Cury Sociedade de Advogados
Décio Freire Advogados
Dias de Souza Advogados
DMJUS
D’Urso & Borges Advogados Associados
FAAP
Feldens Advogados
Fidalgo Advogados
Fontes Tarso Ribeiro Advogados Associados
Fux Advogados
Gomes Coelho & Bordin Sociedades de Advogados
Hasson Sayeg, Novaes e Venturole Advogados
JBS S.A.
Justino de Oliveira Advogados
Laspro Advogados Associados
Leite, Tosto e Barros Advogados
Lollato, Lopes, Rangel, Ribeiro Advogados
Machado Meyer Advogados
Marcus Vinicius Furtado Coêlho Advocacia
Mauler Advogados
Mendes, Nagib e Luciano Fuck Advogados
Milaré Advogados
Moraes Pitombo Advogados
Multiplan
Nelio Machado Advogados
Nery Sociedade de Advogados
Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados
Ordem dos Advogados do Brasil — São Paulo
Original 123 Assessoria de Imprensa
Pardo Advogados Associados
Prevent Senior
Sergio Bermudes Advogados
Tavares & Krasovic Advogados
Tojal Renault Advogados
Warde Advogados

 

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