Infra e Controle

Desafios e oportunidades nas 'PPP's sociais'

Autores

  • Giuseppe Giamundo Neto

    é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP (Universidade de São Paulo) advogado e sócio do Giamundo Neto Advogados professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa) em Brasília e secretário-adjunto da Comissão Nacional de Direito da Infraestrutura da OAB.

  • Fernanda Leoni

    é doutoranda e mestre em Políticas Públicas pela UFABC (Universidade Federal do ABC) especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura bacharel em Direito pela PUC-SP e advogada do Giamundo Neto Advogados.

21 de fevereiro de 2024, 8h00

Delineadas como contratos de grande vulto, as parcerias público-privadas (PPP’s) estão frequentemente associadas a contratos de maior complexidade, considerando que a própria Lei Federal nº 11.079/2004, que disciplina a matéria, estabelece requisitos bastante rígidos para a sua caracterização, envolvendo valores consideráveis, prazos estendidos e objetos múltiplos.

Nos últimos anos, no entanto, passou-se a debater a possibilidade de um direcionamento desse instrumento contratual não somente para as obras mais comuns de infraestrutura, tradicionalmente ligadas ao modelo — tais como as concessões rodoviárias —, mas também para aqueles empreendimentos de cunho social, a exemplo das áreas da saúde e da educação, para os quais se passou a empregar o termo de “PPP’s Sociais’.

Com efeito, não há qualquer incompatibilidade do modelo com esse tipo específico de objeto, desde que atendidos requisitos identificados na legislação. A questão a ser debatida é a de justamente ampliar essa lógica contratual para objetos que aprioristicamente estejam contemplados no modelo comum de contratação administrativa mais por conveniência do que por adequação.

A discussão apresenta perspectivas positivas e já possui algumas experiências pontuais a serem avaliadas, não obstante também sejam vislumbrados desafios adaptativos inerentes a qualquer nova investida jurídica. Fato é que o investimento nesse tipo de parceria é uma aposta do atual Governo Federal, que já conta, inclusive, com recursos em fundo para essa finalidade [1].

Exemplos
Na área da educação, o governofFederal vem estudando, com o auxílio do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), da Caixa Econômica Federal e do Ministério da Educação projetos voltados à diminuição do déficit de vagas para creches e educação infantil.

O fácil trânsito de recursos federais para esse tipo de projeto também para estados e municípios é certamente um facilitador dos seu aprimoramento e extensão [2].

Outro setor propício ao desenvolvimento desse tipo de projeto é a área da saúde, que encontra algumas experiências bastante consolidadas.

Spacca

Um case de sucesso foi a concessão do Hospital do Subúrbio de Salvador em 2010, cujo contrato delegava toda a gestão e operação da unidade hospitalar, incluindo os serviços de assistência hospitalar, que ainda hoje, passados mais de dez anos, encontram índices bastantes positivos de avaliação pela população [3].

Embora não ligada, de pronto, à questão social, as PPP’s de estabelecimentos prisionais também estão atreladas a diversas temáticas complexas que vão desde o limite da responsabilidade do Estado pela manutenção de condições mínimas à população carcerária até a recorrente discussão sobre a delegação de poder de polícia estatal.

Somente a longo prazo será possível atrelar o papel de uma pretensa melhoria desse ambiente ocasionado pela gestão privada à ressocialização e coleta de dados sobre a efetividade do modelo para esse objeto.

Habitação
Um outro setor em que se discute o modelo é o da habitação de interesse social, apesar das experiências ainda bastante disputadas. É o caso das concessões do Governo do Estado e da Prefeitura de São Paulo, que apesar de sua modelagem complexa e moderna, ainda têm dificuldades de lidar com esse problema urbano de acesso e conflito pelo espaço em uma megametrópole.

Spacca

Do ponto de vista essencialmente jurídico, afora o debate comum sobre o adequado equilíbrio entre o lucro privado e o interesse público, sempre presente nas iniciativas que importe algum tipo de privatização, há de se discutir, ainda, diversos outros aspectos que podem sinalizar empecilhos à aplicação do modelo e sua ampliação aos entes subnacionais, comumente mais carentes de infraestruturas complexas.

Um desses desafios certamente está na dificuldade de modelagens contratuais que permitam efetiva e adequada mensuração de resultados do agente privado, na medida em que a avaliação de desempenho em setores sociais encontra variáveis bem mais complexas do que aqueles serviços de natureza concorrencial.

Por consequência, essas dificuldades podem alavancar os riscos financeiros e operacionais dos projetos, tornando-os menos atrativos ao setor privado e, consequentemente, mais onerosos ao setor público, principalmente em razão de um retorno não tão claro e célere como naquelas atividades naturalmente remuneradas por tarifa.

A regulação também é um aspecto cuja complexidade fica majorada nesse tipo de projeto, na medida em que eventual captura traz prejuízos não somente à confiança no setor público, como desafia os próprios resultados sociais desejados. Trata-se não somente de se garantir a qualidade e eficiência dos serviços prestados, mas de assegurar os resultados sociais que não sejam afetados por uma lógica de lucro imediato.

Igualmente relevantes os desafios relacionados à própria aceitação do modelo pela sociedade e grupos de interesse diretamente afetados, o que não raramente encontra eco nas avaliações realizadas por órgãos de controle ou pelo Judiciário na discussão quanto à legalidade dos projetos, principalmente nos setores de maior disputa.

Nesse contexto, o aprimoramento das capacidades estatais para o desenho de bons projetos certamente conta como um fator determinante.

Por outro lado, também há vantagens a serem consideradas na implantação desse modelo que, em alguma medida, se assemelham aos debates relacionados às concessões de modo geral.

As questões da eficiência e inovação são recorrentes nessa temática, a partir da concepção comum, mas nem sempre acertada, de que o setor privado tem condições de oferecer uma gestão de maior qualidade e mais compatível às premissas tecnológicas cada vez mais voláteis.

A presença de recursos financeiros de fontes variadas — não exclusivamente públicas — e o acesso à verba de financiamento privado também são importantes ferramentas para superar as restrições orçamentárias comuns ao setor público.

Inovação
Mesmo na parcela financiada com verbas públicas há uma margem mais abrangente para a inovação, permitindo se pensar em estruturas eficazes de remuneração baseada em desempenho, com claro incentivo a resultados.

A inovação também encontra abertura no momento de estruturação das cláusulas contratais, que podem ser mais flexíveis e adaptáveis às necessidades da contratação.

Nesse contexto, uma boa matriz contratual, pensando na transferência de riscos estratégicos para cada player, autoriza não somente maior segurança e atratividade, como uma gestão mais eficiente da demanda.

Por fim, devido ao interesse e necessidade do retorno financeiro dos investimentos realizados, as PPP’s trazem incentivos tanto para a conclusão mais célere dos projetos — das parcelas que envolvam a entrega de alguma infraestrutura, por exemplo —, assim como a própria manutenção dos equipamentos públicos entregues, na medida em que esses ativos precisam resistir a contratos de longo prazo.

De modo geral, a expansão das parcerias público-privadas para setores sociais, ainda bastante desafiadora, apresenta potencial para a melhoria da eficiência, inovação, acesso a novas fontes de recursos e adequada alocação de riscos estratégicos, representando uma aposta significativa também ao debate jurídico.

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[1] Cf.: https://agenciainfra.com/blog/com-fundo-de-r-1-bi-estruturacao-de-ppps-sociais-sao-aposta-do-ppi-para-deslanchar-parcerias/. Acesso em 14/02/2024.

[2] É o que se extrai da fala da assessora especial da Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimento do Governo Federal, Viviane Moraes Moura, no episódio 98 do Infracast. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/3ZVzzVvnY80Rr454Ku2HdL?si=bd2e97ff9da8470d. Acesso em: 14/02/2024.

[3] Cf. https://www.saude.ba.gov.br/2020/09/18/hospital-do-suburbio-completa-10-anos-com-98-de-satisfacao-do-usuario/. Acesso em 14/02/2024.

Autores

  • é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP e sócio do escritório Giamundo Neto Advogados.

  • é doutoranda e mestre em Políticas Públicas pela UFABC (Universidade Federal do ABC), especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura, bacharel em Direito pela PUC-SP e advogada do Giamundo Neto Advogados.

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