Trabalho Contemporâneo

Proporcionalidade ilógica: salário integral para trabalho parcial

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9 de julho de 2024, 8h00

Eu havia prometido a mim mesmo não entrar mais em críticas polêmicas. Ando cansado do ódio destilado em redes sociais. Mas parece que a lista de entendimentos da Justiça do Trabalho que causam espanto só aumenta (assim com o número de ações).

Semana passada, chamou minha atenção a seguinte manchete de reportagem publicada no jornal Valor Econômico: “Turmas do TST são favoráveis a salário integral em cobertura de férias”.

Imediatamente defendi a minha instituição, pois a questão se encontra pacificada há tempos pela Súmula 159, I do TST e, a meu ver, de forma correta: “Enquanto perdurar a substituição que não tenha caráter meramente eventual, inclusive nas férias, o empregado substituto fará jus ao salário contratual do substituído”.

Como sou daqueles antigos, que não concluem apenas pelo chamariz, li a reportagem completa, e aí minha surpresa logo no primeiro parágrafo: “O funcionário contratado para substituir trabalhador afastado de licença ou de férias deve ganhar o salário integral da pessoa substituída, mesmo que tenha absorvido somente parte do trabalho. Esse tem sido o entendimento da maioria das turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST), segundo levantamento realizado pelo FAS Advogados”.

A lógica trabalhista supera a lógica matemática. Ainda bem que os postulados matemáticos não estão sujeitos a entendimentos jurisprudenciais, caso contrário, seria o fim de uma ciência, como talvez já tenha ocorrido com o Direito.

Pela maioria do TST, funciona assim: se o empregado A com salário de R$ 3 mil substitui plenamente o B durante suas férias, que recebe R$ 6 mil, com razão, porque passou aquele período executando totalmente as funções e assumindo as responsabilidades de B, A receberá a diferença salarial entre seu próprio vencimento e o do colega substituído, ou seja, R$ 3 mil no nosso exemplo.

Spacca

Agora, se A, durante as férias, assume apenas uma única tarefa dentre as várias de B, sem falar nas diversas responsabilidades, igualmente A receberá a diferença de R$ 3 mil. Entenderam?  Eu não.

Necessidade da integração

A primeira consequência que posso imaginar é o custo trabalhista exponencial, pois se as várias tarefas e responsabilidades de B foram divididas entre, por exemplo, dez empregados, todos eles deverão receber as diferenças salariais. Logo, uma conta de R$ 3 mil pode virar R$ 30 mil na Justiça do Trabalho em um estalar de dedos.

Segundo, o total desprezo pelo uso do ordenamento jurídico como um todo, e não apenas de forma isolada, para proteger o trabalhador contra mais uma “perversidade” empresarial, como parece ser a sempre ávida conclusão em nossa área.

Trata-se de uma questão de direito patrimonial, pois assumir parte das tarefas em substituição a um colega sem o salário correspondente gera uma lesão de cunho material (mais trabalho com o mesmo salário).

A legislação trabalhista possui, apenas, o artigo 450 da CLT sobre o tema, que não fala expressamente de salário, mas sendo óbvio que se um empregado substitui outro e garante a contagem do tempo de serviço naquele cargo, igualmente deve receber o salário, como a citada Súmula 159, I do TST já pacificou.

Entretanto, não há dispositivo legal tratando de substituição meramente parcial, o que leva à necessidade da integração dessa lacuna do Direito do Trabalho. Como proceder? Bem, a CLT dá várias possibilidades no artigo 8º, trazendo em seu parágrafo único o caminho mais óbvio: utilizar a legislação comum de forma subsidiária.

Sendo um caso de dano material, caberia simplesmente aplicar o Código Civil quando este trata da reparação de danos, uma regra geral elementar e cheia de equidade, estampada de forma cristalina no artigo 944: “A indenização mede-se pela extensão do dano”.

Jurisprudência sobre a proporcionalidade

Será tão difícil assim perceber que para assunção integral de funções a diferença salarial deve ser integral e para assunção parcial de funções a diferença deva também ser parcial?

O próprio TST em julgamento na Seção de Dissídios Individuais I (SDI-I) já havia chegado a tal conclusão (TST-E-ED-RR-66600-35.2008.5.03.0027):

“1. O direito ao recebimento de salário igual ao do substituído tem suporte no art. 5º da CLT, segundo o qual ‘a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo’, e a jurisprudência desta Corte Superior consolidou-se, conforme entendimento consubstanciado na Súmula n° 159, I, no sentido de que ‘enquanto perdurar a substituição que não tenha caráter meramente eventual, inclusive nas férias, o empregado substituto fará jus ao salário contratual do substituído’. 2. In casu, o reclamante substituía o supervisor, que respondia pela segurança da empresa, durante as suas férias, mas segundo o Regional, conforme registrado pelo acórdão turmário, a substituição não se operava de forma plena, porquanto o reclamante assumia as atribuições do supervisor apenas na cidade de Betim, mas não o substituía em toda a região metropolitana de Belo Horizonte, não obstante o substituído respondesse pela segurança da empresa em toda àquela região. 3. Dentro deste contexto fático, enquanto a Turma entendeu que o reclamante fazia jus ao salário-substituição, independentemente de não ter havido a assunção de todas as atividades, a reclamada, nos presentes embargos, alega que a ausência de assunção completa das tarefas do substituído afasta o salário-substituição. 4. Ora, embora o reclamante não tenha substituído pglenamente os haveres do supervisor, no seu período de férias, não pairam dúvidas de que a reclamada lhe conferiu maiores responsabilidades, sem a contraprestação correspondente. Por conseguinte, como o empregado substituiu outro, ainda que parcialmente, assumindo novas responsabilidades, deve ser remunerado pelo aumento de suas atribuições, pois a substituição plena não é requisito ensejador ao pagamento do salário-substituição, tendo em vista que não desnatura a substituição, quando o empregado é investido do cargo do substituído, com alguma alteração das atribuições a este normalmente cometidas, como ocorreu na hipótese. Entretanto, como o autor não exerceu plenamente as tarefas do substituído, conforme supramencionado, deve-se arbitrar o valor do salário-substituição proporcionalmente às tarefas desempenhadas. Recurso de embargos conhecido e parcialmente provido.”

Será que é muito difícil seguir não apenas o óbvio, mas a própria jurisprudência pacificada da SDI-I que existe justamente para isso? Se as próprias Turmas do TST ignoram tal julgamento, cada juiz também pode continuar com seus próprios entendimentos?

Quem imaginou que o novo CPC pudesse gerar mais segurança jurídica, ao retirar a expressão “livre” para o convencimento motivado do juiz, não esperava pelo julgamento freestyle da Justiça do Trabalho. Sigamos sem saber o que fazer.

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