Opinião

Que venha a nova reclamação pré-processual na Justiça do Trabalho

Autor

  • Rogerio Neiva Pinheiro

    é juiz do Trabalho da 10ª Região foi juiz auxiliar da Vice-Presidência do TST nas gestões 2016/2018 e 2018/2020 e juiz auxiliar da Presidência do CSJT na gestão 2020/2022. Autor do livro “Técnicas e Estratégias de Negociação Trabalhista" mestre e doutor em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília.

5 de abril de 2024, 10h19

O Conselho Superior da Justiça do Trabalho aprovou na sua última sessão, em 22 de março, no âmbito do procedimento de Ato Normativo CSJT-AN-801-46.2024.5.90.0000, a Resolução CSJT 377/2024, que disciplina as reclamações pré-processuais no âmbito da Justiça do Trabalho. Com isso, não apenas avança o conceito de Fórum Multiportas na Justiça do Trabalho, como também se consolida mais uma porta [1].

A reclamação pré-Processual foi originalmente admitida na Justiça do Trabalho para conflitos coletivos da competência originária do Tribunal Superior do Trabalho, em 2016, por meio do Ato nº 168/TST.GP, de 4 de abril de 2016.

Posteriormente passou a ser prevista na Resolução 174/2016, do CSJT, que instituiu o presente mecanismo para os Tribunais Regionais do Trabalho, mas também limitada aos conflitos coletivos, e até então com a denominação de “Pedido de Mediação Pré-Processual — PMPP” [2].

Como juiz auxiliar da vice-presidência do TST na ocasião, tive a felicidade de participar da construção inicial do referido mecanismo, bem como das mencionadas normas, apresentando a proposta aos dirigentes da época, e tendo tido como fonte de inspiração e fundamento a experiência exitosa da Justiça Estadual, principalmente quanto aos conflitos de família.

Mediação pré-processual

O êxito decorrente da utilização da então “Mediação Pré-Processual” para a solução dos conflitos coletivos abriu caminho para a sua admissão quanto aos conflitos individuais, o que ocorreu em 2021, por meio da Resolução 288/2021, também do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Porém, tal norma não contava com disciplina mais detalhada.

Spacca

E o fato é que até o momento os dados estatísticos mostram que a presente via tem sido pouco utilizada, possivelmente pela falta de conhecimento por parte dos profissionais da advocacia, mas também pela carência de disciplina e padronização procedimental.

Com a recente regulamentação, que inclusive permite a superação de dificuldades operacionais internas, como por exemplo a sistemática de distribuição e tratamento processual no caso do acordo fechado, a expectativa é de que o mecanismo seja mais utilizado.

A reclamação pré-processual permite que o Poder Judiciário seja demandado a solucionar um conflito exclusivamente pela via do consenso, e sem a necessidade do exercício do tradicional direito de ação. Portanto, na forma proposta por Kazuo Watanabe, trata-se de um serviço de Justiça Consensual oferecido pelo Sistema de Justiça [3].

Antes mesmo da aprovação da nova Resolução CSJT 377/2024, a reclamação pré-processual já se encontrava habilitada no PJe na Justiça do Trabalho, correspondendo à classe processual “Reclamação Pré-processual (11.875)”.

Dentre as inovações estabelecidas na referida norma, numa perspectiva prática, merece destaque o seguinte:

I – Quanto à estrutura e requisitos da petição inicial:

– é dispensada a observância dos requisitos típicos da petição inicial da reclamação trabalhista, previstos no art. 840, da CLT (art. 3º, § 1º);

– deve ser adotada a nomenclatura “RECLAMAÇÃO PRÉ-PROCESSUAL, COM PEDIDO DE MEDIAÇÃO PRÉ-PROCESSUAL” (art. 3º, caput);

– deve ser apresentada a qualificação das partes e a descrição da relação objeto do pedido de mediação (art. 3º, caput);

– deve ser apresentada a afirmação de ausência de consenso até o momento (da apresentação do pedido), vez que a referida condição (ausência de consenso) consiste em típico requisito negativo (art. 6º);

– o pedido final deve ser de encaminhamento ao CEJUSC-JT, para a designação de audiência (art. 5º);

II- Quanto aos aspectos procedimentais:

– a distribuição é feita para uma das Varas do Trabalho com competência territorial para apreciar eventual reclamação trabalhista (art. 2º);

– a Vara promove o encaminhamento ao CEJUSC-JT, no qual é designada e realizada a audiência (art. 5º);

– caso o magistrado da Vara para a qual é distribuída a RPP se recuse a encaminhar ao CEJUSC-JT, cabe avocação por parte da Corregedoria Regional, para posterior encaminhamento ao CEJUSC-JT (art. 5º, parágrafo único);

– realizada a audiência, não havendo acordo ocorre o arquivamento do procedimento, sendo que no caso de acordo promove-se a conversão do feito em Homologação de Acordo Extrajudicial – HTE (art. 15), para que seja proferida sentença homologatória, na forma do art. 855-D da CLT, tal como ocorre nos casos ordinários de pedidos de Homologação de Acordo Extrajudicial. Logo, o resultado do acordo assume a natureza de título executivo judicial, sendo a competência para execução da Vara para o qual foi distribuída a RPP.

Além dos aspectos procedimentais pontuados, a RPP dispensa o recolhimento de custas, mesmo para aqueles que não são beneficiários da justiça gratuita (artigo 14).

Outro ponto que merece atenção e alerta é que, diferente do que ocorre com os acordos extrajudiciais (artigo 855-E da CLT), não há no caso da RPP a suspensão da prescrição.

Ainda em termos comparativos com os acordos extrajudiciais, destacam-se os seguintes aspectos:

– enquanto no Acordo Extrajudicial é preciso que o consenso já esteja estabelecido, na Reclamação Pré-Processual o acordo será firmado dentro do Judiciário e com o auxílio do Judiciário, por meio dos conciliadores sob a supervisão de magistrados;

– como na Reclamação Pré-Processual o acordo é fechado sob a supervisão do magistrado que irá apreciar a homologação, os problemas que surgem como óbices para a homologação nos pedidos de Homologação de Acordos Extrajudiciais podem ser antecipados e discutidos, além do potencial de haver maior segurança por parte do magistrado, por ter acompanhado as tratativas;

– no caso do Pedido de Homologação de Acordo Extrajudicial o art. 855-B da CLT exige que as partes estejam assistidas por distintos advogados, enquanto na Reclamação Pré-Processual há dispensa da a participação de advogados, inclusive devendo os Tribunais assegurarem serviços de atermação (art. 3º, § 2º).

O tema da dispensa de participação de advogados pode suscitar debates, considerando a conversão em HTE. Ou seja, se o artigo 855-B da CLT exige que no referido procedimento ocorra a participação de advogados, faria sentido considerar que havendo a conversão da RPP em HTE também assim deveria ocorrer.

Porém, independente do debate que se possa travar sobre o tema, o fundamental é que os profissionais da advocacia percebam na RPP mais uma porta do Sistema de Justiça a ser considerada. E com isso, a utilizem como um meio de solução de problemas e demandas de seus constituintes de forma eficiente, contribuindo com a pacificação social.

Clique aqui para ler a resolução

Clique  aqui para ler o modelo de petição

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[1]  Fórum multiportas trabalhista e PL nº 4.894/2019 (19 de setembro de 2023) [https://www.conjur.com.br/2023-set-19/rogerio-neiva-forum-multiportas-trabalhista-pl-48942019/].

[2] 6 anos de avanços da resolução adequada de disputas na Justiça do Trabalho (23 de setembro de 2022) [https://www.conjur.com.br/2022-set-23/rogerio-neiva-resolucao-adequada-disputas-justica-trabalho/]

[3] WATANABE, Kazuo. Acesso à ordem jurídica justa: conceito atualizado de acesso à justiça, processos coletivos e outros estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2019, p. 88.

Autores

  • é juiz do Trabalho, autor do livro “Técnicas e Estratégias de Negociação Trabalhista” (4ª edição), Mestre e Doutor em Ciências do Comportamento (UnB), foi juiz auxiliar da Vice-Presidência do TST, integrou a Comissão Nacional de Promoção à Conciliação do CSJT e o Comitê Gestor da Conciliação do Conselho Nacional de Justiça.

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