Opinião

Planos de previdência complementar e imposto sobre bem no exterior

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18 de março de 2024, 15h25

Logo que a Lei Estadual do Rio de Janeiro nº 7.174/2015 foi publicada, em 28/12/2015 (regulamentada pela Resolução Sefaz nº 182/2017), escrevi um artigo questionando a cobrança do imposto de transmissão causa mortis sobre os valores e direitos relativos a planos de previdência complementar — Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), previsto como hipótese de incidência nos incisos I e II, do artigo 23 da supracitada lei estadual.

Desde o início, entendi que essa cobrança seria indevida, posto que tanto o PGBL como o VGBL têm a sua natureza jurídica, prevista na Lei Complementar nº 109/2001, que regulamentou o artigo 202, da Constituição, que trata do regime de previdência privada.

De qualquer forma, a partir de 1º de julho de 2016, o imposto de transmissão causa mortis passou a incidir sobre a transmissão de valores e de direitos relativos a planos de previdência complementar com cobertura por sobrevivência, estruturados sob o regime financeiro de capitalização, como o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), para os beneficiários indicados pelo falecido ou pela legislação.

A mencionada lei determinou, igualmente, que as entidades de previdência passarão a ser responsáveis pela retenção e pelo recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, por força do disposto no inciso II e o seu parágrafo único, do artigo 13, da já citada Lei Estadual nº 7.174/2015.

Com efeito, a previsão do imposto de transmissão causa mortis se encontra positivada no inciso I, do artigo 155, da Constituição, e estabelece que o citado imposto estadual é da competência estadual e deverá incidir sobre quaisquer bens ou direitos.

Sendo certo, ainda, que a alíquota não poderá ultrapassar, até o presente momento, o percentual de 8%, nos termos da Resolução nº 09/92, do Senado.

Mencione-se, ainda, por oportuno, que já se encontra em trâmite no Senado um Projeto de Resolução de nº 57, de 2019, de autoria do Senador Cid Gomes, elevando essa alíquota para 16%.

Spacca

A justificativa desse aumento está em aproximar o Brasil das alíquotas praticadas pelos países desenvolvidos, que tributam fortemente a herança, tanto aquela realizada em vida como aquela recebida após a morte.

Podemos citar, como exemplos dessa forte tributação, a França (alíquota 60%), a Alemanha (alíquota 50%), a Suíça (alíquota 50%), Luxemburgo (alíquota 48%), a Inglaterra (alíquota 40%), os Estados Unidos (alíquota 40%), o Japão (alíquota 55%) e o Chile (alíquota 25%).

Essa alíquota tão alta praticada por esses países tem como fundamento um forte efeito moral, que busca alcançar a justiça fiscal e, simultaneamente, desincentivar a ausência de esforço do donatário ou do herdeiro em receber esses bens.

Retornando ao tema da Lei Estadual nº 7.174/2015, esse dispositivo legal determina que a base de cálculo do ITD será:

  • a) o valor total das quotas dos fundos de investimento, vinculados ao plano de que o falecido era titular na data do fato gerador, se o óbito ocorrer antes do recebimento do benefício; ou
  • b) o valor total do saldo da provisão matemática de benefícios concedidos, na data do fato gerador, se o óbito ocorrer durante a fase de recebimento da renda.

Eis a grande questão que se nos descortina: o PGBL e VGBL são bens ou direitos ou modalidade de previdência aberta (aquela feita pelo próprio signatário, que se divide em PGBL e VGBL), que seguirá os ditames da lei complementar, nos termos do artigo 202, da Constituição?

Assinale-se que o artigo 202, da Carta Magna, determina o que se segue adiante: “o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantem o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

Por sua vez, a lei complementar que trata dessa matéria é a Lei Complementar nº 109/2001, que dispõe sobre o regime de previdência complementar e dá outras providências (que regulamenta o artigo 202, da Constituição), estabelece no seu artigo 73 o seguinte:

“As entidades abertas serão reguladas também, no que couber, pela legislação aplicável às sociedades seguradoras.”

Assim sendo, o PGBL e o VGBL ostentam idêntica natureza jurídica. Ambos os institutos decorrem da mesma lei, possuem a mesma estrutura jurídica, representam, na verdade, dois lados da mesma moeda, devendo-lhes ser aplicadas, por questões lógicas, as mesmas regras.

Entretanto, não foi assim que o nosso Tribunal de Justiça entendeu nos autos da ação direta de inconstitucionalidade (Processo nº 008135-40.2016.8.19.0000), julgada pelo Órgão Especial, por unanimidade, fixando a tese de que o VGBL tem natureza de seguro (artigo 794, do Código Civil), portanto, não se aplicando as regras do direito sucessório, tampouco cabendo a cobrança do tributo estadual, enquanto o PGBL foi considerado aplicação financeira a longo prazo (poupança previdenciária) — Resp. 121.719, aplicando-lhe, consequentemente, as regras do direito sucessório e a incidência do imposto causa mortis.

ITCMD — Bem no Exterior — EC nº 45/2019
Não é novidade a famosa janela que se abriu aos residentes fiscais no Rio de Janeiro para a realização de doação de ativos no exterior, fruto da declaração de inconstitucionalidade da nossa Lei pelo STF (ADI 6.826).

Se todos lembram, a discussão passa pela inexistência de uma lei complementar que iria regulamentar a cobrança do ITCMD na sucessão por morte e nas doações com conexão com o exterior — há mais detalhes, mas para não nos alongar muito, vamos nos ater à simples conexão com o exterior. Dado que a tal lei nunca foi editada, os contribuintes alegavam ser inconstitucional a cobrança.

Aos residentes no estado do Rio, é importante a atenção ao fato de que doação de ativos no exterior por residente no Brasil para outro cá residente dispensava a lei complementar. No entanto, para o carioca essa possibilidade de cobrança estava inserida no artigo que tratava justamente do tema levado ao STF para se declarar a inconstitucionalidade. Portanto, quando o STF declarou o artigo 5º, II, da Lei Estadual nº 7.174/2015 inconstitucional, derrubou todas as possibilidades, inclusive a doação de carioca para carioca de bens situados no exterior.

Daquela declaração do STF, a Sefaz/RJ publicou sua própria Resolução suspendendo a cobrança do ITCMD em tais situações: Resolução 411/2022.

Acontece que, no dia 14/12/2023, o legislador nacional, de maneira apressada, resolveu que iria sanar o problema da ausência da lei complementar e inseriu na Emenda Constitucional nº 45/2019, que tem como fundo principal instaurar o IVA no Brasil, a possibilidade de os Estados cobrarem o ITCMD enquanto não sobrevier a tal lei complementar.

Não obstante entender que a simples emenda não supre o motivo de a Constituição pedir uma lei complementar (a LC vinculada a esse tema não se trata de uma simples autorização, mas de verdadeira norma a construir a hipótese legal e deveria delimitar as competências estaduais, portanto, a emenda simplesmente autorizar não supre o vácuo que existe), a seguir, vamos às consequências no Rio de Janeiro.

Consequências no Rio de Janeiro
No acórdão para o Rio de Janeiro, o STF declarou expressamente inconstitucional o artigo 5º, II da nossa Lei (Lei Estadual nº 7.174/2015). Assim, extirpou do ordenamento a previsão legal para a cobrança no que toca ao exterior (doação e causa mortis), mesmo aos residentes no Brasil (estado do Rio de Janeiro).

Sendo que, mesmo com a aprovação da emenda constitucional, nossa lei não poderia ganhar sobrevida, uma vez que o STF entende, com jurisprudência firme, que não existe o fenômeno da constitucionalidade superveniente — uma lei declarada inconstitucional não ganharia vida após a edição de uma norma constitucional que a tornasse compatível com a Constituição atual. Ou seja, o estado do Rio de Janeiro deveria editar nova lei, agora prevendo as regras constitucionais e, só então, estaria autorizado a cobrar o imposto.

Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no caso de doação de ativo no exterior, decidiu que não é possível a cobrança, pois, desde a declaração da inconstitucionalidade pelo STF, estamos sem base legal para a exigência — Apelação Civil nº 0238453-48.2018.8.19.0001.

Acontece que ainda hoje, ao pesquisar no site da Alerj, não se encontra qualquer projeto de lei sobre o tema. A Casa não se movimentou para editar norma para a cobrança do ITCMD após a aprovação da Emenda Constitucional, e, caso o faça em 2024, o ITCMD deve respeitar a anterioridade e noventena, ou seja, somente poderia cobrar o imposto em 2025 e respeitando a noventena.

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