Opinião

A revitalização do hipercentro de grandes metrópoles

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16 de abril de 2024, 17h17

Em meio ao calor de importantes debates econômicos no país, como o encaminhamento da reforma tributária, e das incertezas que ainda a acompanham, a aprovação pela Câmara dos Deputados do novo arcabouço fiscal e a necessidade urgente de uma maior redução da taxa de juros, uma coisa é certa: a importância das cidades na vida das pessoas.

O município é o ente federado com maior capacidade de perceber as necessidades básicas e as carências de seus habitantes e seu papel é, e continuará sendo, decisivo na qualidade de vida e no bem-estar social de sua população.

Nesse contexto, é patente a necessidade da mobilização de esforços, de toda sociedade que habita o município para a revitalização de suas regiões centrais. Tomando o caso de Belo Horizonte como exemplo, conforme informações do Censo 2022, recentemente divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), a população da capital mineira é de 2,316 milhões de pessoas. Isso significa que a cidade possui uma densidade demográfica de 6.988,18 habitante por quilômetro quadrado.

A degradação do hipercentro não se trata de um fenômeno isolado, mas observado de forma generalizada nas mais diversas metrópoles no mundo, podendo até ser compreendida como uma fase de sua evolução. Diversos são os problemas que roubam a vida, a segurança, a prosperidade e a felicidade dos cidadãos que ainda moram, trabalham e transitam pelo hipercentro de grandes capitais. Forma-se um ciclo vicioso que se retroalimenta e sua superação não ocorre como fruto do acaso, mas depende da inteligência, empenho e forte atuação indutora do poder público.

Com o objetivo de promover a revitalização do centro de Belo Horizonte, foi elaborado o Projeto de Lei 551/2023, atualmente em trâmite na Câmara Municipal, que se apresenta como iniciativa fundamental para a regeneração da região.

Baixa disponibilidade

Não se busca reinventar a roda. Assim já se fez, com retumbante êxito, em diversas cidades, servindo como exemplos icônicos as revitalizações levadas a cabo nos centros de Detroit e de Los Angeles. Mas não precisamos ir tão longe. Há casos de sucesso também em nosso país, com tem sido feito nas capitais de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre.

Mediante simplificação de procedimentos burocráticos e de estímulos fiscais e urbanísticos, são estabelecidas novas regras de licenciamento, regularização, modificação e reconversão de edificações no hipercentro, tornando-o mais atrativo ao uso misto e residencial.

Serra do Curral, com Belo Horizonte ao fundo

Em 2021 foi regulamentado na cidade de São Paulo o programa Requalifica Centro [1], que buscou incentivar projetos de retrofit em edificações do centro da metrópole. No mesmo ano, foi aprovado no Rio de Janeiro o programa Reviver Centro [2], que já resultou na aprovação de 1,3 mil novas unidades residenciais somente nos 12 meses após a sua instituição, quantidade esta superior ao montante contabilizado nos dez anos anteriores à publicação da lei [3]. Neste contexto, é importante destacar a baixa disponibilidade de apartamentos novos disponíveis para comercialização em Belo Horizonte.

Conforme dados do Censo do Mercado Imobiliário, divulgado Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), a cidade possui apenas 3.351 imóveis residenciais novos disponíveis para venda, um número muito baixo e distante das  suas necessidades. A análise de dados de outras cidades confirma essa análise: Recife possui 4.131 imóveis a venda, Salvador 6.210, Campinas 5.398, Sorocaba 4.105, Uberlândia 3.653, Curitiba 9.345 e Porto Alegre 7.757.

Comparativo

Para que o projeto que atualmente tramita na Câmara seja tão efetivo quanto outros já implementados em âmbito nacional, deve ser incrementado com incentivos mais robustos que o tornem mais atrativo à iniciativa privada e à sociedade.

No que se refere à seara fiscal, o projeto ainda é extremamente tímido na previsão de incentivos no Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) para as atividades necessárias aos objetivos almejados. Isso porque a redução das alíquotas incidentes sobre a prestação de serviços de importância estratégica para a revitalização, à exemplo do que tem feito o programa Recentro, de Recife [4], se apresentaria como um estímulo adicional para a maior adesão da iniciativa privada ao projeto. Afinal, a revitalização não é algo que se realiza sem a mobilização e toda a sociedade.

Modificações nos incentivos previstos para o IPTU e para o ITBI seriam igualmente necessários. Pela redação do art. 20 do projeto, ficaria isenta do ITBI a aquisição de imóvel destinado à produção de edificação residencial ou mista aprovada com base na referida lei.

Em outras palavras, pretende-se fomentar a aquisição dessas propriedades para que sejam realizados os procedimentos regulamentados na proposta legislativa. No entanto, ampliar a isenção para os primeiros adquirentes após a realização da respectiva construção/intervenção, significaria incentivar, também, os atuais proprietários dos imóveis a aderir às pretensões urbanísticas.

Em relação ao IPTU, por sua vez, são enormes as possibilidades de incentivo e indução. De forma muito “canguinha” a proposta vigente prevê a isenção do imposto sobre o imóvel somente quando este ainda estiver em construção. Tamanha limitação anda na contramão dos casos de referência e sucesso.

Em São Paulo e Rio, ao revés, fizeram questão de incluir na norma a remissão dos créditos já constituídos do tributo. Isso mesmo, o perdão das dívidas tributárias que oneram propriedades já degradadas pelo tempo, sem potencial de geração de renda e assolada em dívidas fiscais que inviabilizam investimentos.

De igual modo, reduzir a alíquota nos anos subsequentes à conclusão dos projetos, como têm feito as outras capitais, recompensa o proprietário pelos gravames e desafios que normalmente surgirão com a realização das obras de retrofit e demais modalidades de revitalização.

Conclusão

Ao final, promover a expansão de tais incentivos é viabilizar a real adesão da população ao programa, de forma a evitar que tal proposta, ainda que bem-intencionada, venha a se tornar mais uma lei não aplicada e sem eficácia.

Sem dúvidas, quanto maiores forem os incentivos, maiores tendem a ser o engajamento e a adesão da iniciativa privada e da coletividade, e melhores serão os resultados. Incentivos pífios, por outro lado, tendem transformar o programa em mera retórica, declaração de boas intenções que não se efetivam em ações que transformam a realidade. A opção é clara. Cabem aos legisladores e dirigentes atuarem com sabedoria e fé na indução dos comportamentos necessários à transformação necessária e desejada.

 


Referências

ALVES, Raoni. Projeto para revitalizar o Centro do Rio completa 1 ano com 1,3 mil novas unidades residenciais. Portal G1, Rio de Janeiro, 09 de julho de 2021. Disponível em: https://tecnoblog.net/r.esponde/referencia-site-abnt-artigos/. Acesso em 30 de junho de 2023.

RECIFE (PE). Lei Nº 18.869, de 09 de dezembro de 2021. Institui o Recentro: Plano de incentivos fiscais para atividades econômicas, moradias para fins de interesse social, construções ou intervenções destinadas à recuperação, renovação, reparo ou manutenção de imóveis situados no sítio histórico dos Bairros do Recife, Santo Antônio e São José nas condições especificadas, e dá outras providências. Recife, 2021. Disponível em: https://desenvolvimentoeconomico.recife.pe.gov.br/sites/default/files/2022-09/Lei%20Ordin%C3%A1ria%2018869%202021%20de%20Recife%20PE%20-%20Incentivos%20Recentro.pdf. Acesso em: 05 de julho de 2023.

RIO DE JANEIRO (RJ). Lei Nº 6.999, de 14 de julho de 2021. Concede benefícios fiscais de isenção ou suspensão de IPTU, ISS E ITBI para obras e edificações enquadradas no Programa Reviver Centro de requalificação da região central da Cidade. Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: <http://www2.rio.rj.gov.br/smu/buscafacil/Arquivos/PDF/L6999M.PDF>. Acesso em: 02 de julho de 2023.

SÃO PAULO (SP). Lei Nº 17.577, de 20 de julho de 202. Dispõe sobre o Programa Requalifica Centro, estabelecendo incentivos e o regime específico para a requalificação de edificações situadas na Área Central, e dá outras providências. São Paulo, 2021. Disponível em: <https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-17577-de-20-de-julho-de-2021/consolidado>. Acesso em 02/07/2023.

[1] SÃO PAULO (SP). Lei Nº 17.577, de 20 de julho de 2021. Dispõe sobre o Programa Requalifica Centro, estabelecendo incentivos e o regime específico para a requalificação de edificações situadas na Área Central, e dá outras providências. São Paulo, 2021. Disponível em: <https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-17577-de-20-de-julho-de-2021/consolidado>. Acesso em 02/07/2023.

[2] RIO DE JANEIRO (RJ). Lei Nº 6.999, de 14 de julho de 2021. Concede benefícios fiscais de isenção ou suspensão de IPTU, ISS E ITBI para obras e edificações enquadradas no Programa Reviver Centro de requalificação da região central da Cidade. Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: <http://www2.rio.rj.gov.br/smu/buscafacil/Arquivos/PDF/L6999M.PDF>. Acesso em: 02 de julho de 2023.

[3] ALVES, Raoni. Projeto para revitalizar o Centro do Rio completa 1 ano com 1,3 mil novas unidades residenciais. Portal G1, Rio de Janeiro, 09 de julho de 2021. Disponível em: https://tecnoblog.net/responde/referencia-site-abnt-artigos/. Acesso em 30 de junho de 2023.

[4] RECIFE (PE). Lei Nº 18.869, de 09 de dezembro de 2021. Institui o Recentro: Plano de incentivos fiscais para atividades econômicas, moradias para fins de interesse social, construções ou intervenções destinadas à recuperação, renovação, reparo ou manutenção de imóveis situados no sítio histórico dos bairros do Recife, Santo Antônio e São José nas condições especificadas, e dá outras providências. Recife, 2021. Disponível em: https://desenvolvimentoeconomico.recife.pe.gov.br/sites/default/files/2022-09/Lei%20Ordin%C3%A1ria%2018869%202021%20de%20Recife%20PE%20-%20Incentivos%20Recentro.pdf. Acesso em: 05 de julho de 2023.

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