Darwinismo institucional

Em ecossistema político-criminal, Supremo teve de se adaptar para se defender

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16 de abril de 2024, 14h49

A análise corrente hoje, de que o Supremo Tribunal Federal extrapola suas atribuições e estende seu poder sobre os demais agentes da República, ignora o fato de que a corte precisou se defender de ataques criminosos, em um ambiente político que privilegiava a desestabilização e o caos.

Lenio Streck em painel sobre democracia e populismo na 24ª Conferência da Advocacia

Lenio Streck afirma que o Supremo teve de se defender de ataques criminosos

Esse diagnóstico foi feito pelo advogado e professor Lenio Streck em entrevista exclusiva à revista eletrônica Consultor Juridico. No epicentro de uma onda de ataques, que partiram inclusive da cúpula das Forças Armadas brasileiras, e sem defesa institucional, que deveria ter partido da Procuradoria-Geral da República, o Supremo teve de recorrer ao próprio regimento interno para não ser solapado pelas forças políticas dominantes.

“Em um ecossistema político-criminal, as espécies vão se adaptando, e o Supremo foi ganhando anticorpos para se defender.”

O cenário incluía um tuíte de um general do Exército ameaçando os ministros na véspera de um julgamento, desfile de tanques de guerra pelas ruas da capital do país e o presidente da República chamando um magistrado do STF de canalha durante as comemorações do 7 de Setembro, só para ficar em alguns exemplos.

Raízes na ‘lava jato’

Não é que o Supremo não tenha sua parcela de responsabilidade. Nos primeiros momentos, o tribunal ajudou a turbinar a “lava jato” e o lavajatismo. Segundo a análise de Streck, no embate entre o então ministro Teori Zavascki e o então juiz Sergio Moro, a primeira instância se sobrepôs ao STF.

Em 2016, a corte mudou seu entendimento sobre a presunção de inocência, o que viabilizou a prisão de Lula. “Todos esses elementos foram fortalecendo a ‘lava jato’, esses movimentos anti-Supremo. E, por incrível que pareça, o Supremo, naquele momento, vitaminou a ‘lava jato’.”

Os desdobramentos dessas medidas, depois da eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência, fizeram o Supremo perceber que sua própria existência, para não dizer a das instituições, estava sob ameaça.

Até o teste final das eleições de 2022, e depois o episódio de terrorismo no 8 de janeiro de 2023, a corte foi ganhando cada vez mais protagonismo pelas medidas adotadas em sua própria defesa.

Mesmo o inquérito aberto de ofício era essencial, avalia Streck, diante da inação da PGR, então chefiada por Raquel Dodge.

“O Supremo defende a Constituição, e nisso está pendurada a democracia. Se o Supremo é atacado, não se defende a Constituição, não tem mais Supremo, não tem Constituição, não tem mais democracia.”

Protagonismo involuntário

O protagonismo do Supremo, então, é “uma decorrência de todos esses sucessos e insucessos históricos”, analisa Streck. “Não é uma ideia, não é um planejamento, é simplesmente o produto de uma contingência histórica.”

“Se o Ministério Público, por exemplo, tivesse defendido o Supremo naquele momento, não haveria nada disso. Se tivesse entrado com ações contra as pessoas que estavam na frente dos quartéis, cuidado das rádios que todos os dias incentivavam o golpe, nada disso teria acontecido.”

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