Opinião

A confusão do Difal no Judiciário

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24 de novembro de 2023, 15h23

Já são inúmeras as decisões judiciais sobre o Difal, sejam aquelas proferidas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) ou pelos tribunais estaduais. Entretanto, há duas exações específicas que têm recebido este mesmo nome, o que tem causado certa confusão entre aqueles que analisam as demandas. A título de exemplo, cita-se a Súmula 78 do Tribunal de Justiça de Goiás, que dispõe:

SÚMULA Nº 78 – Não há se falar em incidência do princípio da anterioridade anual, no que concerne à nova sistemática imposta pela LC 190/22, referente ao DIFAL, porquanto não cria ou aumenta tributo, inexistindo qualquer irregularidade em relação ao Decreto Estadual 9.104/17, que apenas regulamentou a matéria, nos termos da LC 123/2006, conforme autorização do artigo 99 do Código Tributário Nacional. Não se aplica o Tema 456 do STF na hipótese em que não há antecipação da cobrança da futura venda da mercadoria, pois o art. 4º, incisos I a III, do mencionado decreto, disciplina claramente que o ICMS-DIFAL (Simples Nacional) deve ser apurado a cada operação, ou seja, somente se pagará o tributo no mês subsequente se efetuada a operação no mês anterior.

Veja que o enunciado trata de ambas as exações, sem diferenciá-las. Entretanto, hodiernamente, são impostos dois tipos de tributo chamados de Difal (diferencial de alíquota do ICMS):

(i) Um que incide sobre bens destinados ao ativo imobilizado ou para uso e consumo (ou seja, quando a empresa considerada consumidora final). Isto com base na determinação contida no artigo 155, §2º, VII da Constituição. Neste caso, o imposto devido pela empresa será acrescido à sua apuração do ICMS.

Em relação a esta cobrança, o STF apreciou sua constitucionalidade no Tema 1.093, tendo fixado tese segundo a qual é necessária a edição de lei complementar para a realização de tal cobrança [1]. Como esta lei não existia em 24/2/2021, quando foi realizado o julgamento, houve modulação dos efeitos da decisão [2], tendo o STF decidido que a inconstitucionalidade reconhecida apenas seria válida a partir de 2022. Isto significou que a necessária lei complementar nacional para amparar tal cobrança pelos estados deveria ter eficácia jurídica a partir de 1/1/2022, a fim de possibilitar a cobrança.

Entretanto, a Lei Complementar nº 190, a qual visava satisfazer a exigência, apenas foi publicada em 05/01/2022. E, considerando o princípio da anterioridade do exercício financeiro (artigo 150, III, b, Constituição), a cobrança não poderia ocorrer em 2022, mas apenas a partir de 2023. Esta discussão está sendo apreciada pelo STF no Tema 1.266, cuja repercussão geral foi reconhecida em 21/8/2023.

(ii) Por outro lado, há o Difal cobrado pelos estados das micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional. Apesar das várias reservas a esta cobrança, o STF julgou o Tema 517 em 12/5/2021 e fixou tese segundo a qual tal cobrança é constitucional [3]. Destaca-se que, neste caso, havia lei complementar acerca das regras gerais da cobrança, a Lei Complementar nº 123/06, que institui o regime tributário diferenciado denominado Simples Nacional e autoriza a cobrança desta exação.

Neste caso, como o ICMS encontra-se englobado pelo regime unificado de tributos, a cobrança a parte do ICMS na aquisição interestadual de mercadorias permitida aos estados incide sobre mercadorias destinadas também à revenda, ou seja, a incidência não se restringe a bens destinados a consumidor final.

Apesar da decisão do STF ter pretendido solucionar a perlenga, o leading case analisado era oriundo do Rio Grande do Sul, onde o tributo foi instituído e regulamentado por lei em sentido estrito. Portanto, a eventual violação à legalidade strictu sensu não foi objeto de análise. Ocorre que, em alguns estados, o Difal é cobrado das empresas optantes pelo Simples Nacional apenas com base em decreto, inexistindo lei em sentido estrito que tenha instituído a cobrança e traga os requisitos mínimos para sua incidência (regra-matriz de incidência tributária). Isto é o que ocorre em Goiás. Por isso, o STF aprecia também o Tema 1.284 [4], em que analisará a possibilidade desta cobrança ser instituída apenas com base na Lei Complementar nº 123/06 e no decreto estadual. O reconhecimento da repercussão geral começou a ser analisado em 10/11/2023 e, em 20/11/2023, seis ministros já haviam votado pelo reconhecimento.

Note, portanto, que o primeiro Difal, exigido das empresas comuns, incide sobre bens destinados ao consumidor final. No segundo caso, o Difal, exigido das empresas optantes pelo Simples Nacional, incidem sobre mercadorias cujas operações continuarão, pois serão revendidas. As hipóteses de incidência e os vícios de cada uma das cobranças são específicos. Assim, a diferenciação é relevante porque mesmo com as teses já firmadas pelo STF, as discussões judiciais acerca destas cobranças não se encerraram.

Em relação à primeira (Difal exigido das empresas comuns), o STF ainda não fixou a tese do Tema 1266, isto é, se esta cobrança é válida em 2022. Já em relação à segunda, embora o STF tenha reconhecido a inaplicabilidade do Tema 517 e a necessidade de edição de lei em sentido estrito pelos estados nas reclamações constitucionais nº 57003, 57237, 59054 e 57744, parece ainda ser necessário que sua jurisprudência seja reafirmada em sede de repercussão geral.

Por conta desta confusão de nomenclatura, faz bem o contribuinte, advogado ou julgador, esclarecer a qual exação se refere.


[1] Tema 1.093. Tese: A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais.

[2] Tema 1.093. “Modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do convênio questionado, de modo que a decisão produza efeitos, quanto à cláusula nona, desde a data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI nº 5.464/DF e, quanto às cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta, a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento (2022), aplicando-se a mesma solução em relação às respectivas leis dos estados e do Distrito Federal, para as quais a decisão deverá produzir efeitos a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento (2022), exceto no que diz respeito às normas legais que versarem sobre a cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/15, cujos efeitos deverão retroagir à data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI nº 5.464/DF. Ficam ressalvadas da modulação as ações judiciais em curso.”

[3] Tema 517. Tese: “É constitucional a imposição tributária de diferencial de alíquota do ICMS pelo Estado de destino na entrada de mercadoria em seu território devido por sociedade empresária aderente ao Simples Nacional, independentemente da posição desta na cadeia produtiva ou da possibilidade de compensação dos créditos.”

[4] Tema 1284 – “Possibilidade da cobrança de diferencial de alíquota do ICMS (DIFAL) de empresa optante pelo Simples Nacional, estabelecido mediante decreto estadual.”

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