Direito Civil Atual

Ronald Coase: a perspectiva de um economista sobre o Direito

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1 de maio de 2023, 14h30

O economista Ronald Harry Coase nasceu em Londres no ano de 1910 e morreu em Chicago em 2013. Mais de um século de vida e mais de oito décadas dedicadas à Economia renderam-lhe muitas experiências, em especial o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel em 1991.

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Ronald Coase distingue-se da maioria dos economistas, pois foi um observador do Direito e da lei como instrumentos de regulação da empresa e do mercado, deixando um precioso aporte não apenas para seus pares, mas também para a comunidade jurídica (afinal, a Economia, assim como o Direito, é uma "ciência das escolhas humanas" ) [1].

Filho de um casal de empregados do Royal Mail [2], a infância de Coase coincide com a Primeira Guerra Mundial. Já sua adolescência transcorre numa sociedade britânica que buscava se recuperar do exauriente conflito, quando, na verdade, perdia importância geopolítica para os Estados Unidos. A guerra e seu saldo, curiosamente, não são recorrentes na obra do autor.

Em 1929, Ronald Coase inicia a vida universitária na London School of Economics (LSE). É nesse período que surge seu interesse pelo Direito. O contato com os julgamentos das cortes inglesas e a leitura de revistas jurídicas quase o convenceram a ser advogado, mas uma palestra do economista Arnold Plant (estudioso da gestão de empresas e do sistema de patentes de invenções) o convenceu, de vez, a ser economista.

Pouco tempo depois, por recomendação de Plant e por sua dedicação como aluno na LSE, Coase recebe a disputada bolsa Sir Ernest Cassel Travelling Scholarship, passando os anos de 1931 e 1932 nos Estados Unidos, onde teve a oportunidade de conhecer a estrutura das fábricas, o funcionamento das indústrias e as diferentes formas de organização das empresas de acordo com o setor. Eram tempos do prolongamento dos efeitos da Crise de 1929: a recessão econômica, a queda das ações, a paralisação da produção fabril, o desemprego e o abalo do produto interno bruto compõem o ambiente da estadia de Coase na América do Norte.

Nessa oportunidade, ele passa a se indagar: Qual a razão de existirem empresas? O que estimula empresários, gestores e trabalhadores [3]? Tais questionamentos são a gênese do que vem a se tornar a Nova Economia Institucional, com o aprofundamento da ideia de custos de transação e a investigação dos motivos que levam pessoas isoladas a se reunirem no formato de empresa. As respostas a essas questões formam a base de um dos mais importantes trabalhos de Ronald Coase The Nature of the Firm , publicado em 1937 e citado pela Real Academia Sueca de Ciências na cerimônia em que lhe foi entregue o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel em 1991.

Com o retorno ao Reino Unido e concluída a graduação em Economia, Coase inicia a docência na Dundee School of Economics and Commerce, na Escócia, onde permanece de 1932 a 1934. Depois, segue para a Irlanda, lecionando de 1934 a 1935 na Universidade de Liverpool. O ingresso como professor na London School of Economics, sua alma mater, ocorre em 1935, inicialmente num curso sobre economia dos serviços públicos na Grã-Bretanha.

A Segunda Guerra Mundial eclode em 1939. A LSE transfere-se de Londres para Cambridge, enquanto Ronald Coase, então com 29 anos, é nomeado assessor do Gabinete de Guerra, permanecendo nessa função de 1940 a 1946.

Somente em 1946 Coase retoma a docência na LSE, assumindo a importante disciplina de Princípios de Economia. Paralelamente, continua suas investigações sobre a economia dos serviços públicos (em particular, os correios e a radiodifusão). A propósito, em 1948, recebeu a bolsa Rockefeller e passou mais nove meses nos Estados Unidos para estudar a indústria de radiodifusão, o que resultou na publicação do livro British Broadcasting: a Study in Monopoly (1950) [4].

De volta a Londres, seu nome foi escolhido para a cátedra de Ciência Econômica na London School of Economics, pois o titular, Friedrich von Hayek, passaria a integrar o Comitê sobre o Pensamento Social na Universidade de Chicago. Ronald Coase, entretanto, estava convencido a deixar a conceituada LSE e, em 1951, muda-se com a esposa para os Estados Unidos da América.

Na realidade, por intermédio do amigo John Sumner, Ronald Coase havia aceitado o convite para ser professor na modesta Universidade de Buffalo (à época uma instituição privada, mas que, a partir de 1962, foi objeto de fusão com a Universidade Estadual de Nova Iorque, passando a denominar-se State University of New York at Buffalo). Essa notícia foi vista sob dois ângulos: para a Universidade de Buffalo, representava um prestígio ter um docente oriundo da London School of Economics; para esta última instituição, a ida de Coase para uma universidade pouco conhecida não deixava de ser intrigante. Ronald Coase, contudo, manteve-se discreto quanto à existência de eventuais inimizades ou dissabores na LSE que, porventura, lhe tenham motivado à mudança de universidade e de país.

Coase permaneceu em Buffalo de 1951 a 1959, apesar dos convites de grandes universidades como Chicago e Harvard. Em 1959, Coase, por influência de James Buchanan Jr., transferiu-se para a Universidade da Virgínia, onde ficou até 1964, imerso na investigação sobre a perda do referencial humanístico e histórico na Economia.

A ida para Chicago aconteceu em 1964, quando Ronald Coase aceitou ser editor do The Journal of Law and Economics em conjunto com o economista Aaron Director, lá permanecendo até 1982. Esse periódico, fundado em 1958 e patrocinado pela Chicago Booth e pela Law School, ambas da Universidade de Chicago, representou para Coase não somente uma nova e desafiadora experiência, mas também seu reencontro com o universo jurídico. As matérias ali tratadas situavam-se no campo da regulamentação e do comportamento das empresas regulamentadas; da organização industrial; da política antitruste; da economia política; da legislação e do processo legislativo; das finanças à luz do direito.

Respirar os ares de Chicago representava, naquela quadra, estar não apenas num ambiente de excelência, como também de troca de insights, ladeado que estava de economistas do quilate de George Stigler, Milton Friedman e Gregg Lewis.

Em 1991, a láurea com o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel representou para Coase, de modo confessional e já do alto de seus 80 anos de idade, um daqueles acontecimentos inexplicáveis da vida, haja vista que ele se considerava um economista cuidadoso, mas pouco ambicioso.

O merecido reconhecimento não o eximiu de produzir até os derradeiros dias de vida, tanto que suas últimas obras, escritas em coautoria com Ning Wang, datam de 2011 (The Industrial Structure of Production: a Research Agenda for Innovation in an Entrepreneurial Economy) e 2012 (How China Became Capitalist).

Ronald Coase morreu em 2 de setembro de 2013 em Chicago, deixando abertos os caminhos para a reaproximação entre a Economia e o Direito.

Entre seus estudos mais importantes para os profissionais da área jurídica, podem ser citados: The Nature of the Firm (1937); The Problem of Social Cost (1960); e The Lighthouse in Economics (1970).

Por iniciativa do ministro Dias Toffoli e do professor Otavio Luiz Rodrigues Jr., da Faculdade de Direito da USP, fez-se possível a versão brasileira da obra The Firm, the Market and the Law, que já está em sua terceira edição pelo selo editorial Forense Universitária, do Grupo Editorial Nacional — GEN (Coleção Paulo Bonavides). A obra é traduzida por Heloísa Gonçalves Barbosa e integrada pela revisão de Francisco Niclós Negrão, além da revisão técnica de Alexandre Veronese, Lúcia Helena Salgado e Antônio José Maristrello Porto. É acompanhada de um estudo introdutório escrito pelo ministro Antonio Carlos Ferreira e por mim, no qual buscamos investigar o labor inconfundível de Ronald Coase.

Feitas estas considerações primeiras sobre Ronald Coase, dar-se-á continuidade, nos próximos dias, ao estudo específico dos efeitos de seu pensamento no Direito, com ênfase no "Teorema de Coase", nos custos de transação, nos contratos, nos direitos de propriedade e, ainda, no impacto das leis e decisões judiciais na Economia.

 

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma 2 — Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e Ufam).

 


[1] COASE, Ronald H. A firma, o mercado e o direito. Tradução: Heloísa Gonçalves Barbosa; revisão da tradução: Francisco Niclós Negrão; revisão final: Otavio Luiz Rodrigues Jr.; estudo introdutório: Antonio Carlos Ferreira e Patrícia Cândido Alves Ferreira. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária/GEN, Coleção Paulo Bonavides, 2022, p.1.

[2] Ronald H. Coase. Biographical. Disponível em: https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1991/coase/biographical/. Acesso em: 22-4-2023.

[3] RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Coase foi um dos pais da Análise Econômica do Direito. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-set-04/direito-comparado-coase-foi-pais-analise-economica-direito. Acesso em: 22-4-2023.

[4] FERREIRA, Antonio Carlos; FERREIRA, Patrícia Cândido. Ronald Coase: um economista voltado para o Direito (Estudo introdutório). In: COASE, Ronald H. A firma, o mercado e o direito, op. cit., p. XXVIII.

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