Opinião

A controvérsia da fixação de indenização por danos morais decorrentes de reportagem

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16 de janeiro de 2024, 11h13

Os direitos à informação e à liberdade de expressão garantem a possibilidade de o cidadão criar ou acessar diversas fontes de dados e expressar opiniões sem interferência estatal, garante a livre consciência do cidadão. O direito a uma imprensa livre e a vedação à censura prévia são considerados direitos humanos fundamentais assegurados pela Constituição.

Dentro desse contexto, em tese, uma narrativa jornalística limitada à reprodução de um fato não teria o condão para resultar em indenização por dano moral, uma vez que se baseia nos direitos mencionados anteriormente.

Porém, é igualmente verdade que o indivíduo tem o direito de defender sua honra objetiva e subjetiva, sendo passível de indenização eventuais danos, em caso de ofensa.

É inegável que os direitos fundamentais frequentemente entram em conflito, levando o legislador e o Judiciário a buscar maneiras de sopesá-los, caso a caso, para se identificar qual dos princípios deve naquele caso específico prevalecer em relação ao outro com o qual se colidiu.

Portanto, é evidente que se um jornalista, no exercício de sua função, negligenciar seu compromisso de verificar a veracidade dos fatos ou adotar uma postura injuriosa e ofensiva ao divulgar informações que possam prejudicar a integridade moral de um indivíduo, sua conduta pode resultar no dever de indenizar o dano suportado por outrem, uma vez que estaria indo de encontro ao seu direito fundamental.

Porém, a linha dessa diferença entre divulgar uma verdade ruim/indesejada que macula a imagem de alguém, mas ainda assim verdade, e uma ofensa ou mentira pode ser tênue.

Recentemente, a condenação da jornalista Schirlei Alves, responsável pela publicação de uma reportagem no site Intercept a respeito de desdobramentos de um caso famoso, causou surpresa tanto no meio jurídico quanto fora dele.

Na ocasião, a jornalista tratou de uma audiência envolvendo o julgamento do empresário André de Camargo Aranha, acusado de estuprar a influenciadora Mariana Ferrer em um clube em Florianópolis.

Juiz e promotor partícipes de tal audiência buscaram ser ressarcidos pelos danos causados às suas imagens pela veiculação da reportagem, tendo obtido uma reparação individual de R$ 200 mil para cada um dos profissionais envolvidos, totalizando R$ 400 mil.

Os valores fixados geraram muita discussão no meio jurídico, pois para muitos foram desproporcionais e muito elevados se comparados às condenações por danos morais comumente obtidas por vítimas de situações como morte de parentes.

Como é cediço, a fixação do valor de indenização por danos morais deve considerar a dualidade entre reparação e punição, a situação econômica dos litigantes e o elemento subjetivo do ilícito. O montante deve ser ao mesmo tempo compensatório e punitivo, evitando ser irrisório ou resultar em enriquecimento indevido.

Muitos dos críticos do mencionado julgamento imposto à jornalista defendem que o valor fixado foi exorbitante e incompatível com a renda da jornalista, acabando por levantar questionamentos sobre uma possível tentativa de intimidação e silenciamento da imprensa em casos envolvendo potencial abusos de magistrados.

Ademais, é relevante mencionar que a reportagem da jornalista contribuiu para a criação da Lei nº 14.245/2021, denominada “Lei Mariana Ferrer”, que estabelece punições para atos contra a dignidade de vítimas de violência sexual e testemunhas durante julgamentos.

É bastante claro que se o conteúdo de uma reportagem, apesar de descrever fatos efetivamente ocorridos, ultrapassar os limites legais e constitucionais do direito à informação e à manifestação do pensamento, o dano moral é plenamente possível e indenizável.

Contudo, também é necessário cautela na fixação das indenizações, para que sirvam sim para a reparação dos danos, sem flertar com a possibilidade de intimidação à imprensa.

Os pontos de discussão são complexos e não se pretende esgotá-los em um artigo, mas sim suscitar a necessária reflexão entre a os limites e potenciais colisões entre direitos fundamentais, de forma a perfeiçoar sua plena eficácia.

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