Opinião

Regimento interno de tribunais ou estatuto da advocacia: quem deve prevalecer?

Autores

  • Maykon Fagundes Machado

    é advogado professor no curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Ciência Jurídica (Univali) especialista em Jurisdição Federal (Esmafesc) e em Direito Ambiental pela Faculdade Cers vice-presidente da Comissão de Direito Público do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc) vice-presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB Subseção de Itajaí-SC e membro da Comissão de Desenvolvimento e Infraestrutura da OAB/SC.

  • Rafael Piva Neves

    é advogado pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera (Uniderp) formação complementar em Processo Legislativo Federal pelo Instituto Legislativo Brasileiro (ILB) em Controles na Administração Pública pelo Instituto Serzedello Corrêa/Tribunal de Contas da União (ISC/TCU) em Gestão e Fiscalização de Contratos Administrativos pela Escola Nacional da Administração Pública (Enap) diretor jurídico da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig) conselheiro titular e coordenador de Relacionamento Institucional com o Parlamento Estadual e Federal da OAB/SC e secretário-adjunto da Comissão Nacional de Legislação do CFOAB.

29 de novembro de 2023, 6h37

Novamente, o Brasil e a advocacia brasileira se deparam com um choque de interpretações de normas fundamentais ao bom funcionamento da Justiça, que esses autores particularmente entendem ser muito simples de se resolver, desde que observada a literalidade da Constituição e faça-se uso de uma hermenêutica pró-cidadania no conflito de normas existente.

Trata-se da recente polêmica sobre o que se deve prevalecer: regimento interno de tribunais ou a Lei nº 8.906/94 — O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), uma Lei Federal!

Esses mesmos autores, em outra oportunidade, destacaram aqui neste portal sobre o devido respeito ao Estatuto da Advocacia que se deve ter, notadamente quando em situação peculiar na CPI do 8 de Janeiro de 2023, um advogado fora impedido de se manifestar. O argumento? O presidente da CPMI dissera: “entre o estatuto e o Regimento da Casa, eu fico com o último!”, destacou.

Nos parece que o desrespeito ao Estatuto da Advocacia se instalara novamente com uma roupagem não tão diferente nessa oportunidade, quando da notícia de que advogados vêm sendo tolhidos do seu direito de sustentação oral no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Supremo Tribunal Federal (STF).

Imperioso destacar que embora de fato, os regimento internos dos tribunais possuam força de lei em sentido material, essa se deve exclusivamente a tutelar competência e o bom funcionamento do respectivo órgão jurisdicional, precipuamente no que tange à sua função administrativa e jurídico-administrativa.

Ademais, é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), nos autos da ADI 1.105, de relatoria do ministro Paulo Brossard (2001):

[…] A prevalência de uma ou de outro depende de matéria regulada, pois são normas de igual categoria. Em matéria processual prevalece a lei, no que tange ao funcionamento dos tribunais o regimento interno prepondera. Constituição, art. 5º, LIV e LV, e 96, I, a. Relevância jurídica da questão: precedente do STF e resolução do Senado Federal. Razoabilidade da suspensão cautelar de norma que alterou a ordem dos julgamentos, que é deferida até o julgamento da ação direta. [ADI 1.105 MC, Rel. Min. Paulo Brossard, j. 3-8-1994, P, DJ de 27-4-2001.]

Nesse ínterim, cumpre destacar que o Estatuto da Advocacia não se trata de norma geral, onde então o regimento interno faz as vezes de lei especial e a regulamenta, nem ainda se deve cogitar pensar que o artigo 131 do RISTF deve ter prevalência sob a nova redação recém incluída pela Lei nº 14.365/2022, onde permite a sustentação oral em agravo, operando-se, por conseguinte, a Lex posterior derogat legi priori.

A compreensão é claríssima, a matéria regulada trata-se de norma processual civil, não devendo regimento interno alterar o que não lhe cabe por natureza, respeitando-se assim o Código de Processo Civil e a alteração em caráter de norma especial, da Lei de nº 14.365, de 2 de junho de 2022, essa que alterou tanto o Estatuto da Advocacia, bem como o CPC/2015, que assim versa:

[…] Art. 7º: § 2º-B. Poderá o advogado realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações:

I – recurso de apelação;

II – recurso ordinário;

III – recurso especial;

IV – recurso extraordinário;

V – embargos de divergência;

VI – ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária.

Nesse contexto, atuando em defesa da advocacia e da sociedade civil, o CFOAB e o Colégio de Presidentes de Seccionais da OAB, que representam mais de 1,3 milhão advogados espalhados por todo o País, destacaram [1]:

“A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) busca, por meio de ações e do diálogo, o fim das violações de direitos dos cidadãos representados pela advocacia. Inúmeras foram as conquistas legislativas alcançadas pela atual gestão da OAB Nacional, inclusive quanto à necessidade de sustentação oral. Infelizmente, as prerrogativas não têm sido adequadamente respeitadas, ocasionando a violação da ampla defesa em diversos casos com a supressão das manifestações verbais do profissional da advocacia.

A proteção da Constituição e da democracia deve ser feita por todos e de forma permanente, o que pressupõe a observação do devido processo legal. O regimento interno de um tribunal não vale mais do que a Constituição e as leis. […]

Sobre o tema, interessante destacar que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) desde sempre segue na vanguarda no respeito à advocacia e reconhece a atualização mencionada do Estatuto da Advocacia, desde meados de junho de 2022, regra essa amplamente respeitada na Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI2), do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Ademais, se o regimento interno do tribunal está desatualizado quanto a essa previsão, cabe a respectiva atualização. Foi isto o que fez na oportunidade o presidente do TST, ministro Emmanoel Pereira, pontuando inclusive que “a Lei está acima do Regimento e cumprir o que está na lei é a nossa obrigação”, destacou [2]. Parabéns ao Tribunal Superior do Trabalho!

Por fim, espera-se que a normalidade possa ressurgir no Brasil no âmbito do respeito às prerrogativas do(a) advogado(a) em todos os tribunais e cortes superiores do país; esse profissional que somente pede pelo seu patrocinado e espera respeito, dignidade e valorização à sua função, essencial à Justiça!

Pede e espera deferimento.


[1]REDAÇÃO. OAB defende direito à sustentação oral. OAB NACIONAL. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/61678/oab-defende-direito-a-sustentacao-oral. Acesso em: 26 nov. 2023.

[2]REDAÇÃO. TST garante prerrogativa dos advogados prevista em lei para sustentação oral em agravos. OAB NACIONAL. Disponível em: https://www.oab.org.br/noticia/60008/tst-garante-prerrogativa-dos-advogados-prevista-em-lei-para-sustentacao-oral-em-agravos. Acesso em: 26 nov. 2023.

Autores

  • é advogado, professor no curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), mestre em Ciência Jurídica (Univali), especialista em Jurisdição Federal (Esmafesc) e em Direito Ambiental pela Faculdade Cers, vice-presidente da Comissão de Direito Público do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc), presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB Subseção de Itajaí-SC e membro da Comissão de Desenvolvimento e Infraestrutura da OAB/SC.

  • é advogado, pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera (Uniderp), formação complementar em Processo Legislativo Federal pelo Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), em Controles na Administração Pública pelo Instituto Serzedello Corrêa/Tribunal de Contas da União (ISC/TCU), em Gestão e Fiscalização de Contratos Administrativos pela Escola Nacional da Administração Pública (Enap), diretor jurídico da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), conselheiro titular e coordenador de Relacionamento Institucional com o Parlamento Estadual e Federal da OAB/SC e secretário-adjunto da Comissão Nacional de Legislação do CFOAB.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!