Opinião

As hipóteses de cabimento de embargos contra decisão obstativa de recurso especial

Autor

  • Pablo Freire Romão

    é procurador do município de Fortaleza advogado mestre em Direito e Gestão de Conflitos pela Unifor pós-graduado em Direito Processual Civil pela Unifor pós-graduando no LLM Processos e Recursos nos Tribunais Superiores pelo IDP e membro da Annep.

2 de maio de 2024, 17h14

Da decisão que obsta a subida de recurso especial, existem, em tese, dois agravos cabíveis: agravo interno no caso de o recurso especial ter seu seguimento negado em razão de conformidade do acórdão com tese firmada em recurso repetitivo (CPC, artigo 1.030, I, b, § 2º) e agravo em recurso especial na hipótese de inadmissibilidade em razão da falta de pressupostos recursais (CPC, artigo 1.030, V, § 1º).

No caso de a decisão obstativa de trânsito do recurso conter fundamentos relacionados à sistemática dos recursos repetitivos e à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais, a parte deve interpor, simultaneamente, o agravo interno (CPC, artigo 1.021) e o agravo em recurso especial (CPC, artigo 1.042), caso queira impugnar os dois capítulos decisórios [1]. Trata-se de uma exceção à unirecorribilidade [2].

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se estabeleceu no sentido de que são manifestamente incabíveis [3] os embargos de declaração opostos em face de decisão de inadmissibilidade ou de negativa de seguimento de recurso especial na origem, motivo pelo qual eles não interrompem o prazo para a interposição de agravo interno ou agravo em recurso especial, tratando-se de um erro grosseiro [4].

Trata-se de jurisprudência defensiva que ofende o disposto no artigo 1.022 do CPC, cujo teor normativo admite a oposição de embargos de declaração em face de “qualquer decisão judicial” [5]. Considerando que a inadmissão ou a negativa de seguimento de um recurso especial possui conteúdo decisório, é inegável o cabimento dos embargos de declaração. Logo, o STJ nega vigência a texto expresso de lei.

Ao impedir a subida de um recurso especial, o ato que inadmite ou nega seguimento inequivocamente é uma decisão judicial, a qual se destina a resolver uma fase processual específica e com interferência direta e clara nas posições processuais das partes. Como decorrência lógica do seu conteúdo decisório, para destrancar o recurso, o recorrente deve interpor agravo interno ou agravo em recurso especial.

O entendimento do STJ desrespeita texto expresso da lei processual. Todavia, diante da ausência de qualquer indicativo de que tal entendimento será superado, de nada adianta a crítica reiterada. É preciso que sejam encontradas soluções dentro do sistema processual, com o fim de proteger as situações em que os embargos de declaração se revelarão necessários contra a decisão de inadmissão ou denegatória.

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Por isso, não se busca provocar, por meio deste artigo, a revisão do equivocado entendimento do STJ, pois se trata de compreensão já bastante enraizada no tribunal. Na verdade, o próprio STJ, ao verificar que impediu a oposição de embargos de declaração contra uma decisão judicial, teve de enfrentar as nocivas consequências do seu posicionamento, sendo forçado a criar uma peculiar hipótese de exceção.

Tratando-se de uma decisão judicial, os vícios de omissão, obscuridade, erro material ou contradição no ato processual que obsta a subida de recurso especial podem causar graves prejuízos ao recorrente, sobretudo quando a fundamentação ou o dispositivo impedirem ou dificultarem a perfeita compreensão acerca do que foi decidido, causando insegurança quanto à futura interposição de agravo.

Agravo interno ou em recurso especial

Imagine-se a situação na qual a decisão possui fundamentação quanto ao fato de o acórdão do tribunal de origem se encontrar em consonância com tese firmada em recurso repetitivo, mas, ao final, no seu dispositivo, conclui pela inadmissão com base no inciso V do artigo 1.030 do CPC. Deve o recorrente interpor agravo interno (CPC, artigo 1.030, §2º) ou agravo em recurso especial (CPC, artigo 1.030, §1º)?

Tal situação demanda a oposição de embargos de declaração para o saneamento de contradição interna. Sem o esclarecimento pelo prolator, o recorrente não terá a segurança necessária para o movimento processual subsequente, com risco de prejuízo ao direito material subjacente em razão de um problema decisório incapaz de ser corrigido, tendo em vista o não cabimento dos embargos de declaração.

Por conta de casos assim, o STJ foi forçado a flexibilizar a rigidez da sua posição, passando a admitir, excepcionalmente, a oposição de embargos de declaração em face de decisão de inadmissibilidade ou negativa de seguimento de recurso especial pelo tribunal de origem quando ela “for tão genérica que impossibilite ao recorrente aferir os motivos pelos quais teve o seu recurso obstado” [6].

A exceção estipulada pelo STJ é descomedidamente aberta, subjetiva e discricionária. Afinal, o que seria uma decisão genérica capaz de impossibilitar à parte recorrente a compreensão dos motivos pelos quais teve o seu recurso especial obstado? Trata-se de conceito cuja amplitude semântica gera mais insegurança ao recorrente, que pensará duas vezes se vale a pena tentar a correção do vício.

A sensação de insegurança decorre do fato de que não se pode antecipar, com razoável grau de certeza e tranquilidade, se o STJ (no caso de agravo em recurso especial) ou o próprio tribunal (em se tratando de agravo interno) compreenderá que a decisão embargada impediu a aferição dos motivos pelos quais teve o recurso obstado, situação em que os embargos de declaração serão considerados incapazes de interromper o prazo para a interposição do agravo cabível, o qual poderá ser tido como intempestivo.

Diante da problemática apresentada, é papel da doutrina interpretar, desenvolver e apresentar situações concretas que se enquadrem nas hipóteses inseridas na ressalva fixada pelo STJ e, por consequência, admitem a oposição de embargos de declaração, com a interrupção do prazo para a interposição de agravo. Eis o propósito do texto: servir como ponto de partida para a apresentação concreta de decisões que se enquadram no cabimento dessa hipótese excepcional de embargos de declaração.

Em outras palavras, o presente artigo objetiva apresentar algumas hipóteses excepcionais nas quais se deve admitir, com base na jurisprudência do próprio STJ, a oposição de embargos de declaração em face de decisão do tribunal de origem que obsta a subida de recurso especial, objetivando conferir objetividade e segurança no manejo do referido recurso em situações processuais concretas e reais.

Ao desenvolver a exceção estabelecida, a jurisprudência do STJ estipula um único requisito: a decisão deve impossibilitar ao recorrente a aferição dos motivos pelos quais teve seu recurso especial obstado, inviabilizando a interposição do agravo. Em outras palavras, é preciso que o recorrente tenha dúvidas com relação à compreensão da razão pela qual o recurso não foi admitido ou teve o seguimento negado.

De forma objetiva, apresentam-se, a seguir, algumas situações concretas nas quais a exceção fixada pelo STJ encontra aplicabilidade, bem como os fundamentos dos respectivos embargos de declaração:

  1. Ausência de indicação do fundamento jurídico que nega a admissibilidade ou o seguimento do recurso especial (CPC, artigo 1.022, II: omissão);
  2. Contradição interna entre fundamentação e dispositivo quanto à causa da inadmissibilidade ou da negativa de seguimento; por exemplo, quando a motivação trata da incidência da Súmula nº 7 do STJ e o dispositivo aplica o artigo 1.030, I, b, do CPC, que trata da negativa de seguimento em virtude de o acórdão do tribunal de origem estar em consonância com uma tese firmada em recurso especial repetitivo (CPC, artigo 1.022, I: contradição);
  3. Fundamentação desenvolvida no sentido da admissibilidade do recurso, mas dispositivo que decide pela inadmissibilidade ou negativa de seguimento (CPC, artigo 1.022, I e III: contradição e erro material);
  4. Apresentação de fatos ou argumentos estranhos ao processo, de modo a indicar que o recurso especial cuja admissibilidade foi apreciada difere daquele que foi interposto pela parte (CPC, artigo 1.022, I e III: obscuridade e erro material); e
  5. Negativa de seguimento com base em tese de recurso repetitivo totalmente estranha ao tema em discussão no processo, ensejando incompreensões quanto ao fundamento jurídico do não recebimento da insurgência (CPC, artigo 1.022, III: erro material).

Diante do exposto, nas cinco situações elencadas, verifica-se decisões cujos vícios impossibilitam ao recorrente a definição segura do próximo recurso a ser interposto e das razões destinadas à reforma do pronunciamento judicial que obstou o processamento do recurso especial, impedindo a aferição plena dos motivos pelos quais a insurgência não foi admitida ou teve o seu seguimento negado.

Evidentemente, não se objetiva, por meio do presente texto, dizer que apenas essas cinco hipóteses de decisões defeituosas se enquadram na ressalva do STJ. O objetivo é contribuir com a interpretação da exceção estipulada, visando a apresentar, de forma não exaustiva, determinadas situações concretas nas quais se verifica a possibilidade de oposição dos embargos de declaração na hipótese em análise.


[1] STJ, AgInt no AREsp n. 2.102.191/RS, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 20/11/2023.

[2] Enunciado nº 77 da I Jornada de Direito Processual Civil – Para impugnar decisão que obsta trânsito a recurso excepcional e que contenha simultaneamente fundamento relacionado à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral (art. 1.030, I, do CPC) e fundamento relacionado à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais (art. 1.030, V, do CPC), a parte sucumbente deve interpor, simultaneamente, agravo interno (art. 1.021 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos recursos repetitivos ou repercussão geral e agravo em recurso especial/extraordinário (art. 1.042 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos fundamentos de inadmissão por ausência dos pressupostos recursais.

[3] STJ, AgInt nos EAREsp n. 1.653.277/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 26/4/2022.

[4] STJ, AgInt no AREsp n. 2.175.117/SC, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 18/3/2024.

[5] Enunciado nº 75 da I Jornada de Direito Processual Civil – Cabem embargos declaratórios contra decisão que não admite recurso especial ou extraordinário, no tribunal de origem ou no tribunal superior, com a consequente interrupção do prazo recursal.

[6] STJ, AgInt no AREsp n. 2.261.985/MS, relator Ministro Afrânio Vilela, Segunda Turma, julgado em 8/4/2024; STJ, AgInt nos EAREsp n. 2.225.405/MT, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 17/10/2023; STJ, AgInt no AREsp n. 2.330.226/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/8/2023.

Autores

  • é procurador do município de Fortaleza, advogado, mestre em Direito e Gestão de Conflitos pela Unifor, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Unifor, pós-graduando no LLM Processos e Recursos nos Tribunais Superiores pelo IDP e membro da Annep.

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