Opinião

Direito Administrativo de Emergência e MP 1.221/24: eficiência necessária

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  • é advogado consultor parecerista sócio-fundador do escritório MFKlein Advogados especialista em Direito Público pela UFRGS MBA em PPPs e Concessões pela Fesp-SP e London School of Economics mestrando em Direito Público pela FGV Law-SP especializado em Negociação e Liderança pela Harvard Law School coordenador da Comissão de Infraestrutura da Divisão Jurídica da Federasul membro da Comissão de Concessões PPP Licitações e Desestatização da OAB-RS e do Instituto de Direito e Economia do Rio Grande do Sul.

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9 de junho de 2024, 17h22

A Medida Provisória nº 1.221, de 17 de maio de 2024, trouxe uma série de disposições voltadas à flexibilização das regras de contratação pública em situações de calamidade. Intitulada como Regime Excepcional para Contratações em Casos de Calamidade Pública, a medida visa prover meios mais ágeis e eficazes para a administração pública enfrentar emergências.

Concresul

A análise a seguir explora as implicações dessa medida sob a ótica do Direito Administrativo de Emergência, do federalismo, e da Análise Econômica do Direito (Law and Economics), considerando a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (RE 1.188.352) sobre a competência legislativa em matéria de licitações.

O Direito Administrativo de Emergência busca flexibilizar procedimentos para permitir uma resposta governamental mais célere e eficiente durante crises. A MP 1.221/2024 foi editada com o intuito de proporcionar um regime jurídico temporário e excepcional para aquisições e contratações necessárias ao enfrentamento de calamidades públicas.

Tal medida se justifica pela necessidade de respostas rápidas e eficientes, características essenciais em contextos emergenciais onde a burocracia pode ser um entrave à ação governamental. A medida provisória se aplica a todos os níveis da administração pública, desde o federal até o municipal, abrangendo um vasto escopo de ações.

A medida visa aumentar a eficiência alocativa, permitindo que recursos sejam rapidamente direcionados para áreas críticas. Reduzir os prazos de contratação e dispensar licitações podem aumentar a agilidade das respostas governamentais, embora a ausência de competição possa resultar em escolhas subótimas e favorecimento de fornecedores ineficientes

Principais disposições

Entre as principais disposições da medida provisória, destacam-se:

  1. Dispensa de Licitação: Permite a dispensa de licitação para aquisições e contratações indispensáveis ao enfrentamento da calamidade, reduzindo significativamente os prazos e etapas burocráticas.
  2. Redução de Prazos: Os prazos mínimos para apresentação de propostas e lances em licitações ou contratações diretas com disputa eletrônica são reduzidos pela metade, acelerando os processos de contratação.
  3. Prorrogação de Contratos: Autoriza a prorrogação de contratos vigentes por até 12 meses além dos prazos estabelecidos nas Leis nº 8.666/1993 e 14.133/2021, proporcionando continuidade aos serviços essenciais.
  4. Contratos Verbais: Permite a formalização de contratos verbais até o limite de R$ 100.000,00 em situações de urgência extrema, dispensando a necessidade de formalização escrita imediata.
  5. Sistema de Registro de Preços: Introduz um regime especial para registro de preços, incluindo a possibilidade de contratações diretas de obras e serviços de engenharia.

A MPV 1.221/2024 representa um avanço significativo em termos de agilidade e eficiência na administração pública durante crises. A possibilidade de dispensar licitações e a redução de prazos são medidas que podem efetivamente acelerar a resposta governamental em momentos críticos. No entanto, essas flexibilizações devem ser acompanhadas de mecanismos robustos de transparência e controle para evitar abusos e fraudes.

Transparência e coordenação

Um ponto positivo da MP é a exigência de publicação de todos os contratos e aquisições no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) em até 60 dias após a contratação. Essa medida visa garantir a transparência e permitir o controle social e institucional sobre as ações governamentais. Contudo, a eficácia dessa medida depende de sua implementação rigorosa e supervisão contínua.

A medida reflete a necessidade de coordenação entre diferentes níveis de governo em uma federação. A medida aplica-se a todos os entes federativos, permitindo uma resposta coordenada e abrangente às calamidades. A decisão do STF no RE 1.188.352, relatado pelo ministro Luiz Fux, reconhece a competência dos estados e municípios para legislar sobre procedimentos licitatórios específicos, desde que não contrariem normas gerais estabelecidas pela União.

Essa decisão reforça a autonomia dos entes subnacionais para adaptar procedimentos licitatórios às suas realidades locais, promovendo um federalismo mais equilibrado e cooperativo​. Isso permite que os entes possam editar normas locais que possam melhor refletir as contratualizações públicas, observadas as normas gerais.

Redução de custos, celeridade e controle

A simplificação dos procedimentos administrativos e a dispensa de licitação visam reduzir os custos de transação, que incluem custos de negociação, monitoramento e execução dos contratos. No entanto, esses benefícios devem ser ponderados contra o risco de corrupção e abuso.

A medida provisória cria incentivos para uma resposta rápida e eficiente da administração pública. No entanto, a falta de competição pode levar a comportamentos oportunistas por parte dos fornecedores. Implementar mecanismos de controle e incentivos que alinhem os interesses dos fornecedores com os objetivos públicos é essencial.

O Tribunal de Contas da União, ao analisar consulta sobre situações de calamidade, decidiu (Decisão Plenário 627/1999) que situações emergenciais e de calamidade pública, em nome do interesse coletivo, é plenamente legítima a contratação direta de compras ou serviços.  

Riscos e desafios

Apesar dos benefícios evidentes, a MP 1.221/2024 não está isenta de críticas. A principal preocupação reside na possibilidade de abuso das flexibilizações, especialmente em relação à dispensa de licitação e à formalização de contratos verbais. Em contextos de emergência, a pressa pode abrir brechas para abusos pode comprometer a qualidade dos bens e serviços adquiridos, sendo necessário garantir que os fornecedores mantenham padrões elevados de desempenho é crucial.

Outra crítica diz respeito à prorrogação de contratos vigentes. Embora a continuidade dos serviços seja essencial, a prorrogação por períodos longos pode limitar a competitividade e a entrada de novos fornecedores no mercado, potencialmente resultando em contratações menos vantajosas para a administração pública.

A distribuição equitativa de recursos entre diferentes regiões é um desafio. A coordenação entre os níveis de governo deve assegurar que todas as áreas afetadas recebam a assistência necessária.

Conclusão

A MP 1.221/2024 é uma resposta necessária e bem-vinda para as situações de calamidade pública, trazendo agilidade e flexibilidade às contratações governamentais. No entanto, a sua implementação deve ser acompanhada de controle e transparência para evitar abusos e garantir que os recursos públicos sejam utilizados da forma mais eficiente possível. O equilíbrio entre celeridade e integridade é crucial para o sucesso deste novo regime jurídico.

Autores

  • é advogado, consultor, parecerista, sócio-fundador do escritório MFKlein Advogados, especialista em Direito Público pela UFRGS, MBA em PPPs e Concessões pela Fesp-SP e London School of Economics, mestrando em Direito Público pela FGV Law-SP, especializado em Negociação e Liderança pela Harvard Law School, coordenador da Comissão de Infraestrutura da Divisão Jurídica da Federasul, membro da Comissão de Concessões, PPP, Licitações e Desestatização da OAB-RS e do Instituto de Direito e Economia do Rio Grande do Sul.

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