Trabalho Contemporâneo

Inclusão de empresa do mesmo grupo econômico diretamente na execução

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7 de novembro de 2023, 8h00

Semana passada, dia 3 de novembro de 2023, o STF iniciou julgamento virtual de uma das questões mais interessantes para o Processo do Trabalho, configurada no Tema 1.232: “Possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, na fase de execução trabalhista, de empresa integrante de grupo econômico que não participou do processo de conhecimento”.

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O relator, ministro Dias Toffoli, sugeriu a seguinte tese: “É permitida a inclusão, no polo passivo da execução trabalhista, de pessoa jurídica pertencente ao mesmo grupo econômico (artigo 2º, §§ 2º e 3º da CLT) e que não participou da fase de conhecimento, desde que o redirecionamento seja precedido da instauração de incidente de desconsideração da pessoa jurídica, nos termos do art. 133 a 137 do CPC, com as modificações do art. 855-A da CLT. Aplica-se tal procedimento mesmo aos redirecionamentos operados antes da Reforma Trabalhista de 2017”.

Nesta segunda-feira (6/11), houve pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, suspendendo o julgamento. Talvez tenha sido prudente, pois o tema resvala em questão fundamental do Direito: a de que ninguém pode ser condenado sem o devido processo legal.

Para quem não acompanha muito a área trabalhista, a questão da inclusão de empresa integrante de grupo econômico diretamente na execução, ou seja, sem ter participado da fase de conhecimento, já passou por reviravoltas.

Interessante, neste caso, é que o problema estava resolvido desde 1985, isso mesmo, eu nem havia iniciado o ensino médio, por meio da Súmula 205 do TST em sua redação original: “O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução”.

Em 2003, 18 depois, o mesmo TST resolveu, por maioria absoluta, cancelar o verbete jurisprudencial, causando verdadeira inversão do que até então praticávamos na Justiça do Trabalho. Na época já era juiz e lembro bem que despachava pela não inclusão de empresas do grupo econômico diretamente na execução, até que sobreveio a mudança.

O resultado todos já conhecemos: de uma lado uma ideia de maior garantia do crédito trabalhista; de outro, insegurança jurídica e atropelamento do contraditório e devido processo legal.

A violação à garantia fundamental de não ser condenado senão após o exercício do contraditório em ação judicial sempre pareceu evidente, ainda mais com a cultura, que reinava até bem pouco tempo, de sequer garantir direito de defesa a quem era indicado como integrante do grupo econômico para realização de atos de constrição.

No Processo Trabalhista ainda vigora a regra de necessidade de garantia da execução para apresentação de embargos pelo devedor, o que gera a possibilidade de alguém, que nunca participou da relação processual, ser incluído diretamente para sofrer constrições em seu patrimônio para, apenas depois, poder discutir que não era devedor solidário por não ser integrante do alegado grupo econômico trabalhista.

Vários juízes, diga-se a verdade para evitar tamanha agressão, aceitavam a apresentação, pelo devedor ora incluído, de exceção de pré-executividade, medida sem previsão legal, mas aceita pela jurisprudência, que viabiliza o estabelecimento de contraditório sem garantia prévia do juízo. O problema é que isso dependia do entendimento de cada magistrado. E entendimento, bem, sabemos como é difícil…

Passados mais 20 anos do cancelamento da Súmula 205 do TST, o Supremo Tribunal Federal, enfrentando o tema, determinou a suspensão de todas as ações em andamento na Justiça do Trabalho, por decisão do ministro Toffoli, a fim de se aguardar o julgamento que finalmente pacificará a controvérsia.

Analisando-se o voto até aqui proferido, pode-se perceber que as atenções sobre o problema encontram-se no resguardo ao contraditório e à ampla defesa, tanto que a solução imaginada seria a inclusão da empresa participante do grupo econômico através do uso do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. E aí começam nossas críticas.

Primeiro, o incidente de desconsideração, criado justamente para viabilizar o contraditório para responsabilização de sócios, se por um lado garante a realização de defesa para o acusado, por outro não possui, em nosso ordenamento jurídico, previsão para utilização ao caso de empresas supostamente integrantes de grupo econômico trabalhista.

Seria uma solução com um toque de jeitinho brasileiro, pois a finalidade do IDPJ é bem específica e prevista em lei, não alcançando outras modalidades de responsabilização de terceiros que não participaram da relação processual.

E como matéria processual é de ordem pública, caberia, penso, apenas ao legislador criar os mecanismos para um suposto incidente de inclusão de empresa de grupo econômico em execução trabalhista.

Podemos imaginar de antemão alguns questionamentos: o que fazer com o parágrafo segundo do artigo 134 do CPC? Diz a lei: O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica. Para aproveitarmos em nosso “puxadinho” teremos que ignorar tal exigência.

Segundo, o disposto no artigo 137 do CPC será aplicável também aos casos de grupo econômico? Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente?

Provavelmente, dependerá do entendimento de cada juiz. E entendimento… bem…

Superado o obstáculo, como parece ser uma das vertentes propostas para a tese vinculante do Supremo, há outro aspecto que, a meu ver, é ainda mais grave e deveria balizar o futuro julgamento de questão tão sensível.

A inclusão de empresa diretamente na fase de execução, ainda que garantido o contraditório, inevitavelmente provoca lesão ao princípio do devido processo legal, pelo simples fato de ter sido suprimida a possibilidade do suposto novo devedor influenciar a formação do próprio título executivo judicial.

Não é raro, por exemplo, que haja julgamentos à revelia, ou seja, sem nenhum tipo de defesa pela parte ré, que geram condenações praticamente na integralidade dos pleitos formulados para, na fase de execução, o credor nem conseguir localizar o agora executado.

A solução? Busca de devedores secundários, principalmente sócios e outras empresas que seriam do mesmo grupo econômico, para inclusão direta na execução.

Recebe-se, portanto, uma dívida que poderia ter sido minorada, ou talvez nem existir, se durante a fase de conhecimento tivesse sido assegurado o amplo direito de defesa a quem agora é chamado para arcar com o crédito trabalhista já consolidado em execução.

A empresa do grupo econômico, se estivesse no polo passivo durante a fase de conhecimento, poderia ter arguido questões preliminares ou prejudiciais, como prescrição quinquenal; realizado defesa para evitar a revelia; produzido provas para contrapor os pleitos formulado; enfim, atuado no seu interesse além, óbvio, de poder negar a própria existência do grupo.

A confusão que o tema provoca, a meu ver, tem basicamente três premissas: confundir o fato de empresas serem de um mesmo grupo econômico não necessariamente configura fraude trabalhista; achar que por serem do mesmo grupo econômico todos são empregadores ao mesmo tempo (empregador único); e imaginar que o crédito trabalhista nunca deve ser frustrado, sempre se buscando alternativas para o adimplemento, doa a quem doer.

Assim, não bastasse a expressa determinação legal contida no artigo 513, §5º do CPC (“O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento”), aplicável ao Processo do Trabalho por força do artigo 15 do CPC e do artigo 889 da CLT, que já seria suficiente para resolver o problema, a observância do devido processo legal, em sua essência máxima — garantia do contraditório e da ampla defesa — deveria nortear a resolução final depois das idas e vindas do TST.

Enquanto o legislador não modificar o ordenamento jurídico, simplesmente não é possível a inclusão de empresas integrantes do mesmo grupo econômico diretamente na execução, nem através de IDPJ. Bom, este é meu entendimento… mas entendimento, como sabemos…

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