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Juiz das garantias foi suspenso por falta de debates e prazo curto, diz Fux

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21 de junho de 2023, 19h43

O Plenário do Supremo Tribunal Federal voltou a julgar nesta quarta-feira (21/6) a constitucionalidade da criação do juiz das garantias. O relator do caso, ministro Luiz Fux, começou a apresentar seu voto e argumentou que suspendeu a implementação do mecanismo, em janeiro de 2020, por causa da falta de debates sobre o instituto e da impossibilidade de sua implementação em 30 dias, no meio do recesso judicial. O julgamento prosseguirá na sessão desta quinta (22/6).

Nelson Jr./SCO/STF
Fux disse que não era possível implementar juiz das garantias no recesso forense de 2020
Nelson Jr./SCO/STF

Ao criar o mecanismo, a Lei "anticrime" (Lei 13.964/2019) buscou reduzir o risco de parcialidade nos julgamentos. Com a medida, o juiz das garantias fica responsável pela fase investigatória e o juiz da instrução, pelo andamento do processo e pela sentença. Entre as atribuições do juiz das garantias, está decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar e sobre a homologação de acordo de colaboração premiada. A competência do julgador acaba com o recebimento da denúncia ou queixa.

A partir desse momento, o juiz da instrução assume o caso e, em até dez dias, deve reexaminar a necessidade das medidas cautelares impostas pelo juiz das garantias. E o julgador que, na fase de investigação, praticar atos privativos da autoridade policial ou do Ministério Público ficará impedido de atuar no processo.

Em 22 de janeiro de 2020, um dia antes da data para a Lei "anticrime" entrar em vigor (que havia sido adiada por 180 dias pelo ministro Dias Toffoli), Luiz Fux suspendeu a implementação do juiz das garantias. Por mais de três anos, o magistrado não liberou a liminar para análise pelo Plenário — o que gerou críticas de outros ministros. No mês passado, o caso entrou na pauta do Supremo.

Fux iniciou seu voto justificando a liminar de 2020. O ministro destacou que havia o perigo da demora, pois a Lei "anticrime" entraria em vigor um mês após sua promulgação. E isso ocorreria durante o recesso forense, não permitindo que o Judiciário se estruturasse para implementar o mecanismo. Além disso, ressaltou o relator, havia fumaça do bom Direito, pois o juiz que tivesse atuado na fase investigatória ficaria impedido de seguir no caso e proferir a sentença, o que paralisaria incontáveis processos.

Na visão de Fux, "a alteração abrupta criaria o caos na Justiça Criminal", e foi imposta ignorando a carência de magistrados e as diferenças regionais do país.

O ministro também destacou que o juiz das garantias não foi criado para melhorar a qualidade do julgamento de um réu acusado de furtar dois potes de xampu em uma comarca do interior. O mecanismo, de acordo com o magistrado, "veio para um fim completamente diverso dos delitos do varejo" e foi instituído devido a "maus exemplos que acabamos vivenciando".

Uma das motivações dos parlamentares para a inovação foi evitar a repetição dos abusos cometidos por juízes da "lava jato", como Sergio Moro, ex-titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, e Marcelo Bretas, atualmente afastado da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Moro foi declarado suspeito para julgar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo STF. Bretas é investigado pelo Conselho Nacional de Justiça por negociar penas, orientar advogados e combinar estratégias com o Ministério Público, além de prejudicar o prefeito do Rio, Eduardo Paes, na disputa pelo governo do estado em 2018, contra Wilson Witzel — que venceu o pleito e depois sofreu impeachment.

Além disso, Fux opinou que o juiz das garantias foi proposto "com certo grau de informalidade" ao grupo de trabalho que analisava o pacote "anticrime" na Câmara dos Deputados. Conforme o relator, o mecanismo foi apresentado aos parlamentares via WhatsApp e aprovado uma semana depois, em setembro de 2019 — três meses antes da edição da norma. Era pouco tempo para aprofundar estudos e debates e promover diálogo institucional, na análise de Fux.

O relator ainda afirmou que "todos os juízes brasileiros são juízes das garantias". Afinal, devem zelar pelos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

"Como somos todos juízes de garantias, estamos nessa tarefa com o afã de evitar abusos na fase investigatória. Quando os atos abusivos são da polícia, temos os juízes de primeiro grau. Quando são do juiz, temos os tribunais de apelação. Quando são dos tribunais, temos os tribunais superiores. Não há juiz das garantias mais eficiente", disse Fux.

Opinião da PGR
Em sustentação oral, o procurador-geral da República, Augusto Aras, argumentou que a designação de juízes distintos "para atuar em diferentes etapas do processo penal é compatível com a sistemática de proteção de direitos e garantias fundamentais, não havendo inconstitucionalidade formal ou material que se lhe possa atribuir".

No entanto, Aras apontou que a implementação do mecanismo em até 30 dias violou os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois seria impossível para o Judiciário cumprir o prazo.

O PGR ainda opinou pela declaração de inconstitucionalidade ou de interpretação conforme a Constituição de dispositivos que permitem que o juiz das garantias, por exemplo, determine o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento e disponha sobre pedidos de afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico.

"O magistrado pode agir excepcionalmente, desde que provocado e para resguardar direitos e garantias constitucionais, especialmente nos casos de reserva de jurisdição. Não se pode admitir, todavia, que o juiz pratique atos alheios à jurisdição e de típica e regular condução do inquérito ou procedimento investigatório", avaliou Aras.

Clique aqui para ler a manifestação da PGR
ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305

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