Opinião

Os diferentes caminhos para afastar a cobrança do Difal em 2022

Autor

22 de novembro de 2023, 6h01

Nesta quarta-feira (22/11), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve começar o julgamento presencial das ADIs 7.070, 7.078 e 7.066 para definir se o Difal, nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte de ICMS, pode ser cobrado pelos estados e pelo Distrito Federal a partir de (i) março de 2022, (ii) abril de 2022, ou (iii) janeiro de 2023.

Esses três possíveis marcos temporais foram apontados pelas três correntes de votos proferidos, respectivamente, pelos ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Edson Fachin no julgamento virtual realizado na semana entre os dias 9 e 16 de dezembro de 2022, quando o julgamento foi interrompido pelo pedido de destaque da ministra Rosa Weber, passando então para o modelo de julgamento presencial, que agora será realizado.

No julgamento virtual, quase se formou a maioria de votos na linha de que a cobrança do Difal somente seria viável apenas a partir de janeiro de 2023, conforme se observa no quadro abaixo:

Marco inicial da cobrança do DIFALMinistros que proferiram votos fundamentadosMinistros(as) que acompanharam o entendimentoVotos
01 de março de 2023Alexandre de Moraes 1
05 de abril de 2023Dias ToffoliGilmar Mendes2
01 de janeiro de 2023Edson FachinRosa Weber
Carmen Lúcia
Ricardo Lewandowski
André Mendonça
5

No entendimento do ministro Alexandre de Moraes, a Lei Complementar nº 190/22, que disciplinou a Emenda Constitucional nº 87/2015, não criou, nem majorou o Difal, razão pela qual as regras constitucionais de anterioridade não se aplicariam a essa lei complementar, e sim apenas às leis ordinárias já editadas em 2015. Ou seja, as regras de anterioridade teriam sido observadas em 2015, quando da edição das leis estaduais.

Para tanto, o ministro Moraes insistiu na tese já superada no julgamento do Tema 1093 (quando a cobrança do Difal foi declarada inconstitucional pela ausência de uma lei complementar) para defender que as novas regras do Difal não teriam alterado a estrutura do tributo e, sim, somente modificado a destinação dos respectivos recursos dos Estados de origem para os Estados de destino. Esse entendimento, já sustentado pelo ministro Alexandre de Moraes no julgamento do Tema 1093, não fora acolhido pelo STF naquela ocasião (em 2021), nem parece ter sido bem recebido pelos demais ministros da Corte mais recentemente, já que, ao menos no julgamento virtual (em 2022), nenhum outro ministro acompanhou tal entendimento.

Por fim, o marco temporal adotado pelo ministro Moraes (01 de março de 2022) decorre da aplicação do artigo 24-A, §4º, introduzido pela Lei Complementar nº 190/22 na Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/96), segundo o qual as novas regras do Difal “somente produzirão efeito no primeiro dia útil do terceiro mês subsequente ao da disponibilização do portal” do Difal. Nesse ponto, o ministro Moraes fez uma análise exclusivamente normativa do Portal do Difal, destacando que a norma que previu tal portal foi editada em 27 de dezembro de 2021 (convênio ICMS 235/2021), sem considerar que o portal nem sequer atende às exigências da Lei Complementar nº 190/21 (certamente, novos debates chegarão no futuro no STF sobre esse ponto). De todo modo, a contar de 27 de dezembro de 2021 (convênio ICMS 235/2021), o prazo referente ao “primeiro dia útil do terceiro mês subsequente” termina no dia 1º de março de 2022.

Já no entendimento do ministro Dias Toffoli, em linha com o que foi decidido no julgamento do Tema 1093, teria havido, sim, modificações relevantes criadas pelas novas regras do Difal (previstas na Emenda Constitucional nº 87/2015). Com efeito, as regras de anterioridade deveriam ser contadas a partir da Lei Complementar nº 190/22, quando o fluxo de positivação do Difal passou a estar completo, e não a contar das leis ordinárias estaduais editadas irregularmente. Por outro lado, segundo o ministro Toffoli, o legislador complementar teria disciplinado a matéria de maneira a aplicar (apenas) a anterioridade nonagesimal, a contar da publicação da Lei Complementar nº 190/22, publicada em 5 de janeiro de 2022. Assim, contando 90 dias a partir da publicação dessa Lei, o Difal poderia ser cobrado a partir de 5 de abril de 2022. O ministro Toffoli entende que a referência, feita pelo artigo 3º da LC 190/22, à alínea “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição objetiva a aplicação tão somente da regra da anterioridade nonagesimal, e não da anterioridade anual.

De modo diverso, o ministro Edson Fachin sustentou que o Difal somente poderia ser cobrado a partir de janeiro de 2023, porque a própria Constituição deve ser interpretada no sentido de que a alínea “c” do inciso III do seu artigo 150 (que trata da anterioridade nonagesimal) faz menção expressa à alínea “b” (que trata da anterioridade anual), uma vez que no final da alínea “c” consta a expressão “observado o disposto na alínea b”. Ou seja, a menção feita pelo artigo 3º da LC 190/22 às regras de anterioridade, na verdade, contempla as duas regras (nonagesimal e anual).

Essa foi a mesma linha de raciocínio adotada pela Procuradora-Geral da República (PGR) em parecer apresentado nas ADIs. Nesse parecer, a PGR destaca que, no trâmite legislativo da LC 190/22, resta claro que o Congresso resolveu alterar a referência inicial ao prazo de 90 dias para a remissão para as regras de anterioridade nonagesimal e anual, contidas — ambas — na alínea “c” inciso III do artigo 150 da Constituição.

Também endossa esse entendimento o professor Luís Eduardo Schoueri, em robusto parecer apresentado nas ADIs pelo Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV). Interessante notar que, nesse parecer, o professor Schoueri relaciona cinco argumentos para justificar que, na remissão feita pelo artigo 3º da LC 190/22 à referida alinea “c”, estão abarcadas tanto a regra da anterioridade nonagesimal, como a regra da anterioridade anual, quais sejam: (i) é a interpretação que melhor observa a literalidade de ambos os dispositivos (contando com a “eficácia integrativa da remissão”); (ii) se o legislador tivesse feito referências às alíneas “c” e “b” do artigo 150, III da Constituição, haveria uma redundância, pois a alínea “c” já contém a expressão “observado o disposto na alínea b”; (iii) é a interpretação que melhor “atende a própria razão de ser de uma remissão”; (iv) é a interpretação que está mais alinhada com “a sistemática da anterioridade nonagesimal, firmemente estabelecida na Constituição, de sempre acompanhar a anterioridade do exercício, exceto se expressamente afastada”; e (v) trata-se da observância da “função uniformizadora da lei complementar”, de modo a respeitar um “lapso temporal adequado sem privilegiar entes que escolheram aguardar a edição das normas gerais ou se antecipar a elas”.

Esses argumentos nos parecem sólidos para justificar o afastamento da cobrança do Difal em 2022.

Como já tivemos a oportunidade de examinar (leia aqui ), o julgamento do STF a respeito da aplicação das regras de anterioridade ao Difal coloca novamente à prova a própria autoridade do STF perante os Estados. Isso porque o exame do que foi decidido no julgamento do Protocolo ICMS 21/2011 (nas ADIs nºs 4628 e 4713) e no julgamento do Tema 1093 (inconstitucionalidade da cobrança do Difal antes de uma lei complementar) sinaliza, de maneira clara, que os Estados não têm seguido as orientações da Suprema Corte nessa matéria.

Também nos parece que os Estados não têm respeitado a autoridade da própria Constituição, uma vez que, independentemente do texto da lei complementar (e da remissão do seu artigo 3º), a própria Constitucional deve ser aplicada. Ou seja, há dois caminhos lógicos para afastar a cobrança do Difal em 2022:

(i) a aplicação do artigo 3º da LC 190/22 no que se refere à remissão às regras de anterioridade (nonagesimal e anual) abarcadas pela alínea “c” do artigo 150, III, da Constituição, como acima retratado (como entendeu a maioria dos ministros acompanhando o voto do ministro Edson Fachin, a PGR e o professor Luís Eduardo Schoueri); ou

(ii) ainda que se entenda que a remissão feita no artigo 3º da LC 190/22 se direcione apenas à regra da anterioridade nonagesimal (como entendeu o ministro Toffoli), não deve haver obstáculo jurídico para a aplicação direta da alínea “b” (anterioridade anual) para o caso do Difal por se tratar de tributo (ICMS-Difal) sujeito à regra da anterioridade anual e pela observância do que foi decidido no julgamento do Tema 1093 (isto é, somente com a edição de uma lei complementar disciplinadora da EC 87/2015, a estrutura normativa do Difal restou completa e, assim, somente a partir de 5 de janeiro de 2022, as regras protetivas dos contribuintes passam a ser aplicadas contra essa nova relação jurídica).

Espera-se que todos esses fatores sejam considerados pelos nove ministros da Suprema Corte aptos a votar no julgamento presencial das ADI 7070, 7066 e 7078, pautado para o próximo dia 22 de novembro. Fala-se aqui em nove ministros, porque, de acordo com a questão de ordem em junho de 2022 (leia aqui), os ministros aposentados que já proferiram votos em plenário virtual (interrompido por pedido de destaque) terão os seus votos computados no julgamento presencial. Logo, os contribuintes começam esse julgamento com dois votos a seu favor, pois os ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber votaram a favor da tese de que o Difal somente poderia ser cobrado em janeiro de 2023.

Almeja-se que mais esse capítulo da “novela DIFAL” seja encerrado com o respeito pleno à Constituição.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!