Opiniâo

Leis municipais, retrofit e reabilitação dos centros históricos

Autor

  • Daniel Borges

    é doutor e mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) com estudos pós-doutorais pela Mediterranea International Centre for Human Rights Research (MICHR) professor universitário e advogado do escritório Rusch Advogados.

11 de dezembro de 2023, 18h26

Em um artigo anterior [1], abordamos a aplicação do conceito de desenvolvimento sustentável ao meio ambiente cultural material. Naquela ocasião, indicamos que o termo é abrangente, e envolve técnicas de conservação, proteção à natureza, geração de impactos econômicos positivos e desenvolvimento econômico.

Diversas iniciativas implementadas pelos municípios visam promover a sustentabilidade cultural do patrimônio edificado, especialmente ao lidarem com a reabilitação de áreas degradadas, notadamente os centros históricos.

Centro histórico de Ouro Preto (MG)

O retrofit, também denominado reconversão, destaca-se dentre as técnicas que podem ser utilizadas para reabilitar essas áreas, pois proporciona a restauração de imóveis antigos, adaptando-os para atender às demandas contemporâneas do mercado imobiliário, possibilitando o investimento para usos tanto comerciais quanto habitacionais.

Ao conferir novas funções à edifícios antigos, existe uma grande economia de insumos, pois há o reaproveitamento dos recursos já utilizados anteriormente na construção da edificação.

Surge, ainda, a oportunidade para introduzir equipamentos de segurança e acessibilidade nesses prédios, além de introduzir novas tecnologias benéficas ao meio ambiente natural, como, por exemplo, o reaproveitamento de água da chuva e o uso de energia solar.

Os benefícios não se limitam às construções individualmente consideradas, há ainda ganhos no aspecto urbanístico. As intervenções propiciam um melhor aproveitamento dos equipamentos urbanos já instalados nos centros, como, por exemplo, a infraestrutura de transporte e de fornecimento de água e de energia elétrica.

O modelo tradicional de oferta de novas áreas edificáveis nas cidades acarreta diversos impactos negativos, os quais podem ser mitigados através do incentivo à ocupação dos centros históricos. Além do impacto ambiental, a expansão territorial urbana onera demasiadamente o erário, pois diversos equipamentos precisam ser instalados nessas novas áreas, sendo que os centros já contam com essa infraestrutura.

Portanto, o retrofit é uma técnica que pode contribuir com a sustentabilidade do patrimônio cultural material, pois permite o uso mais eficiente dos imóveis e da infraestrutura localizados nos centros urbanos.

Nesse sentido, muitos municípios têm concedido benefícios fiscais para aqueles que adquirem e reformam imóveis nos centros históricos, buscando tornar essas áreas atrativas para investimentos privados, pois o poder público não possui recursos para arcar com todos os custos envolvidos na reabilitação dessas áreas.

Através da lei municipal nº 9.767/2023, o município de Salvador lançou o “Renova Centro”, que é um programa de incentivo a empreendimentos e moradias, através, por exemplo, da concessão de isenção do ITIV, e de IPTU pelo adquirente de imóvel edificado no âmbito do programa por um prazo de 10 anos contados da aquisição do imóvel [2].

Adicionalmente, através do Decreto nº 36.870/23, foi criado o Distrito Cultural do Centro Histórico e Comércio de Salvador, que busca a centralização, organização e governança dos serviços públicos na região.

No caso do município de São Paulo, foi publicada a lei 17.577/2021 [3], que ficou conhecida como “Lei do Retrofit”. Tal norma, que foi regulamentada pelo Decreto nº 61.311/2022 [4], faz parte do “Programa Municipal Requalifica Centro” [5]. Esse programa estabelece incentivos à prática do retrofit, como a remissão dos créditos de IPTU, redução para 2% da alíquota de ISS para os serviços relativos à obra de requalificação, Isenção de ITBI aos imóveis objetos de requalificação e Isenção de taxas municipais para instalação e funcionamento por cinco anos.

Em Recife, a lei municipal nº 18.869/21 [6], regulamentada pelo Decreto nº 35.876/22 [7], instituiu o “Recentro” [8], que é um plano de incentivos fiscais para fomentar as obras destinadas à recuperação, renovação, reparo ou manutenção de imóveis localizados nos sítios históricos do município.

Dentre os incentivos fiscais concedidos pela legislação do município pernambucano, destaca-se a isenção de até 100% do IPTU, restituição do ITBI, redução da alíquota do ISS para prestação de serviços de construção, recuperação, renovação, reparo ou manutenção de imóveis nas áreas selecionadas [9].

No Rio de Janeiro, destaca-se o programa “Reviver Centro”, que estabelece diretrizes para a requalificação urbana da área central do município através de incentivos ao retrofit e conservação das edificações existentes, aproveitando-as para a produção de unidades residenciais (artigo 1º da Lei Complementar nº 229/21).

Portanto, os municípios têm reconhecido o retrofit como uma alternativa viável para reabilitar seus centros históricos, tanto é que têm concedido isenções e benefícios fiscais para os empreendedores interessados em investir nessas regiões. O uso dessa técnica, aliada aos benefícios fiscais apontados anteriormente, podem servir como um importante estímulo para o investimento e aprimoramento do uso dessas áreas, contribuindo assim para a preservação do patrimônio cultural brasileiro.


[1] https://www.conjur.com.br/2023-ago-05/daniel-borges-desenvolvimento-sustentavel-patrimonio/

[2] A prefeitura municipal anunciou, inclusive, que tem buscado parcerias para utilizar os edifícios do centro histórico para programas de habitação popular, como o “Minha Casa, Minha Vida”. Disponível em: < https://www.correio24horas.com.br/minha-bahia/projeto-quer-gerar-800-habitacoes-no-centro-0723>. Acesso em 07 dez. 2023.

[3] https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-17577-de-20-de-julho-de-2021

[4] https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-61311-de-20-de-maio-de-2022

[5] https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/licenciamento/desenvolvimento_urbano/sp_urbanismo/index.php?p=325219

[6] https://www2.recife.pe.gov.br/sites/default/files/lei_municipal_no_18.869-2021_recentro_consolidado_sem_anexo_unico.pdf

[7] https://www2.recife.pe.gov.br/sites/default/files/decreto_municipal_no_35.876-2022_recentro_regulamentacao.pdf

[8] https://www2.recife.pe.gov.br/pagina/gabinete-do-centro-do-recife-recentro[9] https://www2.recife.pe.gov.br/sites/default/files/incentivos_fiscais_do_recentro_-_outubro_2022.pdf

Autores

  • é doutor e mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) com estudos pós-doutorais pela Mediterranea International Centre for Human Rights Research (MICHR), professor universitário e advogado do escritório Rusch Advogados.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!