Reflexões Trabalhistas

A concessão do intervalo intrajornada e suas consequências

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16 de fevereiro de 2024, 8h00

A concessão de intervalos ou de períodos de descanso aos empregados é uma obrigação do empregador que tem como objetivo evitar a fadiga física e mental e reduzir os acidentes do trabalho, além de garantir a participação do trabalhador na vida familiar, social e política.

Os períodos de descanso podem ser conferidos durante a jornada de trabalho (intervalo intrajornada); entre uma jornada e outra (intervalo interjornada); durante a semana de trabalho (repouso semanal); nos feriados; ou, ainda, anualmente (férias).

Os intervalos intrajornada são os períodos de descanso concedidos aos empregados, dentro do horário de trabalho, para que o trabalhador possa descansar ou se alimentar.

A concessão de tais períodos está ligada diretamente à saúde do trabalhador e à segurança do trabalho, uma vez que os intervalos são necessários para a redução dos riscos inerentes ao trabalho decorrentes do tipo de atividade desenvolvida, ou do ambiente, especialmente quando prejudicial à saúde.

Por tais motivos, não é válida a simples renúncia do empregado ao direito de usufruir o intervalo intrajornada.

Duração
A legislação trabalhista estabelece que o período de intervalo intrajornada é de no mínimo quinze minutos para os empregados que laboram em jornadas contínuas de quatro até seis horas diárias; e, de uma até duas horas, para os empregados que têm jornada contínua superior a seis horas de trabalho.

Assim, segundo o artigo 71 da CLT, os empregados que laboram menos de quatro horas diárias, não têm direito a um período de descanso.

A Lei nº 13.467/2017, conhecida como reforma trabalhista, permitiu a redução do intervalo mínimo de uma hora para refeição e descanso, caso o estabelecimento de trabalho atenda integralmente às exigências relativas à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estejam trabalhando em jornada extraordinária. Neste caso, a diminuição do tempo intervalar dependerá de ato do ministro do Trabalho, após ouvido o órgão responsável pela área de segurança e medicina do trabalho (§ 3º, artigo 71 da CLT).

A referida reforma também permitiu a redução do intervalo intrajornada, desde que respeitado o limite mínimo de 30 minutos para as jornadas superiores a seis horas, quando negociada por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho (inciso III, artigo 611-A, CLT); ou, quando negociada entre o empregador e empregado portador de diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (parágrafo único do artigo 444 da CLT) [1].

Spacca

A Lei Complementar nº 150/2015, que rege o contrato de trabalho do empregado doméstico, também permitiu a redução do período de alimentação e descanso para 30 minutos no mínimo, em caso de acordo escrito firmado diretamente entre empregado doméstico e empregador; bem como o seu desmembramento em dois períodos de uma hora cada um, na hipótese de o empregado residir no local de trabalho, bastando para isso, que tais descansos sejam anotados no registro diário de horário (artigo 13, §§ 1º e 2º da Lei Complementar nº 150/2015).

Momento do intervalo
O momento para a concessão dos intervalos intrajornada é fundamental para garantir o efetivo gozo do descanso. Dessa forma, os intervalos não podem ser concedidos no início da jornada, nem podem ser trocados pela saída antecipada do trabalhador, mediante sua concessão ao final do horário de trabalho.

Embora não haja previsão expressa no artigo 71 da CLT quanto ao momento em que deve ser concedido o intervalo intrajornada, a legislação delimitou o período máximo para tanto, ao estabelecer o lapso de uma hora, para o trabalho contínuo, cuja duração exceda de seis horas (caput do artigo 71, CLT). A intenção é não afastar o intervalo de seu objetivo principal, qual seja, o descanso e a recomposição das energias do trabalhador para a continuidade da prestação dos serviços, mediante a manutenção de sua higidez física e mental.

Jurisprudência
Sobre o tema, já decidiu o Tribunal Superior do Trabalho, em mais de uma oportunidade, que é ineficaz a concessão do intervalo antes ou depois da prestação das atividades, ou muito próxima do início ou final da jornada, senão vejamos:

“RECURSO DE REVISTA. LEI 13.015/2014. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. INTERVALO INTRAJORNADA. MOMENTO DE CONCESSÃO. O intervalo intrajornada tem por objetivo proteger a saúde e a segurança do empregado, porquanto propicia ao empregado tempo para alimentação e descanso. Entretanto, esse objetivo não será alcançado se o intervalo for concedido no início ou ao final da jornada de trabalho. Dessa forma, a concessão do intervalo intrajornada no início ou ao final da jornada de trabalho equivale à sua não concessão, sendo devido o pagamento do período na forma prevista na Súmula 437, I e III, desta Corte. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.” (TST – RR: 100369820175150152, relator: ministro Alberto Bastos Balazeiro, data de julgamento: 2/2/2022, 5ª Turma, data de publicação: 4/2/2022)

Da mesma forma, os intervalos intrajornada não podem ser fracionados, sob pena de inviabilizar o efetivo descanso do trabalhador, como também decidiu o Tribunal Superior do Trabalho, nos exemplos abaixo transcritos:

“RECURSO DE REVISTA DA AUTORA. LEI Nº 13.467/2017. INTERVALO INTRAJORNADA. FRACIONAMENTO. INTERRUPÇÃO DO DESCANSO CERCA DE 3 VEZES POR SEMANA, POR DEMANDA DE TRABALHO, COM POSTERIOR RETORNO PARA A FRUIÇÃO RESTANTE. Sendo obrigatória a concessão de um intervalo mínimo de uma hora, em trabalhos cuja duração exceda 6 (seis) horas, a não concessão ou a concessão parcial, incluindo-se a hipótese de fracionamento do período intervalar, implica o pagamento integral do período como labor extraordinário. Tal fragmentação equivale à sua concessão parcial, pois retira do preceito normativo parte de sua função biológica que é conceder ao empregado um período adequado, como medida de higiene, saúde e segurança, que lhe permita, de forma efetiva, o repouso, a alimentação e o reestabelecimento da força de trabalho. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – RR: 11460-42.2020.5.15.0130, relator: ministro Cláudio Brandão, Data de Julgamento: 16/8/2023, 7ª Turma, data de publicação: 4/2/2022)

 

“I. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. 1. INTERVALO INTRAJORNADA. FRACIONAMENTO DE DOIS PERÍODOS TOTALIZANDO 60 MINUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 437, I, DO TST. TESE JURÍDICA PACIFICADA PELO TST EM REITERADAS DECISÕES. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CARACTERIZADA. De acordo com o art. 896-A da CLT, o Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, deve examinar previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica. No presente caso, o TRT considerou válida a prática da Reclamada em fracionar o intervalo intrajornada em dois períodos, quando a soma dos períodos equivale a 1 hora. Desse modo, encontrando-se a decisão em dissonância com a jurisprudência desta Corte Superior, está caracterizada a transcendência política do debate proposto. Possível contrariedade à Súmula 437, I, do TST. (…) II. RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. INTERVALO INTRAJORNADA. FRACIONAMENTO DE DOIS PERÍODOS TOTALIZANDO 60 MINUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 437, I, DO TST. TESE JURÍDICA PACIFICADA PELO TST EM REITERADAS DECISÕES. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CARACTERIZADA. O Tribunal Regional indeferiu a pretensão de pagamento do intervalo intrajornada, considerando válido o fracionamento do intervalo em dois períodos. Consignou que “embora fracionado em dois períodos (um para almoço e outro para lanche, de 40 e 20 minutos respectivamente), o tempo do intervalo era, efetivamente, de 60 minutos, não havendo falar em redução da hora intervalar.” Esta Corte Superior tem firmado o entendimento de que é inválida a concessão do intervalo intrajornada de forma fracionada, mesmo que a somatória dos períodos totalize uma hora de repouso. A redução do intervalo por meio de fracionamento equivale à concessão parcial do período de repouso, dando ensejo ao pagamento do período total correspondente como labor extraordinário. Divisada transcendência política da matéria e contrariedade à Súmula 437, I, do TST. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – ARR: 14825520175120057, relator: Douglas Alencar Rodrigues, data de julgamento: 1/10/2019, 5ª Turma, data de publicação: DEJT 4/10/2019)

Conclusão
Deste modo, compete ao empregador conceder o intervalo intrajornada ao trabalhador por um período mínimo, adequado e contínuo para que este possa restabelecer suas forças, como medida de higiene, saúde e segurança do trabalho.

Por outro lado, não se pode olvidar que o fracionamento do intervalo mínimo de uma hora será admitido quando previsto em acordo ou convenção coletiva, conforme o entendimento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1046 da Repercussão Geral, segundo o qual é válida a norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente.

 


[1] Vale comentar que a referida alteração legislativa é uma dentre muitas alterações prejudiciais aos direitos do trabalhador provocadas pela Lei n. 13.467/2017. Como bem esclarece Maurício Godinho Delgado (in Curso de Direito do Trabalho, 18ª ed., LTr, pag. 1118), tal retrocesso jurídico e social dissociou artificialmente, as normas relativas à jornada e intervalos do campo da saúde e higiene do trabalho, conforme previsão contida no parágrafo único do art. 611-B da CLT.

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