Ajuda perigosa

Contra crime organizado, Lula decreta GLO em portos e aeroportos de RJ e SP

Autor

1 de novembro de 2023, 18h52

Com o objetivo de combater o crime organizado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou nesta quarta-feira (1º/11) que vai editar um decreto para garantia da lei e da ordem (GLO) em portos e aeroportos do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Militares atuarão em portos e
aeroportos de Rio de Janeiro e São Paulo
Tânia Rêgo/Agência Brasil

Militares da Marinha e da Aeronáutica atuarão, em articulação com a Polícia Federal, nos portos do Rio, de Itaguaí (RJ) e de Santos (SP), e nos aeroportos internacionais do Galeão (RJ) e de Guarulhos (SP). A GLO vai vigorar até maio do ano que vem. Também haverá reforço de efetivo e equipamentos na PF, na Polícia Rodoviária Federal e na Força Nacional em Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná.

Ao anunciar as medidas, em entrevista no Palácio do Planalto, em Brasília, Lula afirmou que o governo federal busca ajudar os estados a enfrentar a criminalidade organizada.

"A situação chegou a uma situação muito grave, a violência que nós temos assistido tem se agravado a cada dia e decidimos tomar uma decisão para que o governo federal participe ativamente com todo potencial que tem para que possa ajudar os governos dos estados e o próprio Brasil a se livrar de crime organizado, quadrilha, tráfico de drogas e de armas", disse o presidente.

Em publicação na rede social X (antigo Twitter), Lula detalhou as medidas. A Marinha ampliará sua atuação, em parceria com a Polícia Federal, na Baía de Guanabara e na Baía de Sepetiba, no Rio, e nos acessos marítimos ao Porto de Santos e ao Lago de Itaipu, na fronteira entre Brasil e Paraguai.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Ministério da Defesa apresentarão plano de modernização tecnológica para a atuação de PF, PRF, Polícia Penal Federal, Exército, Marinha e Aeronáutica, visando a melhorar a atuação em portos, aeroportos e fronteiras. Haverá um comitê de acompanhamento das iniciativas, integrado por Forças Armadas e polícias federais, funcionando sob coordenação dos dois ministérios.

A PF ampliará as ações de inteligência e as operações de prisões e apreensões de bens pertencentes às quadrilhas e milícias, especialmente no Rio de Janeiro. Nas rodovias federais que cruzam o estado, a PRF e a Força Nacional manterão os efetivos extras que já estão atuando no policiamento ostensivo.

Além disso, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, em conjunto com o governo do Rio de Janeiro, vai implantar o Comitê Integrado de Investigação Financeira e Recuperação de Ativos, visando a enfraquecer o poder financeiro das quadrilhas.

Crise no Rio
As medidas de Lula surgem em meio a uma escalada de violência no Rio de Janeiro, especialmente na Zona Oeste, onde milicianos e traficantes disputam território. 

Em 23 de outubro, milicianos dessa região incendiaram 35 ônibus e um trem, provocando o caos na cidade. Os ataques ocorreram em represália à morte, em operação policial, de Matheus da Silva Rezende, conhecido como Teteu e Faustão. Ele era apontado como o número dois da milícia Zinho, apelido do tio dele e chefe do grupo, Luis Antônio da Silva Braga.

No começo de outubro, três médicos de São Paulo que estavam na cidade para participar de um congresso foram executados em um quiosque na Barra da Tijuca. A Polícia Civil acredita que os homicídios ocorreram porque um dos homens foi confundido por integrantes do Comando Vermelho com o miliciano Tairon. Pouco antes, imagens de drones mostraram integrantes de facções recebendo treinamento de guerra no Complexo da Maré, na Zona Norte.

Após os ataques, o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), apresentou ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), um projeto de lei para proibir a progressão do regime de cumprimento de pena para quem portar armas de guerra; cobrar taxas de serviços públicos como água, luz, transportes e telecomunicações; e for acusado de lavagem de dinheiro de organização criminosa.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal já declarou a inconstitucionalidade de regra semelhante, prevista na Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990). A corte invalidou o parágrafo 1º do artigo 2º da norma — que estabelecia que a pena seria cumprida integralmente em regime fechado — e cristalizou o entendimento na Súmula Vinculante 26.

Panaceia que é sempre proposta após crimes de grande repercussão, o endurecimento da legislação penal é ineficaz para combater a criminalidade organizada, como as milícias. Esse enfrentamento, que deve ter planejamento de longo prazo, precisa ser feito por meio do aprimoramento da investigação e de políticas públicas de inclusão social, de acordo com a avaliação de especialistas no assunto ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Intervenção federal
Desde os anos 1990, o Rio de Janeiro recebeu auxílio de forças de segurança federais em diversas ocasiões. A medida mais drástica foi a intervenção federal na área de segurança do estado, decretada pelo presidente Michel Temer (MDB) em 16 de fevereiro de 2018, após a veiculação de imagens de roubos no Carnaval. Durante dez meses e meio, a área foi coordenada pelo interventor federal, general Walter Souza Braga Netto.

A última intervenção, em Goiás, havia ocorrido em 1965, durante a ditadura militar. Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal recebeu diversos pedidos, mas nunca aprovou uma intervenção em um estado. Em vários julgamentos, a corte entendeu que a intervenção é uma medida extrema e que deve haver prova da continuidade da crise institucional para ser decretada.

Desde agosto de 2017, as Forças Armadas agiam no Rio para garantia da lei e da ordem. No entanto, o Ministério da Justiça considerou que essa medida não implicava efetivo e amplo controle sobre o estado. Portanto, era insuficiente — e não deveria ser banalizada.

Antes de decretar intervenção federal na segurança do Rio, a gestão Temer cogitou transformar a capital fluminense em território federal — como era até 1960, quando deixou de ser capital do Brasil. Documentos internos do Ministério da Justiça a que a ConJur teve acesso mostram que o governo estudou uma proposta de emenda à Constituição para federalizar a cidade.

Para advogados, colocar as Forças Armadas no controle da intervenção é inconstitucional. Afinal, a intervenção federal descrita no artigo 21, inciso V, da Constituição exige um interventor civil. Além disso, o uso de militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica para exercer atividades de policiamento ostensivo, atividades próprias da Polícia Militar, contraria a Constituição e a Lei Complementar 97/1999.

A intervenção federal no Rio ajudou a reduzir a ocorrência de crimes patrimoniais, como roubo de cargas. Por outro lado, houve crescimento de mortos pelas forças de segurança, tendência que continuou nos anos seguintes. Também reinseriu de vez militares na política — tanto que o interventor, Braga Netto, foi ministro da Casa Civil e da Defesa do governo de Jair Bolsonaro (PL) e candidato a vice-presidente em sua chapa em 2022.

Logo na largada, a gestão Bolsonaro tinha oito oficiais das Forças Armadas como ministros, número superior aos dos governos dos cinco presidentes da ditadura militar: Castello Branco, Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. O percentual permaneceu semelhante durante todo o mandato.

Depois de anos criticando um suposto aparelhamento do Estado pelo PT, Bolsonaro — que é capitão reformado do Exército — aumentou em 122% o número de militares em cargos políticos. De acordo com levantamento do Tribunal de Contas da União feito em 2018, último ano do governo Temer, havia 2.765 integrantes das Forças Armadas em postos civis do governo federal. Em 2021, esse número havia chegado a 6.157.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!