Sigilo médico x aborto: um conflito ético e jurídico
4 de fevereiro de 2024, 15h16
Ao longo dos anos a questão do sigilo médico em determinados casos vem sendo colocada à prova em diversas situações do dia a dia. Considerado um dos pilares fundamentais da relação médico e paciente, o sigilo médico é fundamental e proporciona ao paciente a garantia de que as informações compartilhadas serão mantidas em sigilo e não serão compartilhadas.
Quando a questão do aborto entra em cena, esse princípio ético e jurídico pode se tornar um dilema complexo, principalmente aos profissionais da medicina, que se questionam como devem agir. Afinal, quando trata-se da questão do aborto, envolvemos não apenas o sigilo profissional, mas também questões legais, morais, de saúde pública e político.
O sigilo médico é amparado por leis e códigos de ética em todo o mundo, incluindo no Brasil, onde é protegido tanto pelo Código de Ética Médica, quanto pelo Código Penal. À luz do que prevê essas normativas, os médicos estão obrigados a manter em sigilo todas as informações obtidas durante a relação médico-paciente, a menos que haja consentimento expresso do paciente ou por determinação judicial.
Conflito ético
No Brasil, a questão do aborto continua sendo um tema sensível e controverso, especialmente quando se consideram as legislações e os posicionamentos culturais adotados ao redor do mundo. Em muitos países, o aborto é considerado crime e os profissionais de saúde podem ser legalmente responsabilizados se tomarem conhecimento de uma interrupção voluntária da gravidez e não comunicarem às autoridades.
Assim, presenciamos em diversos casos ligados a grandes redes de hospital que o tema “aborto” significa um conflito ético para os médicos, que se veem em uma encruzilhada moral que, infelizmente, não tem espaço para subsistir nesses casos.
Veja bem. Além de o sigilo ser uma obrigação profissional e um direito do paciente, apesar de o artigo 66, inciso II, da Lei de Contravenções Penais prever que o médico deve comunicar crime de ação pública que tenha conhecimento no exercício da medicina, sob pena de responder por infração penal no caso do aborto, o médico encontra-se desobrigado a fazê-lo, haja visto o entendimento exarado tanto pelo ministro Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça, de que o médico é confidente necessário e, em razão disso, proibido de revelar segredo de que tem conhecimento em razão da profissão intelectual, bem como de depor sobre o fato, quanto pelos Pareceres nº 24.292/00 e 21.326/97 do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo.
Diálogo
Nesse contexto, algumas entidades médicas e defensoras dos direitos reprodutivos têm buscado o diálogo com as autoridades e a sociedade para debater a descriminalização do aborto e garantir o acesso seguro e legal ao procedimento. A discussão busca encontrar um equilíbrio entre o sigilo médico, a autonomia da paciente e a proteção à saúde pública, considerando também as circunstâncias sociais e culturais que permeiam a questão.
No âmbito internacional, países que legalizaram o aborto e garantiram o acesso ao procedimento seguro demonstraram resultados positivos em termos de saúde reprodutiva e redução de mortalidade materna. A legalização proporciona às mulheres o direito de fazer escolhas informadas sobre sua própria saúde e corpo, além de combater a clandestinidade e os riscos à saúde associados ao aborto inseguro.
Ademais, no dia 30 de janeiro de 2024, em recente julgamento do HC 181.907-MG (2023/186910-3), a ministra Daniela Teixeira, relatora do habeas corpus, conheceu e deu provimento ao remédio constitucional para trancar a ação penal em curso perante o TJ-MG, bem como determinou a remessa dos autos ao Ministério Público competente para condução das medidas pertinentes acerca da conduta do profissional.
Em conclusão, o conflito entre sigilo médico e a questão do aborto é um dilema ético e jurídico complexo. No entanto, no presente cenário, não apenas os pareceres dos órgãos médicos, como também a jurisprudência, têm previsto a obrigação médica de sigilo nessas situações e, em caso de descumprimento, o profissional deverá ser responsabilizado criminalmente.
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