Retrospectiva

Avanços legislativos no enfrentamento à desigualdade de gênero

Autor

  • Rafaela Lobato

    é delegada na 1ª Deam em Mato Grosso do Sul. Pós-graduada em Direito Penal Processual Penal e Direito Público. Especialista em Direito da Mulher e Inteligência Policial. Foi Fundadora do 1ª Escritório de Advocacia para Mulheres e LBGT+ do Tocantins.

11 de janeiro de 2024, 16h20

Em 2023, o Brasil testemunhou avanços significativos no campo legislativo relacionados à igualdade de gênero. As novas leis e políticas promulgadas neste ano representam um marco importante na luta contra a desigualdade de gênero e na promoção dos direitos das mulheres em todas as esferas da sociedade. Este artigo examinará avanços legislativos impactantes e seu potencial para criar um ambiente mais equitativo e inclusivo para as mulheres no Brasil.

Na seara jurídica, obteve destaque a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que figura como um instrumento fundamental na salvaguarda dos direitos das mulheres, especialmente no enfrentamento à violência doméstica e familiar. O ano de 2023 se destaca por ser um período de mudanças significativas na legislação, evidenciando o compromisso contínuo em adaptar o ordenamento jurídico às complexidades da sociedade.

Este artigo propõe uma análise crítica dos avanços introduzidos na legislação brasileira em 2023, abrangendo opiniões doutrinárias de juristas renomados. Além disso, será feita uma explanação detalhada das alterações legislativas ocorridas, visando uma compreensão profunda dos rumos tomados pela lei.

Primeiramente, imprescindível realçar as alterações na Lei Maria da Penha.
O doutrinador Rogério Sanches defende  uma abordagem sistêmica que envolva a prevenção e a conscientização da sociedade. Cunha enfatiza a necessidade de uma atuação integrada entre órgãos de segurança, instituições educacionais e a comunidade em geral.

Nesse diapasão, ressalta-se as seguintes alterações na Lei Maria da Penha em 2023, trazidas pela Lei nº 14.550/2023:

(1) Ampliação do Conceito de Violência: após a modificação legislativa, toda e qualquer violência ou ameaça contra mulher (nos termos do artigo 5º da Lei Maria da Penha), independentemente da demonstração da vulnerabilidade da vítima, serão analisados como violência de gênero.

(2) Desburocratização do Acesso e Autonomia da Medidas Protetivas: Reconhecendo a urgência nas situações de violência, as mudanças em 2023 introduziram mecanismos para simplificar e acelerar o processo de obtenção de medidas protetivas. Além disso, trouxe a autonomia às medidas protetivas, haja vista que devem ser concedidas em juízo de cognição sumária, sendo suficiente apenas o depoimento da vítima para a decisão, não se vinculando a qualquer processo/procedimento anterior.

(3) Fortalecimento dos Mecanismos de Assistência: As alterações legislativas incluíram melhorias significativas nos dispositivos de assistência às vítimas. Desde o acolhimento inicial até o suporte psicossocial contínuo, a lei agora busca oferecer uma rede mais robusta de apoio às mulheres em situação de violência.

(4) (In)deferimento da Medida Protetiva: com a atualização, as medidas protetivas, em regra, devem ser concedidas e vigorar, a menos que haja comprovação da ausência de risco à vítima.

(5) Ampliação do conceito de violência doméstica: basta comprovar, a priori, que há violência em âmbito doméstico, familiar ou afetivo, sendo implícito que nesses casos já há a violência de gênero, a menos que reste comprovado o inverso.

Os avanços legislativos não param por aí. Além das expressivas alterações na Lei Maria da Penha, merece destaque também os seguintes progressos:

(1) Legislação de Igualdade Salarial (Lei nº 14.611/2023): estabelece por lei a equiparação salarial entre homens e mulheres, visando fechar as lacunas salariais entre gêneros.

(2) Instituição de Programa de Prevenção e Enfrentamento aos Crimes Sexuais (Lei nº 14.540/2023): prevê diretrizes a serem adotadas pelos órgãos e entidades para efetivar um enfrentamento direto aos crimes sexuais.

(3) Funcionamento ininterrupto de Delegacias da Mulher (Lei nº 14.541/2023): estabeleceu o funcionamento das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam) sem qualquer interrupção, inclusive em feriados e finais de semana.

(4) Prioridade no atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar pelo Sistema Nacional de Emprego (Lei nº 14.542/2023): alterou o artigo 9º da Lei nº 13.667/2018, para dispor sobre a prioridade no atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine).

(5) Protocolo “Não é Não” (Lei nº 14.786/2023): exige a implementação no ambiente de casas noturnas e de boates, em espetáculos musicais realizados em locais fechados e em shows, com venda de bebida alcoólica, de mecanismos para a proteção das mulheres, assim como para prevenção e enfrentamento ao constrangimento e à violência contra mulheres.

(6) Alteração no Estatuto da Advocacia (Lei nº 14.612/2023): incluiu o assédio moral, sexual e a discriminação entre as infrações ético-disciplinares no âmbito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

(7) Licença-maternidade para beneficiadas do Bolsa-Atleta (Lei nº 14.614/2023): garante às atletas gestantes ou puérperas a segurança de continuar se beneficiando do Programa Bolsa Atleta.

(8) Proteção aos órgãos de feminicídio (Lei nº 14.717/2023):  instituiu o direito à pensão especial aos filhos e dependentes menores de 18 anos de idade, órfãos em razão do crime de feminicídio, cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo.

(9) Direito ao Acompanhante (Lei nº 14.737/2023): assegura direito a acompanhante para mulheres em serviços de saúde.

O ano de 2023 marcou uma etapa crucial na evolução de leis protetivas às mulheres, refletindo o dinamismo necessário para lidar com as nuances da violência de gênero. No entanto, ciente dos desafios, a sociedade é convocada a persistir na construção de um ambiente onde a igualdade e o respeito não sejam apenas ideais, mas realidades incontestáveis.

Apesar desses avanços, ainda há desafios persistentes, como a necessidade de efetiva aplicação das penas, promoção de uma cultura de respeito desde a educação básica e o desenvolvimento de políticas públicas mais integradas. A discussão sobre a adequação das penas destaca a complexidade da questão, indicando que a jornada para erradicar a violência contra a mulher exige esforços contínuos e abordagens multidisciplinares.

Autores

  • é delegada de Polícia Civil no estado do Mato Grosso do Sul, lotada na 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), pós-graduada em Direito Penal, Processual Penal e Direito Público, especialista em Direito da Mulher, capacitada em Inteligência policial e fundadora do primeiro escritório de advocacia para mulheres do estado do Tocantins.

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