Prática Trabalhista

Protesto interruptivo: marco inicial da contagem do prazo prescricional

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

4 de abril de 2024, 10h17

Indubitavelmente, um assunto que sempre desperta muita atenção, principalmente para a advocacia, é a questão envolvendo a contagem de prazos, assim como o instituto da prescrição que lhe é correlata.

Dito isso, sabe-se que uma vez violado o direito nasce para a parte a pretensão de exigi-lo, de modo que tal exercício se derroga pela prescrição. Logo, questiona-se: o prazo prescricional pode ser interrompido? Em quais situações isso acontece? E, ainda, qual é o entendimento da Corte Superior Trabalhista sobre a matéria, inclusive após o advento da Lei nº 13.467/2017?

Por certo, em razão das diversas dúvidas em torno de tal problemática, este tema foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista eletrônica Consultor Jurídico [1], razão pela qual agradecemos o contato.

Legislação brasileira

Do ponto de vista normativo brasileiro, de um lado o artigo 189 do Código Civil [2] dispõe que “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição”. Lado outro, o artigo 11 da Consolidação das Leis do Trabalho [3], preceitua que os trabalhadores poderão pleitear os seus direitos pelos últimos cinco anos de contrato de trabalho, desde que isso seja feito em até dois anos, após o encerramento do pacto laboral.

Lição de especialista

É certo que o Código Civil, em seu artigo 202 [4], preceitua que o prazo prescricional poderá ser interrompido uma única vez, sendo oportunos nesse sentido os ensinamentos de Carlos Henrique Bezerra Leite [5]:

Spacca

“Quanto à interrupção da prescrição, que só poderá ocorrer uma única vez, dispõe o art. 202 do CC que ela poderá acontecer: por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; por protesto, nas condições do inciso antecedente; por protesto cambial; pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou concurso de credores; por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito do devedor.

 

Além disso, a nova lei civil estabeleceu alguns regramentos a respeito da interrupção da prescrição: a) a prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper (CC, art. 202, parágrafo único)”.

Entendimento jurisprudencial no TST

De acordo com o entendimento sedimentado na OJ 392 da SBDI-1 do TST [6], o protesto judicial é aplicável ao processo do trabalho de modo a interromper o prazo o prazo prescricional. Nesse diapasão, pode-se dizer que o protesto judicial interrompe tanto a prescrição bienal quanto a quinquenal e, ainda, ter-se-á o prazo renovado após o último ato processual, visto que, se outro for o entendimento, por certo o efeito interruptivo seria inócuo.

Sob tal perspectiva, o Tribunal Superior do Trabalho já foi provocado a decidir quanto ao marco inicial para o reinício da contagem da prescrição bienal, de modo o julgado caminhou no sentido de que este prazo é reiniciado da data do último ato processual nos autos do protesto judicial [7].

Em seu voto, a ministra relatora ponderou:

“No caso, o TRT afastou a interrupção da prescrição relativa ao pedido de horas extras, sob o fundamento de que a presente ação foi ajuizada em 17/10/2017, mais de dois anos do aforamento do protesto judicial, em 18/11/2014, e também mais de dois anos do último ato praticado nos autos do protesto, estando datada de 12/02/2015 a entrega definitiva dos autos ao interessado. A jurisprudência desta Corte entende que o marco inicial para o reinício da contagem da prescrição bienal é a data do último ato processual praticado nos autos do protesto judicial, conforme a parte final do art. 202, parágrafo único, do CC”.

De mais a mais, importante relembrar que o instituto da prescrição extintiva consiste na perda da pretensão decorrente da violação de um direito subjetivo pela inércia do seu titular em promover a ação durante determinado espaço de tempo nas hipóteses previstas em lei, ou seja, é a perda da exigibilidade do direito pelo decurso de tempo.

Spacca

Nesse diapasão, pela decisão ora acima transcrita da Corte Superior Trabalhista, o marco inicial para o reinício do cômputo do biênio prescricional é a data do último ato processual praticado na primeira ação, no caso em concreto analisado, do protesto judicial, em estrita observância ao que dispõe a parte final do artigo 202, parágrafo único, do Código Civil, consoante o qual a prescrição interrompida recomeça a correr da data do último ato do processo para a interromper.

Lei da Reforma Trabalhista

Entrementes, impende destacar que a Lei 13.467/2017 inseriu o §3º ao artigo 11 da CLT, sendo que o referido dispositivo normativo passou a estabelecer o seguinte: “A interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista, mesmo que em juízo incompetente, ainda que venha a ser extinta sem resolução do mérito, produzindo efeitos apenas em relação aos pedidos idênticos”.

Sob esta ótica, chegou-se a discutir na época se tal modificação legislativa iria modificar o entendimento da Orientação Jurisprudencial nº 392 da SBDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho, uma vez que a lei reformista fala que somente com o ajuizamento da reclamação trabalhista é que se iria interromper a prescrição. E, no ponto, a Corte Superior Trabalhista já se manifestou pela interpretação sistemática e teleológica das normas[8].

Em seu voto, o ministro relator destacou:

“Registre-se que, apesar de o referido parágrafo estabelecer que ‘a interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista’, deve-se interpretar que o termo ‘reclamação trabalhista’ abrange toda ação tendente a postular o cumprimento ou preservação de direitos, envolvendo empregado e empregador. No mesmo norte, a doutrina defende que a citada expressão deve ser interpretada de maneira sistemática e teleológica, de modo a ser entendida de forma ampla e em harmonia com o artigo 202 do Código Civil”.

Aliás, quando da realização da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho e do XIX Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, promovido pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) [9], foi aprovado o Enunciado nº 11 que assim dispõe:

“11. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO Interrupção da prescrição. Integração. Sendo a prescrição regulada pelo Código Civil, aplicam-se ao Direito do Trabalho as hipóteses de interrupção da prescrição previstas no art. 202 do Código Civil, nos termos do art. 8º da CLT. Assim, é possível a interrupção da prescrição fora da hipótese prevista no § 3º do art. 11 da CLT”.

Conclusão

Em final, pode-se dizer que o ajuizamento do protesto judicial tem por finalidade a preservação no tempo do direito do trabalhador para pleitear os seus créditos decorrentes da relação de emprego, cujo procedimento além de ser válido e aplicável ao processo do trabalho. Portanto, verifica-se que o protesto interruptivo pode ser utilizado como uma estratégia para definir o início do prazo prescricional, porquanto a prescrição bienal interrompida é reiniciada a partir do trânsito em julgado da decisão proferida no protesto.

 


[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela Coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

[3] A pretensão quanto a créditos resultantes das relações de trabalho prescreve em cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.

[4] Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á: I – por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; II – por protesto, nas condições do inciso antecedente; III – por protesto cambial; IV – pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores; V – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; VI – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.

[5] Curso de Direito do Trabalho – Carlos Henrique Bezerra Leite – 14. Ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022 – página 820.

[6] PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. AJUIZAMENTO DE PROTESTO JUDICIAL. MARCO INICIAL. O protesto judicial é medida aplicável no processo do trabalho, por força do art. 769 da CLT e do art. 15 do CPC de 2015. O ajuizamento da ação, por si só, interrompe o prazo prescricional, em razão da inaplicabilidade do § 2º doart. 240 do CPC de 2015 (§ 2º do art. 219 do CPC de 1973), incompatível com o disposto no art. 841 da CLT.

[7] Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=1465&digitoTst=25&anoTst=2017&orgaoTst=5&tribunalTst=09&varaTst=0664&submit=Consultar. Acesso em 3.4.2024.

[8] Disponível em https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=10935&digitoTst=78&anoTst=2019&orgaoTst=5&tribunalTst=03&varaTst=0017. Acesso em 3.4.2024.

[9] Disponível em https://www.anamatra.org.br/attachments/article/27175/livreto_RT_Jornada_19_Conamat_site.pdf. Acesso em 3.4.2024.

Autores

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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