Segunda Leitura

TRF-6: aurora 'de uma jurisprudência federal tipicamente mineira'

Autor

  • André Prado de Vasconcelos

    é desembargador federal do TRF-6 (Tribunal Regional Federal da 6ª Região - MG) professor da Escola Superior Dom Helder Câmara Master in Comparative Law — Samford University EUA foi promotor de Justiça de Minas Gerais e juiz federal tendo sido diretor do Foro da Seção Judiciária de Minas.

7 de janeiro de 2024, 8h00

Ao acordar no dia 17 de dezembro de 2023 recebi uma mensagem com um convite, via Whatsapp, do meu querido amigo Vladimir Passos de Freitas, para participar de sua coluna durante o mês de janeiro de 2024 como seu substituto.

Além da honra e da pronta aceitação, logo me coloquei a pensar sobre o que falar neste período, já que o convite trouxe consigo uma imensa alegria, até porque não é todo dia que se é chamado a substituir alguém em que se espelha, mas, sobretudo, uma gigantesca responsabilidade de falar sobre administração da justiça num espaço que conhece, rotineiramente, discussões marcadas pela excelência e rigor científico.

Divulgação/Justiça Federal

Como primeira ideia, entendi obrigatório tratar não mais da criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, objetivo alcançado aos 19 de agosto de 2022, depois de muita luta, retratada na chamada de capa da revista “Inconfidente”, do Instituto dos Advogados de Minas Gerais de abril de 2020, com o sugestivo título: “TRF quae sera tamem” (1), mas dos resultados que essa novidade no âmbito da Justiça Federal trouxe ao cenário jurídico na nação.

É que a maior alteração no âmbito do segundo grau de jurisdição da Justiça Federal brasileira desde a promulgação da Constituição de 1988 teve seu primeiro exercício completo de funcionamento, tornando possível uma melhor avaliação de sua performance em face dos desafios que se lhe apresentam.

Num cenário onde a integralidade do corpo funcional, de magistrados a estagiários, estava “aprendendo a ser Tribunal”, os resultados são animadores. Dados extraídos do sistema e-siest dão conta de que foram julgados, entre 1/1/2023 a 26/12/23 (data da pesquisa), 32.808 processos ao total.

É bem verdade que os processos julgados não superaram os 41.201 feitos distribuídos no mesmo período. Esses, somados aos 10.307 processos oriundos do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que continuam a chegar mesmo depois de um ano da fundação da nova Corte de Apelação, dão um cenário dos gigantescos desafios que se põem diante do TRF-6.

Mas essa realidade estatística não retira o mérito do feito alcançado por todos que se propuseram a “tirar do chão” um tribunal que já nasce grande nos números. Com 195.978 processos em tramitação, julgar quase 17% do acervo num ano de aprendizado é uma vitória a ser comemorada, mormente quando se considera as características do acervo herdado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, fruto das dificuldades próprias dos anos de sobrecarga que são de conhecimento geral.

Usando os termos de uma fonte: “o acervo foi minuciosamente escolhido pelo tempo, porque um processo não fica parado por uma década à toa”.

Demais disso, os “custos de produção” dessas mais de 30 mil decisões refletem um novo modo de pensar a prestação jurisdicional, horizontal e virtual, até porque foi honrado o compromisso da modicidade dos gastos como reafirmação da eficiência administrativa retratada em reportagem do Estado de Minas de 21 de agosto de 2023: “Presidente do TRF-6 afirma que terá o melhor ‘custo processo’ do país” (2), por oportunidade da comemoração do primeiro ano de existência da Corte.

Mas se sentença deriva da palavra latina “sentire” que indica sentir, perceber, fica evidente que, ao lado dos dados estatísticos, um exame imparcial do exercício de 2023 há de ser feito levando em conta, sobretudo, as pessoas.

Sim, porque mais do que de frios elementos materiais e numéricos, um tribunal se constrói a partir de pessoas que se congregam para proferir decisões sobre a vida, patrimônio e direitos de outros seres humanos.

Nesse particular, a experiência de participação no processo de construção do Tribunal Regional Federal da 6ª Região foi algo tão marcante quanto a própria luta histórica para sua instalação. Não foi um ano de calmaria. Ao contrário, foram muitos embates que vão desde a extinção de unidades judiciárias com todas as consequências que essa decisão gera, ao enfrentamento de realidades marcantes como a repactuação da tragédia de Mariana.

Em sendo assim, levando em conta as particularidades desse momento histórico de início dos trabalhos, um relatório que se propõe apresentar as atividades do período, obviamente, terá de compreender a visão de quem produziu as decisões administrativas e jurisdicionais que marcaram o ano de 2023, é dizer as razões para sua produção, mas também e, sobretudo, os efeitos que tais deliberações geraram sob o jurisdicionado, fim último da existência da Corte de Apelação.

Nesse primeiro recorte, sob a perspectiva da Presidência, indiscutivelmente a decisão administrativa mais importante foi a da substituição do sistema de processo judicial eletrônico herdado do TRF-1, a saber,  PJe pelo sistema e-Proc.

De fato, a versão de sistema processual recebida do TRF-1 não satisfazia as necessidades da nova corte até porque nem todos os “programas satélite” desenvolvidos comportaram transferência.

Segundo a desembargadora presidente Monica Sifuentes: “o ano de 2023 foi altamente bem-sucedido para o Tribunal Regional Federal da 6ª Região”.

“Estratégias modernas de gestão de recursos humanos e financeiros, otimização de rotinas de trabalho e reestruturação organizacional marcaram a fundação do tribunal. Contudo, identifico que o maior desafio enfrentado durante esse primeiro ano foi a implementação do novo sistema processual eletrônico — o eProc — em substituição ao PJe, sistema que apresentava inúmeros problemas. Para assegurar a implementação bem-sucedida dessa iniciativa, promoveu-se um trabalho de cooperação institucional e realizou-se um processo de benchmarking com o TRF-4, com o auxílio do TRF-2. Além disso, foi criado o Comitê Interinstitucional de Implantação do eProc, que reuniu representantes do Ministério Público, advocacias pública e privada, além de outras entidades que seriam usuárias do sistema. Encerramos o ano de 2023 celebrando o sucesso da implementação do eProc em todas as unidades de 1º e 2º graus. Agora, todas as novas ações judiciais são recebidas exclusivamente por meio desse novo sistema e já iniciamos a transição dos processos antigos. O resultado virá em pouco tempo: prestação jurisdicional mais rápida e célere para o cidadão mineiro!”

Nessa perspectiva já foram distribuídos em 2023 (até o dia 26/12), no âmbito do segundo grau, 418 processos com tramitação exclusiva pelo e-Proc, segundo se extrai da estatística da Corte, sendo certo que, ao longo de 2024, haverá migração de todo o acervo para o novo sistema, o que implicará em novo aprendizado para todo corpo funcional, mas também dinamização dos trabalhos, já que, como completa a presidente:

“A ferramenta de apoio ao processo judicial eletrônico é, nos tempos atuais, uma espécie de sistema nervoso do organismo corporativo que é um Tribunal. Ele dá suporte à captação, à interpretação e à resposta aos estímulos (informações) que esse organismo recebe para promover a entrega da jurisdição. Sem um bom sistema, o organismo funciona mal ou para. Além de ser muito ruim, o nosso sistema exigia infraestrutura e equipe que não tínhamos para mantê-lo e para tentar melhorá-lo. Substituí-lo era vital.”

Se dúvidas existiam quanto à correção do passo dado quando da adoção do e-Proc, tais incertezas se dissiparam quando o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, uma das maiores Cortes de Apelação do país, anunciou sua adesão ao mesmo sistema.

Em reportagem publicada em 18 de dezembro de 2023, o superintendente de Tecnologia e Informação do TJ-MG, desembargador André Leite Praça, apontou entre as vantagens para adoção do e-Proc  em substituição ao Processo Judicial Eletrônico (PJe) “as inúmeras ocorrências de indisponibilidade […] que estão entre as principais reclamações dos usuários”(3).

Essa atitude, além de mostrar unidade entre as cortes mineiras no trato de questões administrativas, tal como já vinha se desenhando desde a assinatura do acordo de cooperação judicial e administrativo para viabilizar o trabalho conjunto dos cinco tribunais instalados no estado, a saber, TJ-MG, TJM-MG, TRE-MG, TRT-3 e TRF-6 (4), particularmente quanto à Justiça Federal, vai ampliar a interoperabilidade sistêmica nos processos de jurisdição delegada, um avanço monumental para melhoria da eficiência da prestação jurisdicional para o mineiro que não conta com uma subseção judiciária na comarca em que mora. Jurisdicionado, na maior parte das vezes, vulnerado pela hipossuficiência que marca os litígios de natureza previdenciária.

Para além da presidência, administrativamente, merece destaque nessa primeira incursão, o trabalho realizado na Escola da Magistratura do TRF-6.

Foram 30 eventos de capacitação realizados nas mais diversas áreas do conhecimento aplicado. Segundo o desembargador Grégore Moreira de Moura, diretor da Escola e da Revista do TRF-6, dentre os eventos foi: “destaque o lançamento da cartilha de equidade racial e o evento ‘Diversidade, igualdade e inclusão na esfera pública’, já que demonstra não só a preocupação do TRF-6 com uma política inclusiva, mas também a importância da educação no combate ao racismo estrutural”.

Igualmente, quanto à Revista do Tribunal, já em outubro de 2023, lançou-se o primeiro volume do periódico com acesso ao publico em geral por este link.

Com vários artigos e o conteúdo do voto condutor da Apelação Criminal 1003288-71.2020.4.01.3815, deu-se início à publicação da produção científica e jurisprudencial no âmbito da Corte.

E mais, já se encontra aberto o segundo edital de chamada de artigos para o próximo número da revista. Edital subscrito pelos desembargadores Grégore Moreira de Moura e Pedro Felipe de Oliveira Santos respectivamente, diretor e vice-diretor da Escola e da Revista do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, com data de submissão de artigos marcada para o dia 29 de fevereiro de 2024. Acesso pelo link.

Se do ponto de vista administrativo avanços houve, não consigo deixar de lembrar que, quando das tratativas para criação do TRF, um dos argumentos centrais utilizado pelos que a defendiam seria o consequente surgimento de uma jurisprudência federal tipicamente mineira, com todos os reflexos que daí adviriam.

Nesse quesito, o ano de 2023 já demonstrou o quanto a nova Corte pode contribuir para o aperfeiçoamento da jurisprudência federal.

Organizada em, duas seções compostas de duas turmas que contam com quatro desembargadores federais em cada uma delas, nos termos do artigo 3ª, § 6º do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, coube à 1ª Seção julgar matéria de previdência social e benefícios assistenciais, matéria penal, de improbidade administrativa, regime jurídico dos servidores públicos civis e militares e concursos públicos, o que será objeto de atenção nesse relatório de atividades.

Partindo, pois, para os julgados que marcaram o ano de 2.023 no âmbito da Primeira Seção, esse recorte inicia-se pelo Habeas Corpus nº 1009033-85.2023.4.06.0000 (5) cuja impetração objetivava a concessão de salvo-conduto para que o paciente pudesse importar e plantar cannabis sativa para fins medicinais.

No processo julgado da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região a ordem foi denegada dada a complexidade da medida requerida, cuja autorização demandaria a produção de provas incabível na via estreita do remédio heroico.

Segundo o relator do processo desembargador Grégore Moreira de Moura “a importância do julgado se dá na esteira da possibilidade do Poder Judiciário adentrar o mérito de políticas públicas de saúde, sendo que a competência para regulamentar e definir as condições técnicas para o uso é do órgão administrativo responsável, qual seja a Anvisa. Além disso, tal medida enseja controle de qualidade e fiscalização do produto, o que afasta novamente a competência do Judiciário para delimitação de tema tão complexo”.

Sem dúvida, o conteúdo do julgado revela tendência jurisprudencial, no âmbito da 6ª Região, no sentido de preservar a autonomia administrativa das autarquias de regulação de indevida intervenção do Poder Judiciário de forma mais ativa.

Também na 1ª Turma deve ser destacado o julgamento da Apelação nº 0009716-77.2010.4.01.3802 (6), onde se tratou do crime de redução análoga à condição de escravo e aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional (artigos 149 e 207 do Código Penal).

No caso tratavam-se de dois réus, a saber: a) Eronildes Gomes dos Santos, cuja punibilidade foi extinta em razão da prescrição pelo fato do acusado já contar, ao tempo da prolação do acórdão, com mais de 70 (setenta) anos e b) Luiz Antônio Fernandes, que restou absolvido da pena de falsificação de documento público e teve a pena do delito de redução à condição análoga a de escravo reduzida a quatro anos e seis meses de reclusão em regime semi-aberto, além de 60 (sessenta) dias multa.

Aqui fez-se uma análise minuciosa das circunstâncias do cometimento dos delitos e das provas demonstrando sua existência e autoria.

Segundo o relator do acórdão, desembargador Rollo D’Oliveira, “o julgado é importante porque demonstra como o TRF-6 vem enfrentando a temática do crime de redução à condição análoga a de escravo, que tem enorme repercussão humana e social”.

Por fim, ainda no âmbito da 1ª Turma, há a Apelação Criminal nº 0008946-85.2013.4.01.3800 (7) onde o órgão fracionário, por maioria, vencido em parte o desembargador Grégore Moura, negou provimento ao recurso de Antério Mânica e deu parcial provimento aos recursos de apelação do Ministério Público Federal e das assistentes de acusação Marinez Lina de Laia e Helba Soares da Silva, para redimensionar a pena imposta ao réu condenando-o a 99 anos, 11 meses e 4 dias de reclusão em regime inicial de cumprimento fechado, além de determinar o início do cumprimento da pena, nos termos do artigo 492, inciso I, alínea e, do Código de Processo Penal (com redação da pela Lei nº 13.964/19), nos termos do voto do relator.

Segundo o relator da apelação criminal,dDesembargador Federal Edilson Vitorelli, a importância do julgamento decorre do fato de que “encerrou quase 20 anos de processo e de espera pela decisão”. Frise-se que os atos em julgamento ficaram nacionalmente conhecidos como “Chacina de Unaí”, sendo que a prolação da decisão teve ampla repercussão na imprensa nacional.

Mais do que a repercussão social, contudo, ressalta-se a interpretação em favor da efetividade do processo como fim último da jurisdição.

Passando à 2ª Turma, destaca-se o julgado na apelação cível nº 1012937-76.2018.4.01.3800 (8) de relatoria do presidente da Turma, desembargador Klaus Kuschel, onde o órgão fracionário deu provimento à apelação do autor para reconhecer como de atividade especial os períodos de 6/3/97 a 31/7/99, 01/12/2001 a 7/5/2002, 30/5/2002 a 31/12/2004, 1/12/2007 a 31/1/2012 e 28/12/2013 a 15/6/2015 e, por conseguinte, conceder a aposentadoria Especial desde a data do requerimento administrativo em 28/7/2015, por entender que sua atuação profissional, na condição de técnico de segurança, é a mesma daqueles que trabalham diretamente na extração do petróleo.

O relator desembargador Klaus Kuschel com a concisão e precisão que lhe são características esclarece da importância do julgado uma vez que “aplica por analogia a jurisprudência do STJ que reconhece atividades como especiais com base na periculosidade, reconhecendo direitos previdenciários a técnico de segurança que trabalha em plataforma de petróleo”.

Ainda no âmbito da 2ª Turma, ocorreu o julgamento da Apelação Cível nº 0000055-21.2017.4.01.3805 (9) que tinha como discussão a indenização por dano moral de natureza administrativa às vítimas da talidomida. O órgão fracionário afastou a incidência de prescrição para julgar procedente também o pedido de reparação por dano moral, na forma da Lei nº 12.190/10.

Na visão da relatora do caso, desembargadora Luciana Pinheiro Costa, o julgado é “um precedente importante porque trata da reparação de uma grave violação aos direitos humanos ocorrida pela demora da Administração em fiscalizar, distribuir e regulamentar o uso da droga que causou severas malformações em brasileiros nascidos desde a década de 1960”.

O julgado trouxe, na fundamentação, efetivo controle de convencionalidade ao lembrar que “qualquer entendimento em contrário pode gerar, inclusive, responsabilização internacional do Brasil perante órgãos internacionais de proteção aos Direitos Humanos, considerando-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já se pronunciou, no Caso Velásquez Rodríguez, afirmando que é dever do Estado organizar todo o aparato e estrutura de poder interna para prevenir, investigar e sancionar penalmente as condutas violadoras dos direitos humanos, como obrigação decorrente do artigo 1.1 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica)”.

No âmbito criminal há o Habeas Corpus nº 1002642-51.2022.4.06.0000(10), onde a Segunda Turma, de ofício, reconheceu ao paciente o direito à obtenção de proposta de acordo e, aplicando o disposto no artigo 28-A, § 14 do Código de Processo Penal, determinou a remessa da ação penal n. 1001016-75.2022.4.01.3802 à Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, para nova análise de possível oferecimento de acordo de não persecução penal.

Segundo o relator do caso, desembargador Boson Gambogi, a sua importância se deve ao fato de que “no julgado em questão, […] tive a oportunidade não apenas de discutir o momento adequado para oferta do ANPP, filiando-me ao entendimento do STJ, mais flexível sobre a questão (aguardando posicionamento do Pleno do STF no HC 185913, leading case sobre o tema), mas, sobretudo, a condição do acordo como ato administrativo sujeito a controle do Poder Judiciário, a quem cabe avaliar se eventual recusa por parte do MP tem fundamentação válida, proporcional e razoável”.

No caso, repise-se, o pedido inicial era para trancamento da ação penal onde o Ministério Público Federal imputava ao paciente a suposta prática dos crimes previstos nos artigos 140 (injúria) e 399 (denunciação caluniosa), ambos do Código Penal, sob alegação de que, em setembro de 2020, ele juntamente com Tânia Paula de Oliveira, em conluio e unidades de desígnios, por sete vezes, imputaram crimes e infrações ético disciplinares a três juízas do trabalho e a servidor público federal de que sabiam inocentes, dando causa à instauração de procedimento administrativo investigativo perante a Corregedoria do TRT-3, e ferindo a dignidade e o decoro dos ofendidos. Tal pedido não foi deferido quer em sede de liminar quer em sede de decisão definitiva.

Por fim, há Apelação Criminal nº 0000201-47.2017.4.01.3810 (11). Nesse caso o réu realizou compra mediante pagamento com cédulas contrafeitas, tendo em seguida empreendido fuga. O comerciante lesado acionou a Polícia Militar, que se dirigiu ao endereço do réu com o intuito de prendê-lo em flagrante, não o encontrando.

A despeito de não o haverem encontrado, no local houve apreensão de dezenas de notas contrafeitas escondidas em um armário, utilizando-as como prova para embasar o inquérito, sendo certo que sua entrada no domicílio foi fruto constrangimento à cunhada do suspeito (moradora da casa vizinha geminada), que teria sido obrigada a permitir o ingresso da força policial na casa do réu.

A 2ª Turma do TRF-6 entendeu que não é válida a permissão de ingresso policial em domicílio concedida por pessoa que não é moradora, posto não estar albergada pelas exceções à inviolabilidade domiciliar contidas no artigo 5º, inciso XVI, da Constituição, que devem ser lidas restritivamente.

Por isso o acórdão declarou a nulidade da diligência policial, tendo sido o réu condenado apenas pela introdução de nota falsa no estabelecimento comercial, mas absolvido por falta de provas pela guarda das cédulas apreendidas em sua residência.

Segundo relator do caso, desembargador Pedro Felipe de Oliveira Santos, “a jurisprudência sobre o direito fundamental da inviolabilidade domiciliar tem evoluído sobremaneira nos últimos anos, especialmente por meio da fixação de balizas objetivas para a atuação legítima dos órgãos de repressão ao crime”. “Neste julgamento, a 2ª Turma do TRF-6 apresentou contribuição ao tema, ao lançar luzes sobre uma situação corriqueira, embora bastante sensível sob o olhar da proteção dos direitos dos cidadãos.”

Como se pode observar pelo conjunto de julgados apresentados, a 1ª Seção do TRF-6, por suas duas turmas, apresenta resultados que falam por si.

Quer sob o ponto de vista do direito previdenciário, penal ou mesmo sob a ótica dos direitos humanos, o que esse pequeno recorte de julgados mostra é a preocupação de uma jurisprudência construída sob os fortes pilares do respeito à autonomia administrativa sem indevida interferência do Poder Judiciário, do império da lei nas relações de trabalho, da efetividade do direito penal enquanto instrumento de estabilização social, do uso adequado da analogia em prol da equidade, do respeito aos compromissos assumidos pelo Brasil na arena internacional quanto aos direitos humanos, da limitação da atuação do Parquet frente ao princípio da persuasão racional pautada pela proporcionalidade e razoabilidade e da observância dos direitos fundamentais do indivíduo em face da atuação dos agentes do Estado.

Enfim, verifica-se, pois, a aurora “de uma jurisprudência federal tipicamente mineira”. E isso é muito bom de ver.

 

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Notas bibliográficas:

1) In https://iamg.org.br/publicacao/revista – visto em dezembro de 2.023.

2) In https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/08/21/interna_politica,1549674/presidente-do-trf-6-afirma-que-tera-o-melhor-custo-processo-do-pais.shtml – visto em dezembro de 2.023.

3) In https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/tjmg-inicia-implantacao-do-eproc.htm# – visto em dezembro  de 2.023.

4) In https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-institucionais/trt-mg-assina-acordo-de-cooperacao-com-tribunais-de-minas-durante-comemoracao-no-trf6 – visto em dezembro de 2.023.

5) In Habeas Corpus1009033-85.2023.4.06.0000, 1ª Turma do e. T.R.F. da 6ª Região, Desembargador Federal Grégore Moreira de Moura, julgado em 24/10/23.

6) In ApCrim nº 0009716-77.2010.4.01.3802, 1ª Turma do e. T.R.F. da 6ª Região, Desembargador Federal Rollo D’Oliveira, julgado em 05/12/23.

7) In ApCrim nº 0008946-85.2013.4.01.3800, 1ª Turma do e. T.R.F. da 6ª Região, Desembargador Federal Edilson Vitorelli, julgado em 21/11/23.

8) In, ApCiv nº  1012937-76.2018.4.01.3800, 2ª Turma do e. T.R.F. da 6ª Região, Desembargador Federal Klaus Kushel, julgado em 25/10/23.

9) In, ApCiv nº  0000055-21.2017.4.01.3805, 2ª Turma do e. T.R.F. da 6ª Região, Desembargadora Federal Luciana Pinheiro Costa, julgado em 11/10/23.

10) In Habeas Corpus1002642-51.2022.4.06.0000, 2ª Turma do e. T.R.F. da 6ª Região, Desembargador Federal Boson Gambogi, julgado em 12/07/23.

11) In ApCrim nº 0000201-47.2017.4.01.3810, 2ª Turma do e. T.R.F. da 6ª Região, Desembargador Federal Pedro Felipe de Oliveira Santos, julgado em 07/02/23.

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