Reflexões Trabalhistas

A motivação da greve pode definir a não abusividade

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26 de abril de 2024, 8h00

Qual seriam os fundamentos para classificar um movimento paredista de abusivo ou ilegal?

Há tempos, ou melhor, depois da Constituição Federal de 1988 e, em especial, após a Lei nº 7783/89, chamada Lei de Greve, o julgamento de greves pelo Judiciário Trabalhista se pautou na classificação do movimento como legal ou ilegal, abusivo ou não abusivo.

Anteriormente à Constituição Federal, a greve era regulada pela Lei nº 4.330, de 1964. Todavia, a deflagração de movimentos de paralisação poderia ser considerada como atividade subversiva, com perseguição pelo regime militar, intervenção em sindicatos, desestimulando os trabalhadores a qualquer iniciativa, cabendo-lhes o silêncio e o inconformismo sufocado.

E assim foi até 1979, quando eclodiram as greves do ABC e, contra este fato, não havia regra que pudesse impedir o fortalecimento das reivindicações, especialmente no campo da reposição salarial em razão do alto índice de inflação.

Com a Constituição em 1988, houve a revogação da antiga lei de greve e, pelo artigo 9º, se assegurou o direito fundamental dos trabalhadores de paralisarem as atividades e de utilizar a greve para defender os interesses que considerassem legítimos.

Lacuna e impasses

Entretanto, a ausência de uma lei que regulamentasse o exercício do direito de greve criou diversos impasses, entre eles o de saber se os dias de greve seriam remunerados pelo empregador e, ainda, como seria colocado fim à greve caso não houvesse acordo entre trabalhadores e empregadores.

Reclamava-se a necessidade de uma lei sobre a regulamentação do exercício do direito de greve. Em outras palavras, a garantia constitucional parecia não ser suficientemente segura para entrar e sair da greve.

A Justiça do Trabalho chegou a extinguir dissídios de greve por entender que não era competente por ausência de lei sobre o assunto. Talvez esse tivesse sido o caminho ideal para que trabalhadores e empregadores dispusessem com responsabilidade as regras para lidar com as paralisações.

Legalidade ou ilegalidade

Com a Lei nº 7.883/89, o que parecia ter sido resolvido permaneceu da mesma forma. A nova lei apenas deu ao Judiciário os caminhos do julgamento, pois podia então aplicar a lei. Na prática, a nova lei tem sido frequentemente descumprida e, nem por isso, a greve deixa de ser considerada um fato jurídico.

Spacca

Ocorre, todavia, que muito embora a lei tenha estabelecido as regras para a deflagração do movimento de greve, como se disse, nem sempre as condições são observadas pelos trabalhadores, resultando que, efetivamente, a greve, como fato social inquestionável, passou a ser julgada com os parâmetros legais para afirmar sua legalidade ou ilegalidade, consoante preenchidos ou não os requisitos da lei.

Contudo, não consideramos adequado atribuir ao movimento grevista a sua ilegalidade ou abusividade, pois há um direito maior e fundamental a ser respeitado que é o direito de greve.

De outro lado, para a greve ser classificada de abusiva dependeria do mal uso do direito pelos trabalhadores, que seria enquadrado no conceito de abuso de direito de acordo com o Código Civil, no artigo 187, carecendo de prova de que o direito tenha sido exercido além dos “limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos costumes”.

Motivação e política

Os fins perseguidos pela paralisação, isto é, sua motivação pode dar ensejo à ilicitude do movimento, mas se o fim perseguido é legítimo, a greve não deve ser considerada abusiva ou, ainda, podem ser abusivos os atos praticados no seu exercício, em especial relativamente a terceiros. Quando se trata de greve de motivação política, o Judiciário, equivocadamente a nosso juízo, tem entendido pela abusividade, porque estaria ausente pretensão de mérito trabalhista ou social.

O site do TST, a propósito do tema, publicou notícia em 19/4/24 com o seguinte título “Greve de rodoviários de Recife é declarada não abusiva por empresas descumprirem acordo”. O fundamento que justificou a deflagração da greve sem respeitar as condições legais da Lei nº 7.783, de 1989 decorreu do fato de que o empregador deixou de cumprir compromisso inserido em acordo coletivo, anteriormente avençado com os trabalhadores representados pelo sindicato. Além disso, determinou a decisão que os dias de paralisação fossem pagos pelo empregador (ROT – 1377-18.2020.5.06.0000 ).

O relator do recurso da Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC), ministro Maurício Godinho Delgado, sustentou o fundamento de seu voto na própria lei que não considera abusiva a greve na vigência de norma coletiva contra o seu não cumprimento pelo empregador, caracterizando-se legítima a resistência dos trabalhadores com direito dos grevistas ao pagamentos dos dias parados.

Como se vê, a abusividade do exercício do direito de greve não tem em conta os aspectos formais da lei para sua deflagração, mas as razões da sua motivação, permitindo ao julgador considerar o fato social, isoladamente dos seus aspectos formais.

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