Opinião

O silêncio seletivo do processo penal é válido no inquérito policial?

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2 de janeiro de 2024, 19h17

Antes do início do interrogatório policial, o advogado informa à autoridade policial que o investigado irá responder apenas às suas perguntas e nas demais irá exercer o direito ao silêncio.

Diante disso, qual é o procedimento que a autoridade policial deverá adotar?

Os Tribunais Superiores ainda não se manifestaram sobre o tema.

Contudo, o posicionamento adotado por este artigo orienta a autoridade policial a encerrar imediatamente o interrogatório policial e fazer constar que o investigado optou pelo direito ao silêncio, sem a possibilidade de consignar perguntas, uma vez que o ato é dispensável para o encerramento das investigações.

O princípio do nemo tenetur se detegere, previsto expressamente no artigo 8º, item 2, alínea “g”, da Convenção Americana dos Direitos Humanos, determina que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Permite-se que o investigado ou acusado adote comportamento neutro durante a persecução criminal [1].

Previsto no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal de 1988, o direito ao silêncio tem natureza jurídica de direito fundamental, sendo certo que o silêncio não resulta em confissão e não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa, conforme o §1º do artigo 186 do Código de Processo Penal [2].

No Brasil, há uma cultura de forte proteção ao direito ao silêncio, principalmente, pelo fato do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC nº 834.126, estabelecer que o investigado tem o direito de mentir, exceto nas situações que incriminam dolosamente outros indivíduos, oportunidade em que responde pelo crime de denunciação caluniosa do artigo 339 do Código Penal [3].

Recentemente, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC nº 703.978, de relatoria do ministro Olindo Menezes, reconheceu o direito ao silêncio seletivo no procedimento do Tribunal do Júri que consiste na possibilidade do acusado responder apenas as perguntas que forem convenientes [4].

Ou seja, o acusado poderá se negar a responder todas as perguntas feitas pelo magistrado, assim como poderá responder apenas às indagações feitas pelo seu advogado, sob pena de nulidade do ato processual.

Não se trata de decisão isolada do Tribunal da Cidadania. O ministro relator Joel Ilan Paciornik adotou o mesmo entendimento e legitimou o direito ao silêncio seletivo no julgamento do HC nº 688.748-SC [5].

Contudo, entende-se que o silêncio seletivo não deve ser aplicado no interrogatório do investigado realizado durante o inquérito policial.

Conforme o entendimento dos Tribunais Superiores, não vigora no inquérito policial o direito de defesa e contraditório, os quais são reservados para o processo penal [6].

É de bom alvitre asseverar que este artigo adota o conceito de inquérito policial trazido pela doutrina moderna: “[…] o inquérito policial é o processo administrativo presidido pelo delegado de polícia natural, apuratório, informativo e probatório, indispensável, e preparatório e preservador”, sendo certo que há a presença do contraditório diferido [7].

O delegado de polícia é o presidente do inquérito policial e o responsável por conduzir a investigação e seus atos, como por exemplo: interrogatório do investigado, tendo como objetivo a apuração das circunstâncias de materialidade e de autoria das infrações penais, conforme previsto no artigo 2º, §1º, da Lei nº 12.830/13.

O interrogatório tem natureza jurídica predominante de defesa e subsidiariamente meio de prova, sendo a oportunidade para o investigado se manifestar ou se manter em silêncio durante a investigação criminal [8].

Consoante julgado proferido pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, o interrogatório do averiguado não é obrigatório durante o inquérito policial, bem como eventuais ilegalidades nele não irão macular a ação penal [9].

Portanto, a ausência do interrogatório não é óbice para o encerramento do inquérito policial com relatório positivo à deflagração da ação penal, quando a autoridade policial tiver constatado a materialidade delitiva e angariado indícios de autoria suficientes para indiciar o investigado.

A participação do advogado no inquérito policial não é obrigatória [10]. Contudo, se o interrogado optar pela assistência do advogado ou do defensor público, a Autoridade Policial não poderá colher as suas declarações, sequer consignar suas perguntas, sob pena de praticar crime de abuso de autoridade do artigo 15, inciso II, da Lei nº 13.869/2019.

Em que pese o artigo 7º, inciso XXI, da Lei nº 8.906/94, tenha estabelecido como direito do advogado a possibilidade de “assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento […], podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração apresentar razões e quesitos”, não se pode confundi-lo como direito ao contraditório [11].

Durante o interrogatório do investigado, o advogado poderá realizar perguntas complementares àquelas realizadas pela autoridade policial, as quais, inclusive, podem ser indeferidas pela autoridade quando forem impertinentes ao objeto da apuração.

Ao permitir que o investigado se utilize do silêncio seletivo para responder apenas às perguntas do advogado, estaria se legitimando severa distorção dogmática no inquérito policial, pois, transversalmente, o poder-dever de presidência do ato estaria sendo transferido para o advogado, situação que fere a prerrogativa constitucional prevista no artigo 144, §4º, da constituinte de 88.

Desse modo, entende-se que o silêncio seletivo é um direito restrito ao processo penal e não aplicável ao inquérito policial, sob pena de retirar do delegado de polícia a presidência do inquérito policial, principalmente, do interrogatório. Portanto, ao se deparar com situação narrada acima, orienta-se o encerramento do interrogatório, fazendo constar que o investigado optou pelo direito ao silêncio.


[1] BRASIL, Decreto 678. Pacto de São José da Costa Rica, de 6 de nov de 1992. Disponível em: <https://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 28/12/2023.

[2] BRASIL, Constituição Federal de 1988, de 5 de out de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 28/12/2023.

[3] BRASIL, STJ, HC 834.126/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, publicado em 13/09/2023.

[4] BRASIL, STJ, HC 703.978/SC, Rel. Min. Olindo Menezes, publicado em 08/11/2021.

[5] BRASIL, STJ, HC 688.748/SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, publicado em 27/08/2021.

[6] BRASIL, STJ, HC 380.698/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, publicado em 05/10/2017.

[7] CASTRO, Henrique Hoffman Monteiro. Inquérito policial tem sido conceituado de forma equivocada. Revista Consultor Jurídico, fev de 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-fev-21/academia-policia-inquerito-policial-sido-conceituado-forma-equivocada/>. Acesso em: 28/12/2023.

[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal. 9. ed. rev., atual. E ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2009.

[9] BRASIL, STJ, AgRg no Resp 1840917/TO, 5ª Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, publicado em 28/06/2021.

[10] BRASIL, STJ, HC 139.412/SC, 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, publicado em 11/05/2010.

[11] BRASIL, Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados (OAB), de 4 de jul de 1994. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm>. Acesso em: 28/12/2023.

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