Segunda Leitura

TRF-6: outras boas razões para acreditar

Autor

  • André Prado de Vasconcelos

    é desembargador federal do TRF-6 (Tribunal Regional Federal da 6ª Região - MG) professor da Escola Superior Dom Helder Câmara Master in Comparative Law — Samford University EUA foi promotor de Justiça de Minas Gerais e juiz federal tendo sido diretor do Foro da Seção Judiciária de Minas.

21 de janeiro de 2024, 8h00

Uma tradução literal e equivocada da expressão inglesa “saving the best for the last” [1] pode até dar a ideia de que no dito popular se está apenas dividindo itens para deixar o melhor para o final.

Na verdade, contudo, o entendimento correto da expressão leva em conta que a parte mais agradável de algo deve ser mantida durante o maior tempo possível de forma a fazer a experiência mais memorável.

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E essa é a ideia de minha participação até o fim desse período de substituição, pelo que não poderia eu deixar de retornar ao tema da construção do Tribunal Regional Federal da 6ª Região uma vez mais.

Até porque seria muita pretensão de minha parte querer esgotar todos os aspectos dessa empreitada gigantesca em apenas uma oportunidade, tamanhos são, têm sido e serão os desafios à nossa frente.

Partindo, pois, dessa constatação, observo que no artigo publicado nesta coluna em 7/1 deste ano asseverou-se que “a experiência de participação no processo de construção do Tribunal Regional Federal da 6ª Região foi algo tão marcante quanto a própria luta histórica para sua instalação” e que 2023 “não foi um ano de calmaria” (2).

De fato, foram muitas medidas que, ao fim e ao cabo, demandaram esforço por parte de todos os envolvidos. Como todo parto que gera dor, mas que é pré-requisito imprescindível ao advento, a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região vem exigindo muitos sacrifícios por parte da Seção Judiciária de Minas Gerais como um todo, em especial, da hoje denominada Subseção Judiciária de Belo Horizonte.

Na própria Lei nº 14.226/21 (3), que cria a corte, no artigo 11, § 2º, incisos I e II, houve previsão da possibilidade de extinção de até três varas federais de competência cível, até duas de juizado especial federal e até uma de competência criminal que poderiam e foram extintas para viabilizar a instalação com o orçamento então existente. Demais disso o texto legal determinou que “as secretarias das varas federais da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais serão unificadas por área de competência e poderão ser ampliadas conforme a necessidade”.

O cumprimento dessas diretrizes legislativas representou uma mudança significativa da forma e dos procedimentos para aperfeiçoamento da prestação jurisdicional no primeiro grau. Houve perdas, mas muito mais do que isso, o que se observou foi uma resposta à altura do desafio por parte dos magistrados, servidores, prestadores de serviços e estagiários da Justiça Federal.

Criadas as Secretarias Unificadas, atualmente sob a coordenação dos nagistrados Itelmar Raydan Evangelista (cíveis), Jorge Gustavo Serra de Macêdo Costa (criminais) e André Gonçalves de Oliveira Salce (execuções fiscais), o trabalho de todo o corpo funcional foi uma lição de empenho, resiliência e inabalável compromisso com a causa pública ao longo do exercício de 2023.

À frente desse processo de construção do “novo primeiro grau”, em especial, o da capital, a Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 6ª Região mostrou, ao vivo e a cores, que, de fato, o princípio administrativo da desconcentração sempre atua em favor da eficiência.

Ter a Corregedoria perto aproximou e dinamizou as soluções, uma atuação voltada à interação. Além de ouvir, sobretudo, houve rapidez no decidir as questões que foram postas ao Órgão da Administração Superior. São exemplos de atuação os seguintes:

a) designação de magistrados exclusivos para demandas estruturais e processos de grande magnitude identificados no Observatório do Conselho Nacional de Justiça, tais como os relativos aos desastres de Mariana (Juiz Federal Vinícius Cobucci para o cível e a Juíza Federal Substituta Patrícia Alencar para o criminal), de Brumadinho, da Chacina de Unaí, do assentamento das famílias do anel rodoviário de Belo Horizonte (Juiz Federal Cláudio Henrique Fonseca de Pina);

b) Criação do Núcleo de Apoio ao Primeiro Grau – NAP no âmbito do TRF6, o qual possui quatro juízes lotados, a fim de poder reforçar as atividades de varas que necessitem de auxílio de Juízes em esforço concentrado;

c) Instalação do primeiro Núcleo de Justiça 4.0 da 6ª Região, com três juízes designados, e com competência exclusiva para julgamento das ações que buscam a concessão benefício assistencial e que tramitam nos Juizados Especiais Federais, ao mesmo tempo em que onze magistrados foram designados para prestar auxílio aos Juizados Especiais Federais com maior volume e acervo de processos conclusos em matéria de direito previdenciário;

d) No interior, a transformação da 5ª Vara federal de Uberlândia com competência em execução fiscal para Juizado Especial Federal, solucionando definitivamente o problema do acúmulo crônico de processos de tal unidade dos juizados que já se arrastava há quase dez anos.

Segundo o desembargador federal Vallisney de Souza Oliveira, corregedor do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, “a Corregedoria procurou localizar as Varas Federais com dificuldades na prestação jurisdicional, seja pela insuficiência de juízes, seja pela grande quantidade de processos, promovendo soluções, tais como designação de juízes em esforço concentrado (mutirões) nas unidades, criação do Núcleo de Apoio ao Primeiro Grau, implantação do Núcleo de Justiça 4.0, e, visando evitar o colapso da prestação jurisdicional dos Juizados Federais em Uberlândia, transformou-se uma Vara de Execução Fiscal em Vara especializada em Juizados Especiais”.

Ainda sob o ponto de vista administrativo, o Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 6ª Região inovou em seu artigo 2º, § 1º, inciso I, ao constar como Órgão Auxiliar do Tribunal a Coordenadoria-Geral de Projetos, que se subdivide em: a) Coordenadoria-Sdjunta dos Juizados Especiais Federais; b) Coordenadoria-Adjunta de Cooperação Judiciária e Solução Adequada de Controvérsias; c) Coordenadoria-Adjunta de Demandas Estruturais e Projetos Especiais.

Em razão das dificuldades operacionais próprias da instalação, o exercício da Coordenação-Geral de Projetos foi cumulado com o da Coordenação Adjunta de Conciliação, da Coordenação Adjunta dos Juizados Especiais Federais e da Coordenação Adjunta de Demandas Estruturais, permitindo um melhor manejo da mão de obra disponível, com interveniência nas áreas de maior necessidade, conforme a demanda específica existente.

Segundo a Desembargadora Federal Simone dos Santos Lemos Fernandes, Coordenadora-Geral de Projetos, dentre as atividades ao longo do ano, destacam-se:

a) Realização de juizado itinerante com a população indígena Maxakali, nas aldeias localizadas nos municípios de Teófilo Otoni, Ladainha, Santa Helena de Minas e Bertópolis, com atendimento de 370 pessoas em situação de vulnerabilidade social e concessão de 201 benefícios. O projeto assumiu um caráter permanente, com a implantação de uma unidade de Juizado Especial Federal Virtual no município de Águas Formosas.

b) Apoio e coordenação das atividades das Unidades de Atendimento dos Juizados Especiais Virtuais, que atualmente somam onze na região compreendida na jurisdição da Subseção de Teófilo Otoni (municípios de Águas Formosas, Almenara, Aracuaí, Capelinha, Jacinto, Ladainha, Malacacheta, Medina, Nanuque, Novo Cruzeiro e Padre Paraíso) e dois na Subseção de Sete Lagoas (Curvelo e Diamantina);

c) Criação e divulgação mensal do Boletim de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, disponível na “página dos JEFs” e distribuído aos magistrados atuantes na área;

d) Homologação de mais de 1.661 acordos em feitos de primeira instância, pelos centros de conciliação de Minas Gerais, durante o ano de 2023.

e) Homologação de mais de 2.000 acordos na XVIII Semana Nacional de Conciliação, sob a coordenação do juiz federal Itelmar Raydan Evangelista.

f) Participação no Pop Rua Jus, com estrutura de apoio à equipe da desembargadora Luciana Pinheiro Costa, presidente da Comissão de Assistência e Atendimento a Pessoas de Rua no TRF-6, iniciativa desenvolvida por meio de ação articulada com os demais poderes e órgãos integrantes do sistema de Justiça.

Facilmente observável, tal como retratado na descrição do artigo de 7 de janeiro, que apesar das dificuldades próprias do princípio, do ponto de vista administrativo avanços também houve no primeiro grau, em especial, nos Juizados Especiais Federais e na solução adequada de conflitos.

E quanto à “jurisprudência tipicamente mineira” no segundo grau?

Nesse particular, ainda há de ser tratado o conteúdo dos julgados da 2ª Seção Corte.

Como premissa, contudo, deve ser estabelecido que o Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 6ª Região diz caber à 2ª Seção, nos termos do artigo 3ª, §§ 7º e 8º julgar matéria tributária, financeira e de conselhos profissionais e nas demais matérias de Direito Administrativo, Civil e Comercial, não previstas na competência da 1ª Seção.

É dizer, compete à 2ª Seção o processo e julgamento dos feitos relativos a: a) inscrição em conselhos profissionais, exercício profissional e respectivas contribuições; b) impostos; c) taxas; d) contribuições de melhoria; e) contribuições sociais e outras de natureza tributária; f) ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço; g) empréstimos compulsórios; h) preços públicos; i) questões de direito financeiro; j) licitação, contratos administrativos e atos administrativos em geral; k) contratos; l) direito ambiental; m) sucessões e registros públicos; n) direito das coisas; o) responsabilidade civil; p) ensino; q) nacionalidade, inclusive a respectiva opção e naturalização; r) constituição, dissolução e liquidação de sociedades; s) propriedade industrial; t) desapropriação direta e indireta, além do julgamento de recursos originados de execuções fiscais tributárias e não tributárias.

Partindo, pois, para os julgados que marcaram o ano de 2023 no âmbito da 2ª Seção, esse recorte inicia-se pela Apelação Cível nº 1003777-61.2017.4.01.3800(4), em que negou-se provimento à apelação da União Federal e à remessa necessária confirmando a sentença de primeiro grau que havia anulado ato administrativo de indeferimento do pedido de prorrogação de visto, bem como da notificação do autor – nos termos do artigo 125, II e do artigo 57 da Lei 6.815/80 – de deportação, garantindo-lhe a prorrogação de seu visto temporário de estudante até o fim dos estudos de graduação em Engenharia Ambiental e Sanitária na Faculdade Izabela Hendrix.

Segundo os fatos extraídos do processo, em 25 de janeiro de 2012 o apelado obteve a concessão, pela administração, do visto na modalidade “Temporário IV”, equivalente ao visto de estudante. O visto tinha a validade de um ano, condicionado à frequência escolar na instituição de ensino, nos termos do artigo 13, inciso IV da Lei 6.815/80, tendo o autor conseguido a sua renovação durante os quatro primeiros anos, sem qualquer óbice. Nada obstante, no final do ano de 2016, não conseguiu a renovação do aludido documento no prazo estipulado, por não ter condições de arcar financeiramente com o valor devido para o ato, ficando em situação irregular no país, o que perdurou por três semanas. Na data de 20 de janeiro 2017, após quitar a GRU correspondente, dirigiu-se à Polícia Federal, que lhe aplicou multa no valor de R$ 165,55 por infração ao disposto no artigo 125 da Lei 6.815/80 e o notificou de que deveria deixar o país no prazo de oito dias, sob pena de deportação, nos termos do artigo 57 da Lei 6.815/80.

O v. acórdão considerou “não se afigura razoável ou proporcional a penalidade imposta ao autor, sobretudo se consideradas as diversas renovações do visto temporário, aliado ao fato de que sua residência no país já superava cinco anos e que, durante todo esse tempo, esteve regularmente matriculado na instituição de ensino superior”.

Segundo o relator e presidente da 2ª Seção e da 3ª Turma, desembargador Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes “a decisão foi proferida à luz dos princípios fundamentais do acesso à educação, da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade, assegurando a prorrogação do visto temporário de estudante a cidadão da República de Guiné-Bissau, residente no território brasileiro desde 27 de janeiro de 2.012, até o fim dos estudos de graduação em Engenharia Ambiental e Sanitária mesmo tendo sido constatada a expiração, pelo prazo de 20 (vinte) dias, do documento oficial do autor no País”.

Ainda, no âmbito da 3ª Turma, há a Apelação Cível nº 1006727-83.2021.4.01.3806(5), na qual negou-se provimento à apelação interposta por Thiago Diógenes Cardoso Rocha contra sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara Federal Cível e Criminal da Subseção Judiciária de Patos de Minas (MG), que denegou a segurança quanto ao pleito inicial do apelante de lhe ser concedida autorização de porte de arma de fogo. Na fundamentação do julgado restou estabelecido que, de regra, não cabe intervenção judicial nessa espécie de atuação administrativa exceto se configurada ilegalidade, abuso ou desvio de poder, já que se trata de ato discricionário do administrador.

Particularmente quanto ao direito à concessão do porte de arma, essa é medida excepcional e deve ser demonstrada estritamente com o amparo nos limites e ressalvas normativos, daí porque são necessárias todas as cautelas legais, as quais serão minuciosamente examinadas pelo administrador, em conformidade com a legislação vigente.

No caso não havia prova de que o apelante, advogado, estivesse atuando em processos que o expusessem a risco. Segundo o relator, desembargador federal Dolzany da Costa, “simples declaração unilateral era insuficiente para caracterizar a necessidade do porte. A importância é que a avaliação da necessidade exige a plena demonstração a fim de evitar a discricionariedade da autoridade que analisará o pedido de porte de arma”.

Por fim, no âmbito da 3ª Turma, o julgado do Agravo de Instrumento nº 1029068-41.2022.4.01.0000(6) cuidou da questão da necessidade de consulta às populações quilombolas da comunidade de Manzo previamente ao licenciamento ambiental de empreendimento minerário. Tema muito sensível na atualidade, o voto condutor trouxe efetivo controle de convencionalidade, na medida em que determinou o cumprimento da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, diferenciando audiência pública de consulta direcionada aos povos quilombolas.

Constou do voto condutor que “do conjunto de provas que acompanham o Agravo de Instrumento, é possível perceber que a Mata da Baleia será impactada, estando ela em um raio inferior a 1 Km da área da mineração e por possuir valor insubstituível para aquelas famílias que cultivam as tradições quilombolas específicas da comunidade Manzo, destacando-se o aspecto antropológico, social e as práticas religiosas do Candomblé, o que inclui o uso de plantas encontradas na área de influência do CMST e a importância para os fluxos de água e o solo ali presentes”. Para o relator do acórdão, desembargador federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz, o destaque da matéria decorre do “resultado da pesquisa que realizei para a produção do voto. A análise das peças que compõe o recurso levantaram um debate super interessante sobre a aplicação da Convenção Internacional da OIT nº 169, além de diversos elementos interdisciplinares necessários para compreendermos como uma floresta pode ter estreita ligação com aqueles que praticam a umbanda, como no caso da referida comunidade quilombola. Assim, para além da proteção ambiental que está em pauta e devemos estar atentos à aplicação do melhor direito, foi gratificante aprofundar em algumas teses sobre a aplicação e defesa de uma minoria historicamente tão vilipendiada”.

Passando à 4ª Turma, a qual tenho a honra de compor, iniciamos com um conjunto de processos, a saber, as Apelações Cíveis 0000319-28.2009.4.01.3802, 0003343-98.2008.4.01.3802, 0001547-38.2009.4.01.3802, 0005532-49.2008.4.01.3802, 0005519-50.2008.4.01.3802, 0001320-43.2012.4.01.3802  e 0004013-39.2008.4.01.3802(7), nas quais a discussão refere-se à área de reserva legal em lagos artificiais feitos por atuação antrópica.

Neles restou reconhecido que o artigo 62 da Lei nº 12.651/2012 (novo Código Florestal) merece observância, por tratar-se de norma que foi julgada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito da Adin nº 4903, sendo aplicável aos reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente a 24 de agosto de 2001.

Em todos os processos, houve acórdão da Turma no sentido do reconhecimento de tal orientação, podendo ser citado como exemplo o de número 0005532-49.2008.4.01.3802, no qual se deu provimento à apelação para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido inicial. Segunda a relatora dos feitos, desembargadora federal Simone dos Santos Lemos Fernandes, “as decisões possuem importância social impar, pacificando os inúmeros conflitos existentes na região da represa de Furnas/MG”.

Ainda na 4ª Turma, tem-se a Apelação Cível nº 1016193-22.2021.4.01.3800(8), em que o Órgão Fracionário deu provimento ao recurso de apelação e à remessa necessária para denegar a segurança anteriormente concedida no sentido de afastar os valores correspondentes à corretagem devida ao corretor e à Funenseg da base de cálculo do PIS/Cofins, reconhecendo-se o direito à compensação/restituição judicial dos valores recolhidos.

O julgador de primeiro grau havia considerado que como os valores de comissão de corretagem e a parcela destinada ao Funseg advinham de imposição da Lei n° 4.594/64 (artigos 13, 18 e 19), sendo compulsoriamente destinadas ou ao corretor de seguros, como forma de remuneração pela sua atuação na contratação do seguro com o contratante, ou ao Funenseg, com a finalidade de financiar o aprimoramento do profissional de corretor de seguros e prepostos, à semelhança daquelas descritas no artigo 1º, IV da Lei nº 9.701/98, não ingressariam de modo definitivo na receita bruta da empresa, uma vez que tais valores seriam repassados ou ao corretor (pessoa física ou jurídica e ali tributado como receita própria) ou ao Funenseg.

Fundamentando o julgamento em precedente da lavra do ministro Herman Benjamin, no REsp nº 519.260/RJ, pontuou o aresto que “nada diferencia o valor pago pelas seguradoras aos corretores ou à Funenseg, a título de comissão, dos demais custos da empresa com fornecedores, empregados, serviços públicos, etc, todos esses componentes do valor final cobrado por sua atividade”. Segundo o relator, desembargador federal Lincoln Rodrigues de Faria, “O acórdão é paradigmático em relação à conceituação da receita bruta para fins de incidência de tributos, além de realizar detida análise da relação jurídica do corretor de seguros com o segurado e a seguradora”.

Por fim, em minha relatoria, selecionei a Apelação Cível nº 0044212-97.2007.4.01.0000(9). O processo trata de uma ação ordinária ajuizada em 4 de julho de 1991 pela empresa Cogefe Engenharia Comércio e Empreendimentos Limitada em face da Universidade Federal de Viçosa, para obter a condenação da ré ao pagamento de valores que a autora entendia devidos em razão da construção do “Edifício Coluni” incrustado no campus da referida instituição de ensino.

Houve reconvenção nos autos, tendo ocorrido um primeiro julgamento em 19 de setembro de 1994 com procedência, em parte, do pedido da ação e extinção do feito quanto à reconvenção. Tal decisão for parcialmente anulada em 10 de setembro de 1999, por acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que determinou a remessa dos autos ao juízo singular para instrução do feito quanto à reconvenção, tendo ocorrido preclusão quanto ao decidido na ação.

Rejulgando a causa, o juízo da então 6ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais, aos 5 de junho de 2007, desconsiderou o trânsito em julgado do pedido da ação, proferindo sentença quanto à integralidade das postulações deduzidas em juízo, estando o recurso aviado contra tal decisão pendente de julgamento desde então.

No acórdão, a Turma, fazendo uso da teoria processual dos capítulos da sentença, da lavra de Enrico Tullio Liebman, reconheceu o trânsito em julgado da primeira sentença de condenação no pedido da ação, repristinou seus efeitos e, passando ao exame reconvenção, a julgou improcedente em razão das provas existentes nos autos.

Além das questões processuais postas até por força do tempo de tramitação do feito, mais de 30 anos, a importância desse julgado, a meu sentir, advém do fato de que a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região veio, justamente, para dar fim a situações como essa.

Pela leitura dos autos, verifica-se que o litígio se inicia antes da Constituição Federal de 1988, passando, portanto, por duas Constituições e dois Códigos de Processo Civil. Essa demora não pode ser aceitável. Na monumental Oração aos Moços, o grande jurista Ruy Barbosa assevera que “Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta” (10).

Pois bem, mas todos que conhecem a estrutura do Tribunal Regional Federal da 6ª Região devem estar se perguntando: e o desembargador federal Ricardo Machado Rabelo, presidente da 4ª Turma? O que fez de relevante?

Bem, se a estruturação dos artigos se fez levando em conta o critério de antiguidade em cada Órgão Fracionário da Corte, a não colocação de um processo de relatoria do desembargador federal Ricardo Machado Rabelo também foi proposital. Ocorreu no intuito de fazer valer a máxima inglesa “saving the best for the last”, no sentido de que depois de tantas decisões de grande relevância para o jurisdicionado mineiro, a expressão que leva em conta que a parte mais agradável de algo deve ser mantida durante o maior tempo possível de forma a fazer a experiência mais memorável, temos de terminar não com uma decisão, mas com um procedimento.

Sim, porque se o escopo do presente recorte é examinar a atuação da corte sob o ponto de vista da prestação jurisdicional, no Processo Sei nº 0003853-64.2023.4.06.8000 está se cuidando do litígio, a meu sentir, de maior importância no âmbito do Tribunal Regional Federal da 6ª Região. Ali é tratada a lide proveniente do maior desastre ambiental já ocorrido no país, o “Rompimento da Barragem de Fundão em Mariana”.

Para se ter uma ideia do contexto fático do desastre ocorrido aos 5 de novembro de 2015, o volume de rejeitos que seguiu rio abaixo foi de aproximadamente 60 milhões de metros cúbicos de lama, cerca de 25 mil piscinas olímpicas.

Os rejeitos percorreram uma distância superior a 800 km até chegar ao oceano atlântico depois de 17 dias. Nas correntes marítimas, houve dispersão até o litoral sul do estado da Bahia, se espalhando também e por óbvio, ao litoral norte e sul do estado do Espírito Santo. Cidades importantes dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo como Mariana, Ouro Preto, Ipatinga, Governador Valadares, Baixo Guandu, Colatina, Linhares, Aracruz, São Mateus e Conceição da Barra, foram diretamente impactadas.

Foram inúmeras nascentes soterradas, animais mortos (especialmente peixes), serviços de captação de água para cidades inteiras prejudicados em questão de dias e cerca de 500 mil seres humanos atingidos, entre eles ribeirinhos, pescadores, indígenas (Krenak), enfim um evento de repercussões colossais.

Sob o ponto de vista jurídico, inúmeras jurisdições, dois Tribunais Regionais Federais, dois Tribunais de Justiça, lides de toda ordem, de ações civis públicas a ações individuais, essas últimas pleiteando, por exemplo, compensação pela perda da possibilidade de fazer uso da água fornecida por concessionária de serviço público. Uma lide sociológica que reverberou até mesmo no Poder Judiciário da terra do Rei Charles 3º (11), justificando, também sob esse prisma, a máxima inglesa “saving the best for the last”, como estruturador da ordem de ideias que compõem o presente texto.

Ao receber o acervo dos processos em curso no âmbito do segundo grau, o desembargador federal Ricardo Machado Rabelo abriu a mesa de repactuação no “Caso da Tragédia de Mariana”. A solenidade de abertura, ocorrida em 15 de maio de 2.023, contou com o apoio da Presidência do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, tendo comparecido, entre outras autoridades o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, o ministro Jorge Messias (Advogado-Geral da União), o deputado Estadual Carlos Henrique (representando o Presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais), o desembargador José Arthur Filho (presidente do TJ-MG), Luiz Fernando Bandeira de Mello (conselheiro do CNJ), o procurador Jarbas Soares Júnior (procurador-geral de Justiça de Minas Gerais), o subsecretário para Assuntos Administrativos da Casa Civil do Espírito Santo Ricardo Iannotti (representando o governador do Espírito Santo), dentre outros (12).

Daí por diante, a sucessão de eventos e tratativas levadas a cabo, até a presente data, pelo relator da matéria é por ele sintetizada no breve relato feito, a meu pedido, para que todos pudessem ter uma noção do trabalho que se está realizando. Diz a síntese:

“Como relator dos processos judiciais relacionados ao desastre da barragem de Fundão em Mariana, ocorrido em novembro de 2015, me deparei com uma judicialização descomunal. Todos os dias chegavam no meu gabinete dezenas e dezenas de processos, dos mais diversos assuntos.

Em março de 2023 resolvi abrir um processo no âmbito do TRF6 de tentativa de conciliação, ou, de repactuação como denominado no TAC, observados os princípios e regras que regem a conciliação.

Convidei todos os envolvidos para uma conversa inicial: União, Estado de Minas; Estado do Espírito Santo, Prefeitos Municipais, Comissões de Atingidos e Instituições de Justiça desses estados.

Como o governo federal tinha mudado de mãos, era fundamental que os temas retornassem à discussão e um novo texto de acordo começou a ser elaborado.

Assim, de março até dezembro/2023 foram mais de 50 reuniões, muitas presenciais, que ocorreram em Minas, Espírito Santo e Brasília.

Assuntos como saúde humana, rejeitos, reassentamentos, pesca, reflorestamento, dano, água, indenizações aos atingidos, saneamento, governança etc., foram discutidos na mesa de repactuação.

O momento agora é de discussão de valores. Venho conversando com cada parte separadamente para, juntos, identificarmos um valor global razoável, que atenda o interesse de todos e ponha fim à conciliação do maior desastre ambiental do Brasil. Não há precedentes que se ajustem ao caso, nada se equipara a estes processos”.

Do que se vê da descrição das atividades da nova corte, nota-se a observância dos princípios fundamentais do acesso à educação, da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade ao estrangeiro em um país que tem por cultura o acolhimento aos que aqui chegam para construir seu futuro; respeito à discricionariedade da autoridade pública em temas sensíveis nos termos da lei; cumprimento e compromisso com os valores internacionais objeto de convenção internalizada no direito nacional com preocupação na proteção dos hipossuficientes e suas crenças; ponderação entre proteção do meio ambiente e direito adquirido dos cidadãos como meio para atingir a pacificação social; reafirmação do respeito à legalidade na estruturação da base imponível de tributos; busca pelo princípio constitucional da duração razoável do processo e prevalência das formas adequadas de soluções de conflito em ações multitudinárias.

Essas também são outras boas razões para se acreditar no Tribunal Regional Federal da 6ª Região, porque a causa motriz de todos e cada um dos julgados e procedimento citados espelha um sentimento que o eterno romancista dos sertões, o cordisburguense Guimarães Rosa, diz ser o que a vida quer da gente: – Coragem!!!

 


Notas bibliográficas:

1) The phrase “saving the best for last” implies that the best or most enjoyable part of something is intentionally kept until the end, creating a sense of anticipation and satisfaction. This approach can build excitement and leave a lasting impression, making the final experience more memorable. It’s a common strategy used in various contexts, such as storytelling, event planning, and product presentations, to leave a strong and positive impression”.

In https://www.quora.com/Why-is-the-best-saved-for-last#:~:text=The%20phrase%20%22saving%20the%20best,the%20final%20experience%20more%20memorable  – visto em janeiro de 2024.

Tradução livre: A frase “guardando o melhor para o final” implica que a melhor ou mais agradável parte de algo é intencionalmente mantida até o fim, criando um senso de antecipação e satisfação. Essa abordagem pode promover excitação e deixar uma impressão duradoura, fazendo a experiência final mais memorável. É uma estratégia comum usada em vários contextos, tais como em narrativas, planejamento de eventos, apresentação de produtos, para deixar uma impressão forte e positiva.

2) https://www.conjur.com.br/2024-jan-07/trf-6-aurora-de-uma-jurisprudencia-federal-tipicamente-mineira/ – visto em janeiro de 2024.

3)  BRASIL. Lei nº 14.226,  de 20 de outubro de 2.021, Dispõe sobre a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região e altera a Lei nº 11.798, de 29 de outubro de 2008, para modificar a composição do Conselho da Justiça Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 out. 2021.

4)  ApCiv nº 1003777-61.2017.4.01.3800, 3ª Turma do e. T.R.F. da 6ª Região, Desembargador Federal Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes, julgado em 11/11/22.

5) ApCiv nº 1006727-83.2021.4.01.3806, 3ª Turma do e. T.R.F. da 6ª Região, Desembargador Federal Dolzany da Costa, julgado em 05/12/23.

6) AI nº 1029068-41.2022.4.01.0000, 3ª Turma do e. T.R.F. da 6ª Região, Desembargador Federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz, julgado em 28/08/23.

7) ApCiv nºs nºs  0000319-28.2009.4.01.3802, 0003343-98.2008.4.01.3802, 0001547-38.2009.4.01.3802, 0005532-49.2008.4.01.3802, 0005519-50.2008.4.01.3802, 0001320-43.2012.4.01.3802  e 0004013-39.2008.4.01.3802, 4ª Turma do e. T.R.F. da 6ª Região, Desembargadora Federal Simone dos Santos Lemos Fernandes, julgado em 06/12/23.

8) ApCiv nº 1016193-22.2021.4.01.3800, 4ª Turma do e. T.R.F. da 6ª Região, Desembargador Federal Lincoln Rodrigues de Faria, julgado em 06/12/23.

9) ApCiv nº 0044212-97.2007.4.01.0000, 4ª Turma do e. T.R.F. da 6ª Região, Desembargador Federal Prado de Vasconcelos, julgado em 22/11/23.

10) In https://www.migalhas.com.br/arquivos/2021/3/67EAFA6D4D04FB_Oracao-aos-Mocos.pdf  – visto em janeiro de 2.024.

11) In https://www.agazeta.com.br/es/cotidiano/lama-do-rio-doce-caso-vai-comecar-a-ser-analisado-pela-justica-inglesa-0124 – visto em janeiro de 2024.

12) In https://portal.trf6.jus.br/desastre-de-mariana-trf6-realiza-solenidade-de-abertura-de-mesa-de-repactuacao/ – visto em janeiro de 2.024.

Autores

  • é desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 6º Região (MG), professor da Escola Superior Dom Helder Câmara, master in comparative law pela Samford University (EUA), ex-promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, ex-juiz federal e ex-diretor do Foro da Seção Judiciária de Minas Gerais.

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