Opinião

STJ e a dedução de contribuições extraordinárias à previdência complementar no IRPF

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27 de fevereiro de 2024, 9h17

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou o recurso especial REsp 2.043.775/RS (2022/0391964-2) como representativo de controvérsia para julgamento de repercussão geral no rito de recursos repetitivos.

A decisão de afetação, registrada como Tema 1.224, foi publicada em 5 de dezembro de 2023, sob a relatoria do ministro Benedicto Gonçalves, que delimitou a controvérsia no seguinte sentido:

dedutibilidade, da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), dos valores correspondentes às contribuições extraordinárias pagas a entidade fechada de previdência complementar, nos termos da Lei Complementar 109/2001 e das Leis 9.250/1995 e 9.532/1997″.

O recurso especial é oriundo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em ação ajuizada pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários contra a Fazenda Nacional, com pedido de isenção de retenção de imposto de renda sobre as contribuições extraordinárias destinadas a cobertura de resultado deficitário de plano de benefício complementar, na forma do artigo 21 da Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001.

Conforme entendimento expresso pela 1ª Seção, a Lei 9.250, de 26 de dezembro de 1995, em seu inciso V do artigo 4º [1] c/c alínea ‘e’ do inciso II do artigo 8º [2], determina a dedutibilidade das contribuições destinadas às entidades fechadas de previdência complementar por parte do contribuinte, com objetivo de custar benefícios assemelhados aos da Previdência Social.

O ministro relator destacou que “no período compreendido entre fevereiro de 2020 e abril de 2023, 51 processos versando sobre a temática, incluindo protocolos e intimações já recebidas e, no âmbito dos Tribunais Regionais Federais das 1ª a 6ª Regiões, já em segundo grau de jurisdição, a pesquisa retornou mais 4.188 processos (quatro mil, cento e oitenta e oito processos) sobre essa temática”, demonstrando a relevância do tema para sociedade e determinando a suspensão de todos os processos com recurso pendente no mesmo sentido.

Conforme dados da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), o déficit total do regime de previdência complementar em setembro de 2023 era de R$ 43 bilhões [3], sendo mais de 90 planos de benefícios afetados, o que demonstra a relevância da questão sob debate pelo STJ para além das ações judiciais diretamente afetadas pelo tema repetitivo.

Contribuição às entidades fechadas
Parece-nos que o debate irá adotar contornos jurídicos e econômicos, sendo necessário determinar se a definição da contribuição extraordinária é abarcada pelo conceito de contribuições destinadas às entidades fechadas de previdência complementar, conforme inteligência da Lei 9.250/1995.

De um lado, temos o interesse de grupo relevante da sociedade que está integrado ao regime de previdência complementar, incluídos participantes, beneficiários e patrocinadores, e, de outro, a Fazenda Nacional como responsável pela liquidez, certeza e legalidade dos créditos tributários que serão, posteriormente, destinados ao bem comum.

A Receita Federal expressa seu atual entendimento através da Solução de Consulta Disit/SRRF05 nº 5.001, de 27 de janeiro de 2023, que declara que as contribuições extraordinárias não são dedutíveis da base de cálculo do imposto sobre a renda de pessoa física, reproduzindo entendimento anteriormente adotado na Solução de Consulta Cosit nº 354, de 25 de julho de 2017.

A autarquia federal entende que: “pelo princípio da estrita legalidade em matéria tributária (§ 6º do artigo 150 da Constituição de 1988), entende-se que as contribuições descontadas dos valores pagos a título de complementação de aposentadoria, pelas entidades fechadas de previdência complementar, destinadas a custear déficits, não podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto sobre a renda de pessoa física. Tais contribuições não têm a mesma natureza das contribuições normais”.

Em nossa visão, a natureza da contribuição extraordinária é devidamente esclarecida no artigo 19 da LC 109/2001 [4], que classifica as “contribuições destinadas à constituição de reservas” em “normais” e “extraordinárias”. Esta última é destinada ao custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal.

Contribuição extraordinária
Igualmente, o artigo 21 da LC 109/2001 [5] determina que o resultado deficitário nos planos de benefícios será equacionado pelos patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições “por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador”.

A contribuição extraordinária (leia-se, também, contribuição adicional) é parte integrante das contribuições destinadas à constituição de reservas dos planos de benefícios, com objetivo de garantir o pagamento das obrigações assumidas em face dos participantes.

Para fins de custeio de planos capitalizados, o valor presente das contribuições normais e o valor presente das contribuições extraordinárias têm equivalência para fins de verificação do equilíbrio do plano de benefícios, em atendimento ao princípio do equilíbrio financeiro e atuarial, previsto no caput do artigo 202 da Constituição, que determina “a constituição de reservas que garantam o benefício contratado”.

Os gestores de plano de benefícios sempre perseguem resultado de equilíbrio técnico, observando princípio em questão, sendo esperado resultado deficitário ou superavitário, ante a impossibilidade de alcance de equilíbrio perfeito.

Isto porque o ajuste de premissas demográficas e atuariais em uma relação duradoura como o contrato de previdência privada conta com inúmeras variáveis, sendo esperado o desvio de fatores que alterem o equilíbrio.

Por essa razão a própria legislação trouxe em seu arcabouço a possibilidade de ajuste anual do “plano custeio” [6], bem como a possibilidade de “custo extraordinário”4. É assim que o “custo normal” e o “custo extraordinário” compõem as “contribuições destinadas à constituição de reservas” na forma da legislação complementar.

Em outras palavras, parece-nos correto compreender a contribuição extraordinária no conceito de contribuições para as entidades fechadas de previdência complementar, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social, conforme dicção do artigo 4º e artigo 8º da Lei 9.250/1995.

De todo modo, o debate a ser empreendido tende a ser bastante extenso e proveitoso para os estudiosos do sistema, sendo necessário o acompanhamento do julgamento do recurso especial REsp 2.043.775/RS (2022/0391964-2), afetado sob o Tema 1.224 do STJ.

 


[1] Art. 4º. Na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto de renda poderão ser deduzidas:

(…)

V – as contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social;

(…)

[2] Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas:

(…)

II – das deduções relativas:

(…)

  1. e) às contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social;

(…)

[3] Informações registrada dia 13 de fevereiro de 2024, as 13:17:

[https://blog.abrapp.org.br/blog/sistema-de-efpc-apresenta-alto-indice-de-solvencia-e-tendencia-de-reducao-dos-deficits/#:~:text=O%20d%C3%A9ficit%20total%20em%20setembro,bilh%C3%B5es%20em%20dezembro%20de%202021.]

[4] Art. 19. As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.

Parágrafo único. As contribuições referidas no caput classificam-se em:

I – normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano; e

II – extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal.

[5] Art. 21. O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.

  • 1º O equacionamento referido no caput poderá ser feito, dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
  • 2º A redução dos valores dos benefícios não se aplica aos assistidos, sendo cabível, nesse caso, a instituição de contribuição adicional para cobertura do acréscimo ocorrido em razão da revisão do plano.
  • 3º Na hipótese de retorno à entidade dos recursos equivalentes ao déficit previsto no caput deste artigo, em conseqüência de apuração de responsabilidade mediante ação judicial ou administrativa, os respectivos valores deverão ser aplicados necessariamente na redução proporcional das contribuições devidas ao plano ou em melhoria dos benefícios.

[6] Art. 18. O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.

  • 1º O regime financeiro de capitalização é obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações que sejam programadas e continuadas.
  • 2º Observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, o cálculo das reservas técnicas atenderá às peculiaridades de cada plano de benefícios e deverá estar expresso em nota técnica atuarial, de apresentação obrigatória, incluindo as hipóteses utilizadas, que deverão guardar relação com as características da massa e da atividade desenvolvida pelo patrocinador ou instituidor.
  • 3º As reservas técnicas, provisões e fundos de cada plano de benefícios e os exigíveis a qualquer título deverão atender permanentemente à cobertura integral dos compromissos assumidos pelo plano de benefícios, ressalvadas excepcionalidades definidas pelo órgão regulador e fiscalizador.

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