Opinião

O golpe fatal ao Perse pela MP 1.202/23

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12 de janeiro de 2024, 7h09

No apagar das luzes de 2023, foi publicada pelo governo federal a Medida Provisória 1.202/2023 que acaba com o benefício tributário instituído pelo Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) correspondente à redução à zero das alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. No entanto, a constitucionalidade da revogação é questionada.

Diante dos efeitos devastadores à economia causados pela pandemia de Covid-19, o programa foi criado com o intuito de salvaguardar o setor que mais sentiu o impacto das medidas necessárias à contenção da propagação do vírus, o setor de eventos (dentro dele, o turismo).

A justificativa do projeto que deu origem à norma (PL 5.638/2020), aduz que o Perse pretende “garantir a sobrevivência do setor — que precisa seguir honrando suas despesas – até que suas atividades sejam retomadas sem restrições, bem como gerar a capacidade econômica para que assim que volte a operar, o setor tenha condições de fazer frente ao capital de giro necessário, bem como a margem para cobrir todo o endividamento contraído no período em que ficou paralisado”.

Dentre as medidas previstas no Perse, criado pela Lei 14.148 (de 3 de maio de 2021), a principal é a redução das alíquotas a zero do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins por 60 meses (cinco anos).

Restrições impostas
Ocorre que, paulatinamente, o programa foi sofrendo restrições impostas por normas infralegais que desnaturam a intenção legislativa e enfraquecem as medidas aprovadas pelo Congresso, tidas por fundamentais para o soerguimento das empresas pertencentes ao setor.

Inicialmente, foi condicionada a adesão ao Perse, para as empresas do setor de turismo, ao cadastro prévio no Ministério do Turismo, em 23/6/2021, por meio da Portaria ME 7.163. Tal critério foi mantido na Portaria ME 11.266/2022, a qual restringiu o rol de códigos Cnae que autorizariam o uso dos benefícios do programa.

Além disso, a Receita Federal, através da Instrução Normativa 2.114 (31/10/2023), vedou a redução de alíquotas do Perse as empresas optantes do Simples Nacional. A mesma Instrução Normativa ainda restringiu a redução das alíquotas às receitas diretamente decorrentes da exploração da atividade indicada na Portaria do Ministério da Fazenda, impondo uma segregação de receitas.

Não obstante, a Medida Provisória 1.147 (convertida na Lei 14.592 de 30/05/23), impediu a manutenção dos créditos relativamente aos tributos envolvidos na redução de alíquotas zero.

Enfim, este conjunto regulatório acabou por subsidiar intenso debate sobre sua legitimidade, em especial por trazer critérios não previstos na lei (inovações). Inclusive, o Judiciário tem sido acionado para dirimir diversas destas questões postas, o que tem gerado decisões conflitantes, haja vista não existir até o momento notícia sobre julgados nos tribunais superiores.

A revogação do Perse
O mais recente capítulo da conturbada novela Perse veio com a Medida Provisória 1.202, publicada em 28 de dezembro de 2023, que revogou o benefício do programa. Tal revogação é operada, em conjunto com a (re)oneração da folha de pagamentos e limitação da compensação tributária de créditos judicialmente reconhecidos.

Em relação ao Perse, a revogação se dará da seguinte forma: para o PIS, Cofins e CSLL, a medida será extinta em 1º de abril de 2024, ao passo que o benefício se manterá para o IRPJ até 1º de janeiro de 2025.

Referida revogação, contudo, já está sofrendo críticas por ter sido feita através de Medida Provisória. Isso porque, em que pese existir previsão constitucional, o artigo 62 da Constituição pressupõe a existência de “relevância e urgência” para sua edição, o que não parece estar claro neste caso.

A legalidade tributária, corolário da segurança jurídica, será prestigiada quando conjugada com as garantias constitucionais dos contribuintes e lida à luz do propósito legislativo manifestado pelo Congresso quando aprovou o programa. De tal sorte que, a revogação do Perse, caso não calcada em relevância e urgência, corre risco de cair em inconstitucionalidade, por supressão do devido processo legislativo.

Em resumo, depois das incontáveis restrições ao Perse, o programa será finalmente revogado por meio da polêmica Medida Provisória 1.202 — cuja finalidade arrecadatória sobrepõe as garantias dos contribuintes, traz dúvidas quanto à sua constitucionalidade e apresenta alto potencial litigioso.

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