Opinião

O concurso para professor titular de processo civil na 'Velha e Sempre Nova Academia'

Autor

  • Nancy Andrighi

    é ministra do Superior Tribunal de Justiça. Doutoranda em Direito Civil pela Universidade de Buenos Aires. Mestre em Mediação pelo Instituto Universitaire Kurt Bosch.

29 de abril de 2024, 14h17

Entre os dias 15 e 19 de abril deste ano, no salão nobre da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), tive a honra e a alegria de compor a banca examinadora do concurso para professor titular de direito processual civil das arcadas, ao lado dos brilhantes professores José Roberto dos Santos Bedaque (FDUSP), presidente da banca, Flávio Luiz Yarshell (FDUSP), Paula Costa e Silva (Universidade de Lisboa) e Flávio Cheim Jorge (Ufes).

Alcançar o cargo de professor titular significa atingir o ápice da carreira acadêmica. Na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, tal desiderato exige prévia aprovação em concursos públicos para os cargos de professor doutor e professor livre-docente.

O concurso destinava-se ao preenchimento da vaga aberta em virtude da aposentadoria do estimado professor titular José Rogério Cruz e Tucci, que acompanhou pessoalmente o certame todos os dias, demonstrando a sua conhecida dedicação e zelo pelos destinos da cátedra de direito processual civil do Largo de São Francisco.

O professor Tucci, além de renomado processualista, foi também diretor da Faculdade de Direito entre os anos de 2014 e 2018. Querido entre os alunos, sua gestão destacou-se pela pacificação, pelo diálogo franco, pelo início da reformulação da grade curricular e por buscar integrar o edifício histórico da Faculdade no Largo de São Francisco aos edifícios anexos, como forma de garantir maior segurança e conforto aos discentes e docentes.

Posso afirmar que a participação neste concurso foi um dos momentos mais importantes da minha vida profissional, após mais de 47 anos dedicados à magistratura.

Tradição acadêmica

Flavio Yarshell, Paula Costa e Silva, ministra Nancy Andrighi, Heitor Sica, José Roberto Bedaque e Flavio Cheim Jorge

Flavio Yarshell, Paula Costa e Silva, ministra Nancy Andrighi, Heitor Sica, José Roberto Bedaque e Flavio Cheim Jorge

A “Velha e Sempre Nova Academia” — apelido carinhoso atribuído por seus alunos e professores — é a mais antiga e tradicional escola de direito do Brasil, tendo sido criada por dom Pedro 1º por meio da famosa lei de 11 de agosto de 1827, que se encontra parcialmente reproduzida nas paredes da sala da congregação, como instituição-chave para o desenvolvimento do país, destinando-se a formar governantes e administradores públicos para o Brasil recém-independente. Não por acaso, pelos bancos escolares das arcadas passaram dez presidentes da República, 45 governadores, diversos ministros de Estado e dos tribunais superiores e inúmeros parlamentares.

Da Faculdade de Direito também partiram os principais movimentos políticos do Brasil, liderados por seus estudantes e professores, desde o movimento abolicionista do grande Joaquim Nabuco, passando pelo movimento republicano, até chegar, mais recentemente, ao processo de redemocratização do país com destaque para a campanha das “Diretas Já!”. Daí porque um antigo brocardo acadêmico dos estudantes do Largo de São Francisco afirma que “a história da faculdade é a faculdade da história”.

Foi também na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco a instituição, em 1827, da primeira cátedra de processo civil com a disciplina “theoria e prática do processo adoptado pelas leis do Império”. O primeiro professor da disciplina, como rememora o professor José Rogério Cruz e Tucci em seu brilhante e amoroso livro “A Cátedra de processo civil no Largo de São Francisco”, foi Luiz Nicolau Fagundes Varella.

Desde então, a importância da Faculdade de Direito para o desenvolvimento do direito processual civil em nosso País fez-se sentir. Pelas cadeiras de processo civil das arcadas passaram nomes de destaque de nossa ciência jurídica, como Joaquim Inácio Ramalho (o Barão de Ramalho), João Pereira Monteiro Júnior, João Mendes de Almeida Júnior, Alfredo Buzaid, Luis Eulálio de Bueno Vidigal, Moacyr Amaral Santos, José Ignácio Botelho de Mesquita e, mais recentemente, Cândido Rangel Dinamarco, Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra, José Rogério Cruz e Tucci, José Roberto dos Santos Bedaque, Flávio Luiz Yarshell, Antonio Carlos Marcato, entre tantos outros. Muitos dão nome às salas de aula da faculdade.

Como fruto desta centenária tradição, formou-se, a “Escola Processual de São Paulo”, como manifestação da unidade das linhas gerais de pensamento sobre o processo geradas e cultivadas no seio da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

O concurso para provimento do cargo de professor titular realizado no outono do ano corrente é mais um capítulo desta fecunda história dos processualistas de São Paulo.

As teses dos professores inscritos

Inscreveram-se para o certame os candidatos Heitor Vitor Mendonça Sica, Ricardo de Barros Leonel, Carlos Alberto de Salles e Paulo Henrique dos Santos Lucon, todos professores de direito processual civil na Faculdade.

Cada um dos candidatos apresentou e defendeu uma tese de titularidade.

Heitor Vitor Mendonça Sica defendeu a tese “Contribuição ao Estudo da Substituição e da Representação Processuais: elementos comuns do agere iudiciali iure pro alio”; Ricardo de Barros Leonel apresentou tese sobre a “Tutela Jurisdicional no Direito Processual Contemporâneo”; Carlos Alberto de Salles defendeu a tese “Risco e Processo: a tutela provisória de urgência no Código de Processo Civil brasileiro”; e Paulo Henrique dos Santos Lucon apresentou a tese “Abuso do Processo (perfil lógico-sistemático)”.

Com a licença de todos, penso ser fundamental, nesse contexto, destacar, para conhecimento de todos e da comunidade jurídica em particular, a seriedade, a dedicação, a nobreza e o rigoroso cumprimento do procedimento de escolha dos docentes para o Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito.

Todo o certame, realizado sob a segura regência do professor titular José Roberto dos Santos Bedaque, foi realizado com a mais absoluta imparcialidade, austeridade, dedicação e lisura, almejando sempre a escolha mais justa diante de primorosos concorrentes.

Durante cinco dias ininterruptos, os candidatos submeteram-se a três fases de seleção: prova pública de arguição, prova pública oral de erudição e julgamento de títulos.

Fazendo jus à tradição da Escola Processual de São Paulo, me encanta destacar a solidez e o bom alicerce dos trabalhos apresentados, a erudição das exposições e o extraordinário preparo de todos os pretendentes, que representam um verdadeiro bálsamo de esperança por um direito melhor.

Valho-me deste para expressar a minha gratidão especial ao professor José Rogério Cruz e Tucci por ter lembrado do meu nome e o submetido à gloriosa e respeitável congregação no entardecer de minha vida para participar de tão distinto certame, que foi fonte de inesgotável emoção desde o primeiro momento, até o caminhar à sombra das arcadas do Largo de São Francisco contemplando a beleza do edifício histórico, ostentando, cheia de honra e orgulho, a beca da faculdade.

Atuar ao lado dos professores José Roberto dos Santos Bedaque, Flávio Luiz Yarshell, Paula Costa e Silva e Flávio Cheim Jorge, todos notáveis processualistas, foi uma honra inigualável que guardarei para sempre, aos quais dedico o meu oceânico agradecimento com as pupilas do meu coração.

“Onde é que mora a amizade?
Onde é que mora a alegria?
No Largo de São Francisco,
Na velha Academia!”

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