Opinião

É possível usar emprego de arma de fogo para qualificar crime de roubo e majorar delito de extorsão?

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23 de fevereiro de 2024, 17h21

Este artigo tem o intuito de demonstrar que não há bis in idem no uso do emprego da arma de fogo para qualificar o crime de roubo, do artigo 157, §2º-A, inciso I, do CPB, e majorar o delito de extorsão ou sequestro relâmpago, do artigo 158, caput, §1º ou §3º, do mesmo código penal.

Com o intuito de facilitar o entendimento do leitor, será proposto um exemplo hipotético, Senão vejamos:

No dia 01.01.2023, “A” abordou as vítimas “B” e “C” no automóvel de propriedade de “B”, que estava estacionado em frente ao Supermercado “X”. “A”, utilizando-se de arma de fogo, exigiu que “C” realizasse transferências bancárias no montante de R$ 5.000,00 para a conta de “J” sob a ameaça de ser alvejada. Após a realização das transferências, “A” subtraiu para si os pertencentes de valor das vítimas mediante grave ameaça empregada pela arma de fogo.

Em análise ao caso concreto, percebe-se que o investigado praticou dois crimes: o roubo e sequestro relâmpago, dos artigos 157 e 158, §3º, ambos do CPB, em concurso material, do artigo 79 da lei penal.

É pacífico nos tribunais superiores que os crimes de roubo e extorsão, este, inclusive, na modalidade de sequestro relâmpago (mediante restrição de liberdade da vítima), podem ser praticados no mesmo contexto delitivo, visto que, embora protejam o mesmo bem jurídico (o patrimônio), são praticados mediante desígnios autônomos [1].

Não há que se falar em crime único em razão da autonomia desígnios. E também não há configuração de crime continuado, pois são crimes de espécies distintas, mesmo tutelando o mesmo bem jurídico.

O entendimento acima é considerado como tese pelo Superior Tribunal de Justiça:

TESE 3, edição 51: Há concurso material entre os crime de roubo e extorsão quando o agente, após subtrair bens da vítima, mediante emprego de violência ou grave ameaça, a constrange a entregar o cartão bancário e a respectiva senha para sacar dinheiro de sua conta corrente.

Precedentes: AgRg no AREsp 745957/ES, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2015, DJe 10/12/2015; EDcl no REsp 1133029/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe 19/10/2015 [2].

Para justificar o emprego da arma de fogo para qualificar o delito de roubo, artigo 157, §2º-A, inciso I, do CPB, e majorar o sequestro relâmpago, artigo 158, §1º, do CPB, foi utilizada a mesma razão de decidir adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg no HC n. 470629 MS, que permitiu a imputação concomitante das majorantes do emprego de arma e concurso de pessoas do crime de roubo com as majorantes da quadrilha armada [3].

Dois crimes associados
Em análise ao caso acima mencionado, depreende-se que os acusados se associaram com o fim específico de cometer crimes mediante o emprego de arma de fogo, artigo 288¸ caput e §1º, primeira parte, do CPB, (redação antiga) e praticaram o crime de roubo qualificado pelo concurso de pessoas e circunstanciado pelo emprego de arma de fogo, artigo 157, §2º, inciso I, do CPB (redação antiga).

O Tribunal da Cidadania alegou que não há bis in idem, pois os crimes de roubo e de formação de quadrilha são autônomos e independentes, uma vez que possuem objetos jurídicos distintos.

123RF

O delito de roubo tutela os bens jurídicos do patrimônio, da integridade física e da liberdade do indivíduo, assim como se trata de crime material e de perigo concreto. A conduta típica de associação criminosa (antiga quadrilha ou bando) protege a paz pública e é classificado como formal e de perigo abstrato.

Transpondo o entendimento acima para o caso proposto neste artigo, entende-se que o investigado empregou a arma de fogo em dois momentos distintos para realizar crimes diferentes e obter vantagem econômica ilícita de maneira distinta.

Durante o sequestro relâmpago, a arma de fogo foi manejada para restringir a liberdade da vítima como condição única para se obter a vantagem econômica ilícita (realização de transferências bancárias para terceiros), situação que caracteriza o crime do artigo 158, §1º e §3º do Código Penal.

Uso da arma de fogo pode qualificar crime
É de bom alvitre asseverar que o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a majorante da arma de fogo do §1º do artigo 158 do Código Penal poderá ser cumulada com as qualificadoras do delito, inclusive, à qualificadora da restrição de liberdade, não estando restrita à conduta descrita no caput do mencionado tipo penal [4].

Ato contínuo às transferências bancárias realizadas pela vítima de extorsão, o mesmo indivíduo iniciou a prática do delito de roubo, pois utilizou a arma de fogo para subtrair para si, mediante grave ameaça, os pertences de valor das demais vítimas.

Não obstante os crimes praticados protejam o mesmo bem jurídico (patrimônio e integridade física), a consumação se dá em momentos distintos, sendo certo que a arma de fogo foi instrumento imprescindível para a consumação de ambos os delitos.

A extorsão, do artigo 158, caput, do CPB [5] ou o sequestro relâmpago, do artigo 158, §3º, do CPB [6], são crimes formais que se consumam com o constrangimento da vítima, mediante violência ou grave ameaça, a praticar algo que não seja de sua vontade para obter vantagem ilícita ou com a mera privação de liberdade, sendo dispensável, em ambos os casos, a obtenção da vantagem econômica.

Outrossim, o crime de roubo é classificado como crime material e se consuma com “[…] a inversão da posse do bem, mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada”, conforme a Súmula nº 582 do STJ. [7]

Portanto, não há que se falar em bis in idem, uma vez que os crimes praticados são autônomos e distintos, sobretudo, consumam-se em momentos diferentes, razão pela qual é possível utilizar a arma de fogo para qualificar o crime de roubo, do artigo 157, §2º-A do CPB, e majorar o delito de extorsão ou sequestro relâmpago, do artigo 158, caput, §1º ou §3º, do mesmo Código Penal.

 


[1] BRASIL, STJ – HC: 411722 SP 2017/0199109-3, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 08/02/2018, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/02/2018.

[2] A Jurisprudência em Tese n. 3, da edição 51 do Superior Tribunal de Justiça está disponível no seguinte link:<https://processo.stj.jus.br/SCON/jt/doc.jsp?tipo=JT&materia=%22DIREITO+PENAL%22.MAT.+NAO+%22DIREITO+PENAL+E+PROCESSUAL+PENAL%22.MAT.&b=TEMA&p=true&thesaurus=JURIDICO&l=20&i=10&operador=E&ordenacao=MAT,@NUM>. Acesso em 14.02.2024.

[3] BRASI, STJ – AgRg no HC: 470629 MS 2018/0247772-9, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 19/03/2019, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/03/2019.

[4] BRASIL, STJ. 5ª Turma. REsp 1353693-RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13/9/2016 (Info 590).

[5] Súmula 96 do Superior Tribunal de Justiça: O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/docs_internet/jurisprudencia/tematica/download/SU/Verbetes/VerbetesSTJ.pdf>. Acesso em: 14.02.2024.

[6] STJ – HC: 113978 SP 2008/0185111-5, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 16/09/2010, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/10/2010.

[7] Súmula 582 do Superior Tribunal de Justiça: Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/docs_internet/jurisprudencia/tematica/download/SU/Verbetes/VerbetesSTJ.pdf>. Acesso em: 14.02.2024.

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