Opinião

Vitória no Carf favorece contribuinte e redesenha amortização de intangíveis

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5 de julho de 2024, 15h23

Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, define “marcas” como sinais distintivos visualmente (artigo 122) e “patentes” como certificado de propriedade e autoria de invenção ou modelo de utilidade (artigo 6º), permitindo os seus registros junto ao Inpe (Instituto Nacional de Propriedade Industrial). No entanto, sabemos que tais ficções jurídicas representam muito mais.

André Corrêa/Agência Senado

A primeira é o que provoca apelo emocional e identitário nos consumidores, valida e reconhece seus produtos em face dos demais do mercado. A segunda atribui originalidade às produções, construindo alimentando também os apelos anteriores. Conjuntamente, esses elementos dão razão a uma das figuras retóricas mais conhecidas do dia a dia humano — a metonímia (troca do bem pela marca que lhe estampa).

Em um mundo extremamente tecnológico em que os players competem para oferecimento os melhores serviços/produtos e atender todas as necessidades do público-alvo, por vezes, sendo direcionados à exploração de uma economia de escala, o desenvolvimento/aquisição/contratação de softwares são de suma importância. Seja enquanto forma perpetuar o negócio (aplicativos de mobilidade, entregas de comida e mercadorias,  entre outros) ou facilitar as operações (e-commerces e marketplaces que contratam meios de pagamento para garantir segurança e agilidade aos usuários).

Esses são alguns dos bens ou direitos que o Comitê de Pronunciamento Contábeis (CPC), em seu Pronunciamento Técnico CPC 04 (CPC 04), reconhece como “ativos intangíveis” e cujo custo/valor pode ser amortizado para fins de Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

A amortização é a forma eleita pelo legislador para mensurar a perda de valor desses ativos em função de sua obsolescência e que garante ao empresário, por meio da redução do lucro tributável da empresa, a recuperação do valor empregado em seu desenvolvimento/aquisição/contratação. Esse mecanismo é razão de diversos processos administrativos e judiciais no que tange ao reconhecimento, valor/custo, vida útil e cálculo do benefício econômico gerado pela exploração dos ativos.

Nesse sentido, interessante compreendermos:

  • 1 – critérios a serem atendidos para compor essa classe;
  • 2 – limites impostos pela legislação tributária para a amortização de seu custo/valor;
  • 3 – entendimento do Fisco a respeito dessas regras;
  • 4 – relevância do Processo nº 16327.721156/2019-01 para permitir o uso de métodos não lineares.

Inicialmente, para ser um intangível, o bem ou direito, além de atender à significação do item 8 “ativos não monetários identificáveis sem substância física, não representável por dinheiro ou direitos a serem recebidos em quantias fixas ou determináveis em pecúnia”, devem ser identificáveis (itens 11 e 12), controlados pela entidade (itens 13 a 16) e geradores de benefícios econômicos futuros (item 17) atribuíveis à sua exploração e reversíveis em favor da controladora (itens 21 a 23).

Vencida essa etapa preliminar, devem ser definidos o seu custo/valor e vida útil.

O primeiro é baseado nos gastos necessários para que o ativo possa exercer suas funções precípuas e dependerá de como o intangível é incorporado à companhia: 1 – aquisição separada (item 25 a 32); 2 – aquisição em combinação de negócios (item 33 a 43); 3 – de aquisição por subvenção ou assistência governamentais (item 44); 4 – de permutas de ativos (item 45 a 47); 5 – da expectativa de rentabilidade futura (goodwill) gerado internamente (item 48 a 50); e 6 – de produções próprias da pessoa jurídica (item 51 a 67).

A segunda deve ser “definida” (determinável) para que o investimento feito seja amortizado. Essa análise é muito discricionária, mas o CPC 04 fornece parâmetros, no item 90, facilitadores dessa delimitação como, por exemplo, período de controle e os limites legais para sua utilização, gastos necessários para atingimento dos benefícios econômicos, estabilidade do setor em que se insere e as medidas de resposta da concorrência.

Atendidos todos os requisitos para reconhecimento como intangível, devemos nos debruçar sobre as balizas fiscais inscritas na Lei 4.506/1964 e no Decreto 9.580/2018 para sua amortização.

O decreto, em resumo, em seus artigos 330 a 333, restringe a prerrogativa a ativos específicos, intrinsecamente ligados à produção ou comercialização dos bens e serviços da entidade e que possuam vida útil definida; diz que a perda de valor deve ser apurada via aplicação de taxa anual em função do período de utilização ou existência; limita o total amortizado ao seu custo/valor; e garante a recuperação de eventual saldo residual no último período de apuração.

Padronização do mercado

Apesar de a lei, instituidora do IRPJ e referência interpretativa para os demais normativos, nada dizer sobre a linearidade das taxas (fixa no tempo), o Fisco entende diferentemente em defesa da padronização do mercado e do maior controle de caixa da União, já que fatores fixos facilitam o planejamento para meses/anos em que as receitas federais sejam mais afetadas pelas quedas arrecadatórias com os tributos incidente sobre o lucro.

Esse modo de ser da autoridade ficou claro no dia 20 de fevereiro de 2024 com o julgamento do Recurso Voluntário nº 16327.721156/2019-01. Nesse precedente, o banco Bradesco se defendia da glosa de encargos apurados com base em percentuais não lineares. Contrariamente à intenção da Receita Federal, que alegava desrespeito ao ordenamento jurídico e prejuízo ao erário, os conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais reconheceram por unanimidade a faculdade do contribuinte não restringir as amortizações anuais a percentuais definidos pela divisão do custo/valor do intangível pelo seu período de existência/utilização.

Isso porque, assim como já adiantado, a legislação tributária em momento algum direciona o sujeito passivo ao proceder do Fisco, apenas limita o aproveitamento ao período de controle e ao total empregado e reconhecido como custo/valor.

Ademais, repisaram que, quando quis, o legislador definiu valores específicos de apropriação como na amortização do ágio baseado em rentabilidade futura de participação societária adquirida.

Esse julgado representa passo importante para a formação de corrente de pensamento que privilegia as especificidades de cada mercado e a aplicação tributária de critérios contábeis não lineares ou exponenciadores das taxas lineares de amortização como, por exemplo, o método dos saldos decrescentes; unidades produzidas; e receitas geradas.

O primeiro permite que a amortização se dê similarmente às depreciações incentivadas em razão do uso intensivo do bem ou direito, aplicando-se um fator multiplicador sobre a taxa linear e concentrando a recuperação do investimento nos primeiros anos de apuração.

O segundo atrela a prerrogativa à quantidade de unidades que se espera produzir com base no ativo. É muito útil para marcas e patentes em que se terá, obrigatoriamente, produtos deles derivados. A distribuição dos encargos dependerá das expectativas de produção da companhia e pode até mesmo culminar em um cenário de valor residual zero – maior parte do capital recuperado antes do encerramento do controle -.

O terceiro segue dinâmica parecida com o anterior, mas possui seu lastro nas receitas que se espera obter com o ativo ou com os produtos que dele se erijam, de modo que as considerações podem ser replicadas.

A utilização de critérios como esses podem produzir, em comparação aos efeitos da apropriação linear dos encargos de amortização para fins de IRPJ e CSLL, antecipação da recuperação do investimento em até 24,99 a 32,77% em testes de cinco anos e de progressão das unidades e receitas sem que parte relevante dele seja levada a prejuízo no último ano de apuração.

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