Opinião

Mudanças climáticas e bacias hidrográficas: olhar a partir do RS

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24 de maio de 2024, 18h18

As bacias hidrográficas e suas características tornaram-se tema frequente nos debates envolvendo os últimos desastres causados pelos eventos climáticos de chuvas intensas no Rio Grande do Sul entre os meses de abril e maio.

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A divisão do território brasileiro em bacias e sub-bacias hidrográficas foi proposta em fevereiro de 1972 com a finalidade de ampliar e melhorar a oferta de dados aos usuários e implementar um sistema de informações capaz de processar os dados com eficiência e em tempo hábil, utilizando métodos lógicos e modernos para a época.

Em nível estadual, o território do Rio Grande do Sul foi dividido em três grandes bacias hidrográficas: a do rio Uruguai, a do Guaíba e a Litorânea. E, essas, em 25 unidades de gestão de recursos hídricos, que levam em consideração a área e a porcentagem de cada município inserido na bacia.

Área de conflitos

Nos termos da Política Nacional de Recursos Hídricos, a partir da promulgação da Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, as bacias hidrográficas são tidas, no âmbito do planejamento territorial, como a unidade básica de análise para o desenvolvimento de ações e medidas estruturais e não estruturais com a perspectiva de integração entre a gestão dos recursos hídricos e a gestão ambiental.

Na prática, contudo, os territórios das bacias hidrográficas são uma área de conflitos que vão além de seus limites físico-naturais.

O que vivenciamos e experimentamos nos eventos extremos de abril e maio mostra que não há mais espaço apenas para apenas mitigações ou compensações. É preciso reformulação e proposição de ações e medidas voltadas à gestão hídrica e territorial; revisão do planejamento urbano, com adaptação para os eventos climáticos extremos; mitigação de risco, prevenção e resposta rápida, assim como o fortalecimento do combate à degradação das matas ciliares e demais áreas de preservação permanentes. Ainda, são necessários Planos Municipais e Regionais de Ações Climáticas que efetivamente saiam do papel.

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O rol é exemplificativo. Ações de planejamento territorial direcionadas às questões hídricas necessitam ser observadas e planejadas considerando a sua área de influência indireta pois, conforme pudemos testemunhamos, essa vai além da área geográfica.

Em todo o mundo, o tema vem sendo debatido. Em outubro de 2021, o evento “Circuito Urbano”, promovido pela ONU Habitat, debateu acerca das mudanças climáticas e as bacias hidrográficas e concluiu que o tema tem total sinergia com cidades sustentáveis, visto que está diretamente ligado ao tema energia limpa e renovável.

Articulação regional

No âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, está em elaboração pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura, desde 2020, o Programa Estadual de Revitalização de Bacias Hidrográficas para execução e monitoramento de projetos pilotos nas bacias hidrográficas dos rios Gravataí e Sinos.

Na região metropolitana gaúcha, estudos elaborados pela Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan) entre 2015 e 2018, culminaram em planos de proteção contra cheias para municípios nas áreas das bacias dos rios Gravataí e Sinos, da Sub-bacia do Arroio Feijó e do Delta do Jacuí.

No âmbito do Ministério Público do Rio Grande do Sul, desde o ano de 2008, há atuação de Promotorias de Justiça Regionais do Meio Ambiente de Bacias Hidrográficas dos rios Caí, Ijuí, Gravataí, Sinos, Taquari-Antas, Santa Maria-Negro e Vacacaí-Vacacaí Mirim. A articulação regional permite a construção de uma agenda ambiental positiva, voltada ao enfrentamento dos problemas que atingem não apenas uma comunidade, mas toda a bacia hidrográfica, sendo que a atuação se dá quando o tema ou fato investigado gerar reflexo de âmbito regional na área da respectiva bacia.

Passar a entender que as discussões acerca das bacias hidrográficas abrangem mais do que somente as áreas onde as águas de arroios ou rios escoam de pontos mais altos para a porção mais baixa, em direção ao corpo hídrico principal, é compreender que todos têm que fazer parte de uma (re)educação ambiental, planejamento, monitoramento e fiscalização do que ocorre na bacia como um todo.

Comitês

E aqui se faz necessário destacar o valoroso e importante trabalho dos comitês de bacias hidrográficas, organismo definido em Lei, formado por representantes dos usuários da água, da população da bacia e de órgãos da administração direta e que promovem inclusão, integração, colaboração de atores sociais envolvidos no território da bacia, além de produzirem e divulgarem informações socioambientais sobre a bacia hidrográfica, sendo uma fonte segura e atualizada de dados importante para políticas públicas, empreendedores e sociedade em geral.

Passar a conhecer, compreender e participar das discussões sobre as bacias hidrográficas é demonstrar a ligação das cidades com os seus rios. Estamos vivenciando as mudanças climáticas e precisamos ter um olhar para além dos limites de cada município, com reorganização em torno dos nossos cursos d´água, através da união interinstitucional e multidisciplinar.

O preço do (re)planejamento dos municípios que integram cada bacia hidrográfica será social e economicamente alto. Mas é, mais do que nunca, necessário.

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