Opinião

Cessação automática dos efeitos da coisa julgada tributária e modulação dos efeitos

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17 de abril de 2024, 11h15

No dia 4 de abril de 2024, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento dos embargos de declaração outrora opostos no RE 949.297 e no RE 955.227, respectivamente em relação aos temas 881 e 885. Nesse sentido, referidos embargos declaratórios pretendiam alcançar a modulação dos efeitos em relação à tese fixada acerca da cessação automática dos efeitos da coisa julgada em matéria tributária, cujo julgamento, por sua vez, ocorreu em fevereiro de 2023.

Como já amplamente conhecido pela comunidade jurídica e não jurídica, do referido julgamento sobreveio a tese de que “(…) as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”.

Ainda em fevereiro de 2023, mesmo antes da publicação do respectivo acórdão, tivemos a oportunidade de escrever sobre o tema no intuito de rebater as diversas críticas que estavam sendo tecidas na ocasião, com rótulos midiáticos e simplificadores acerca do “fim da coisa julgada”, “quebra da coisa julgada”, “relativização da coisa julgada”, etc.

Isto porque hoje resta claro que a suposta “surpresa” da comunidade jurídica e do mercado como um todo, de fato, não tinha tanta razão de ser! Nessa empreitada, tivemos a oportunidade de citar os ensinamentos do saudoso ex-ministro Teori Zavascki, para quem os efeitos das decisões transitadas em julgada com conteúdo prospectivo devem perdurar somente enquanto perdurarem o suporte fático e a respectiva realidade normativa da ocasião.

Dito isso, pretendemos comentar a inaplicabilidade da modulação dos efeitos pleiteada nos embargos de declaração opostos nos autos dos temas 881 e 885, o que nos levou a pergunta do título: onde foi parar a irretroatividade dos temas 881 e 885 para a CSLL?

Isto porque na tese fixada pelo STF está expressamente prevista a necessidade de observância da “irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”, conforme acima colacionado.

Spacca

Ora, com a modulação dos efeitos negada pela maioria dos ministros, a CSLL que deixou de ser paga de 2007 para frente poderá ser cobrada para aqueles contribuintes que tinham decisões favoráveis obtidas no longínquo ano de 1992. No caso específico, portanto, parece que a irretroatividade fixada pelo STF nos temas 881 e 885 não teve a respectiva aplicabilidade no primeiro caso julgado sob tal ótica.

Evidentemente que, do ponto de vista processual e jurídico, não pretendemos confundir o leitor acerca da aplicação da anterioridade e irretroatividade para os possíveis novos casos enquadrados na tese fixada nos temas 881 e 885 com a falta de modulação de efeitos do caso específico da CSLL. Todavia, não deixa de ser contraditório a observância da irretroatividade e anterioridade para os temas 881 e 885 e, logo no primeiro caso que deu azo à criação da tese em comento, o STF permitir que a cobrança da CSLL retroaja até 2007 (respeitada, é claro, a prescrição a depender do caso concreto).

Mais lógico seria se no julgamento dos temas 881 e 885 o STF, coerentemente, tivesse aplicado essa lógica para o caso da CSLL, de modo que o recolhimento para tais contribuintes começasse a valer pelo menos a partir de fevereiro de 2023. Afinal de contas, já se passaram 17 anos desde o referido marco temporal no qual o STF fixou que a CSLL deveria ser recolhida por todos.

Marco temporal

Até fevereiro de 2023, nunca o Supremo Tribunal Federal havia julgado a questão da cessão dos efeitos da coisa julgada em matéria tributária, como bem observou o ministro Dias Toffoli em seu voto a favor da modulação dos efeitos. Antes do referido marco temporal, portanto, havia plena confiança por parte dos contribuintes a respeito do manto da coisa julgada que revestia suas decisões, de modo que estas somente poderiam ser atacadas por meio de ações rescisórias, para citarmos aqui uma hipótese.

A possibilidade de cessação automática dos efeitos da coisa julgada em matéria tributária, nesse sentido, por mais que não pudesse consistir em absoluta novidade ou surpresa para os contribuintes, como já afirmamos, de fato tornou-se tese jurídica consolidada e pacificada em repercussão geral somente após o julgamento dos temas 881 e 885 a partir de fevereiro de 2023.

Antes disso, necessariamente, havia a necessidade prévia de ação rescisória que pudesse desconstruir ou, ainda, limitar os efeitos de decisão transitada em julgada em controle incidental de constitucionalidade.

Em que pese o voto muito bem fundamentado do ministro Luiz Fux, que abriu divergência quanto a necessidade de modulação dos efeitos da decisão, acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Edson Fachin e Nunes Marques, a maioria do STF decidiu por afastar a modulação, reconhecendo tão somente a não incidência de multas punitivas e moratórias para os contribuintes que, por sua vez, cumpriam o quanto disposto em títulos transitados em julgado.

Ao decidir pela não aplicação da modulação de efeitos, o STF fere o princípio da proteção da confiança, também citado por Toffoli e, no nosso singelo modo de ver, traz contradição para o bojo dos temas 881 e 885 que inicialmente não existia quando da prolação do acórdão posteriormente embargado.

Referido acórdão, publicado em 2 de maio de 2023, foi claro em relação ao corte temporal a partir do qual decisões transitadas em julgado em controle difuso passam a perder seus efeitos. Foi adequado, outrossim, em relação à aplicação dos princípios da irretroatividade e anterioridade para os contribuintes que sejam efetivamente afetados, sob a correta analogia de que tal decisão passaria a valer como um novel tributo nessas exatas circunstâncias.

Por tais argumentos, nos parece contraditório, data vênia, a fixação desses importantes princípios da anterioridade e irretroatividade no bojo dos temas 881 e 885, mas, no caso envolvendo a CSLL — que justamente deu azo à formulação da tese —, o STF possibilitar a cobrança retroativa do referido tributo a partir de 2007 para aqueles contribuintes que tinham decisões de mérito transitadas em julgado.

Nesse caso, sabemos que diante de eventuais vícios de contradição, novos embargos de declaração poderão ser opostos, possibilidade essa que, inclusive, fora ventilada pelo próprio ministro Flávio Dino durante a sessão de julgamento finalizada no dia 4 de abril de 2024.

Aguardemos.

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