Segunda Leitura

O desafio do ponto certo na sustentabilidade ambiental

Autor

  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

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9 de junho de 2024, 8h00

A Organização das Nações Unidas (ONU) vem, desde a histórica primeira conferência ambiental em 1972, tentando encontrar o ponto certo entre o desenvolvimento, a questão social e a proteção do meio ambiente.

Isto pode ser percebido com facilidade, examinando-se as conclusões das grandes conferências da ONU, a começar pelos Princípios 8 e 9 estabelecidos em Estocolmo, 1972, nas cinco menções ao desenvolvimento e meio ambiente na Rio-92, no lema Economia Verde mais meio ambiente, com os itens de 11 a 33 na Declaração Johanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável, em 2002, no explícito apoio dado ao desenvolvimento econômico menos consumista e mais voltado ao meio ambiente da Rio + 20 e em nada menos do que nos 5 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), no grande projeto de controle do aquecimento global concertado entre mais de 100 países no ano de 2015.

O Brasil não ficou alheio ao movimento. A começar pela Constituição, que vincula a atividade empresarial à defesa do meio ambiente (artigo 170, inc. VI), até a legislação ordinária, como, por exemplo, o Estatuto das Cidades (artigo 2º, item 1, cidades sustentáveis). Não são diferentes os decretos, bastando citar o recente nº 12.045, do dia 5 passado, que institui o Programa Nacional de Conservação e Uso Sustentável dos Manguezais do Brasil.

Cabe aqui registrar que desenvolvimento sustentável e sustentabilidade costumam ser tratados como se iguais fossem. Na minha opinião não é exatamente assim. A sustentabilidade é um passo mais avançado do desenvolvimento sustentável, pois não se limita às atividades econômicas, ao contrário, é mais ampla, abrangendo atividades privadas sem intuito de lucro e as da administração pública.

Reflexos do desastre ambiental no Rio Grande do Sul

Atualmente, assustados com a tragédia da enchente que atingiu quase todo o território do estado do RS, com consequências que sequer conseguimos avaliar na sua integralidade,  clamamos por maior cuidado com o meio ambiente, mudança no sistema de vida, na economia e na forma de condução da administração pública.

Spacca

No entanto, vale aqui a pergunta: queremos de verdade a sustentabilidade? Estamos, realmente, dispostos a renunciar às comodidades que a vida moderna nos proporciona? Aceitamos assumir a nossa responsabilidade pessoal, sem atribuir todos os deveres aos administradores públicos e outros atores?

Se a resposta for sim, então devemos concordar com uma série de limitações em nossas vidas.

Exemplos: a) o gado produz em metano o equivalente a 7,1 bilhões de toneladas de CO2 por ano. Renunciaríamos a comê-lo? Sem ele, teríamos como alimentar a população? b) a aviação é responsável por cerca de 2,4% das emissões de gás carbônico na atmosfera. Estamos dispostos a renunciar ao transporte aéreo em voos inferiores a 500 km, utilizando ônibus? c) vamos permitir empreendimentos grandes que proporcionem lazer, desenvolvimento econômico e social, como o Beto Carreiro World — situado em Penha (SC) —, o maior parque temático da América Latina, e ocupando uma área de 14 milhões de m2? Negaríamos, hoje, licença ambiental a este empreendimento? d) vamos economizar energia elétrica, desligando um dos elevadores do nosso edifício? e) usaremos transporte coletivo nas cidades, deixando o carro em casa? f) bicicleta? g) suspenderemos pelo prazo de 1 ano qualquer compra de roupas, evitando o gasto de tecidos, linha, botões, zíper, energia na confecção, água para lavagem dos jeans?

Se a resposta for não, para sermos coerentes temos que assumir dois compromissos: a) não reclamarmos de terceiros pelos problemas ambientais que venham a surgir; b) assumirmos os riscos de um futuro em que, cada vez com mais frequência, conviveremos com desastres ambientais.

As consequências de tomada de posição extrema

Supondo — em um otimismo digno de Cândido de Voltaire —  que nós humanos somos todos pessoas de elevado nível de consciência ambiental e que estamos dispostos a renunciar às nossas comodidades a favor de maior estabilidade ambiental, temos que pensar nas consequências deste ato. A mais clara e direta será a paralisação de expressiva parte da economia. Com efeito, milhares de empregados serão dispensados e a estagnação econômica implicará em não recolhimento de tributos, o que prejudicará as políticas públicas.

Disto decorrerá a impossibilidade de cumprirmos do artigo 6º da Constituição, que reconhece serem “direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

Os direitos sociais, obviamente, não são fáceis de serem alcançados, mas são metas a serem perseguidas permanentemente. Não só pelo comando constitucional mas, simplesmente, porque, se abandonadas, estaremos afrontando diretamente o princípio da dignidade humana, da mesma forma com previsão constitucional (artigo 1º, inciso III). Quais seriam os resultados de grave retração da nossa economia?

Com certeza a pobreza extrema levaria a população a dispor de menos recursos para uma existência digna, como energia elétrica, água tratada educação próxima e de boa qualidade, vestuário e tudo que se espera como mínimo existencial. E mais. Bolsões de pobreza levam a áreas dominadas pelos líderes do tráfico ou de milícias, locais onde o estado perde o território e, inclusive, a invasões de áreas de proteção ambiental com danos irreversíveis. Sobre este assunto já tive oportunidade de escrever nesta coluna [1]. Vejamos um exemplo desta semana, com reflexos na saúde e na economia:

Em um posto de Niterói (RJ), o etanol vendido nas bombas não estava só “batizado”, como composto por 92,1% de metanol, uma substância tóxica – o limite permitido pela lei é de 0,5%. Flagrantes de uso irregular e adulteração com o produto, como esse feito pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em julho de 2023, ficaram mais comuns no último ano [2].

A busca do ponto certo

A busca do ponto certo, do equilíbrio, por certo é muito complexa. Mais fácil sempre será criticar tudo e todos, muitas vezes com os olhos postos nas eleições mais próximas. Mas isto, com certeza, não ajuda nada, apenas contribui para maior radicalismo e incompreensão.

O ponto certo é uma luta permanente, é a vigilância contínua de todas as ações, do poder público, dos que detêm o poder seja qual for a esfera, das empresas, dos que nos cercam e nossa também. A nossa é essencial, pois dá-nos legitimidade para exigir a dos outros. E ela vai desde o singelo uso de uma caneca para tomar água no trabalho, evitando o copo plástico, até a prática do transporte solidário.

No âmbito do Direito, a jurisprudência ambiental brasileira é rigorosa. O STF considera imprescritível o dano ambiental [3]. O STJ tem súmulas que cercam e controlam a ação do poluidor. Por exemplo, a Súmula 613 não admite a alegação do fato consumado, a 618 permite a inversão do ônus da prova a favor de quem propõe a ação ambiental, a 623 transfere a responsabilidade àquele que passa a ser dono do imóvel que sofreu dano ambiental, mesmo que nada tenha feito e a 629 obriga o poluidor a recuperar o bem ambiental e a indenizar a coletividade.

No entanto, há mais a fazer do que as sanções pelo Judiciário. É preciso mais do que tudo prevenir. E neste particular muito se pode fazer em áreas diversas. Exemplificando:

  1. O licenciamento ambiental deve, sim, ser rigoroso. Mas não pode ser um eterno ir e vir de exigências, pois o empreendedor tem prazos e compromissos, pagando caro pela demora na definição;
  2. Os acordos, não nos grandes eventos, mas sim nos de rotina, devem abranger uma solução única para as três esferas, administrativa, civil e penal, pois esta é a única forma de avançarem realmente;
  3. As decisões administrativas e judiciais devem cumprir o art. 20 da Lei 13.665, de 2018, levando em consideração os efeitos práticos da decisão, entre os quais, principalmente, os reflexos na economia e no número de empregos;
  4. As decisões sobre medidas a serem tomadas contra o aquecimento global devem ser tomadas ouvindo-se as seguradoras, pois elas, como afirma Nizan Guanaes, possuem dados mais completos até do que o Greenpeace e sabem avaliar o que acontecerá a cada décimo a mais no aquecimento global [4].

Em conclusão

Valendo-me do pensamento de Ignacy Sachs, concluo afirmando que a sustentabilidade exige uma posição madura que evite um ambientalismo juvenil, que não leva em conta a pobreza que fere a dignidade da pessoa humana e também o desenvolvimento a qualquer preço, que degrada a natureza para o proveito de poucos.

 


[1] FREITAS, Vladimir Passos de. A morte de Dom e Bruno, o crime organizado e a perda de território. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jun-19/segunda-leitura-morte-dom-bruno-crime-organizado-territorio/. Acesso em 7 jun. 2024.

[2] RPA News, 6 jun. 2024. Disponível em: https://revistarpanews.com.br/alcool-toxico-e-elo-com-pcc-como-agem-quadrilhas-que-adulteram-combustivel/. Acesso em 7 jun. 2024.

[3] STF, Recurso Extraordinário (RE) 654.833, com repercussão geral (Tema 999).

[4] GUANAES, Nizan. Brasil sem corrupção. A terceira guerra mundial. Disponível em: https://www.facebook.com/groups/1046630105793873/permalink/1970881820035359/?mibextid=xfxF2i&rdid=Bi2H41Tcvu9t3GRK&share_url=https%3A%2F%2Fwww.facebook.com%2Fshare%2Fp%2FErozmZ3vwPAtrhjY%2F%3Fmibextid%3DxfxF2i. Acesso em 8 jun. 2024.

Autores

  • é presidente da ALJP (Academia de Letras Jurídicas do Paraná); professor de Direito Ambiental e Sustentabilidade; pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR; desembargador federal aposentado, ex-presidente do TRF-4. Foi Secretário Nacional de Justiça, Promotor de Justiça em SP e PR, presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e do Ibrajus ( Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário).

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