Ambiente Jurídico

A proteção jurídica internacional e nacional da biodiversidade

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22 de julho de 2023, 15h17

Em artigo anterior mencionei a biodiversidade, sua importância e como os humanos a vêm tratando e tentando protegê-la desde o alvorecer da consciência jurídica ambiental; mencionei também a Convenção da Diversidade Biológica ou Convenção da Biodiversidade, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 2.519/98, e os variados diplomas internacionais dela decorrentes, com programas e metas.[1]

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A conservação da biodiversidade implica em uma ampla atividade legal, administrativa, acadêmica e na participação direta da sociedade. Nos termos da Convenção[2], cada parte deve estabelecer um sistema de áreas protegidas com adoção de medidas especiais para a preservação da biodiversidade, a regulamentação e a administração de recursos biológicos relevantes, proteger ecossistemas, habitats naturais e adotar medidas para a proteção das espécies, com medidas in situ e ex situ e do uso responsável de recursos biológicos. Envolve a formulação de políticas ambientais, impactada por diversos fatores[3]: (a) os problemas ambientais são complexos e de difícil compreensão em sua totalidade; (b) muitos bens ambientais (tais como a água, ar, oceanos) constituem propriedade comum, que dificulta sua gestão à falta de incentivou ou interesse individual; (c) percepção e equacionamento dos problemas em um prazo mais longo; (d) difusão dos problemas ambientais para áreas distantes do foco original; (e) origem em várias fontes, que dificulta a responsabilização; (f) danos podem ser incertos, a depender de suporte científico para identificação das causas e soluções; (g) a possível não percepção pelos formuladores de políticas, mesmo alertados pelos cientistas, até que se agravem, retardando ou impossibilitando a ação preventiva; (h) os problemas envolver atores com crenças, objetivos e interesses conflitantes; e (i) causas e efeitos desigualmente distribuídos entre os grupos afetados.

A Convenção levou a intensa atividade no Brasil. A LF nº 6.938/81 de 31-8-1981[4] dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, definindo objetivos, diretrizes, termos e órgãos encarregados de sua implantação. O DF nº 4.339/02 de 22-8-2002[5], estabeleceu os princípios e a diretrizes da Política Nacional da Biodiversidade. O item 2 do Anexo delineia vinte princípios, entre eles que a diversidade biológica tem valor intrínseco, merecendo respeito independentemente de seu valor para o homem ou potencial para uso humano (inciso I); a soberania e a responsabilidade das nações na exploração e conservação de seus recursos biológicos, respeitados o meio ambiente e a biodiversidade de outras nações e áreas além de sua jurisdição (inciso II e III); a essencialidade da biodiversidade para a evolução e manutenção dos sistemas necessários à vida na biosfera, com garantia de reprodução sexuada e cruzada dos organismos (inciso VII); a obrigação do Poder Público de evitar a degradação ambiental quando demonstrado risco sério e irreversível à diversidade biológica (inciso VIII); os ecossistemas devem ser entendidos e manejados em um contexto econômico, objetivando: a) reduzir distorções de mercado que afetam negativamente a biodiversidade, b) promover incentivos para a conservação da biodiversidade e sua utilização sustentável e c) internalizar custos e benefícios em um dado ecossistema o tanto quanto possível (inciso XVII); gestão integrada, descentralizada e participativa, permitindo que todos os setores da sociedade brasileira tenham, efetivamente, acesso aos benefícios gerados por sua utilização (inciso XX).

A Política Nacional da Biodiversidade aplica-se aos componentes da diversidade biológica localizados nas áreas sob jurisdição nacional, incluindo o território nacional, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva, e aos processos e atividades realizados sob sua jurisdição ou controle, independentemente de onde ocorram efeitos, dentro da área sob jurisdição nacional ou além dos limites desta (item 3) e se rege por nove diretrizes, entre elas a cooperação entre as nações (inciso I); a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica deve ser integrada em planos, programas e políticas setoriais ou intersetoriais complementares e integrada (inciso II); investimentos substanciais, prevenção e combate às causas da redução ou perda da biodiversidade, sustentabilidade como critério determinante na definição de seu uso (inciso III a V); gestão descentralizada, e com vista ao longo prazo (incisos VI a VIII); acesso dos países subscritores da Convenção aos recursos genéticos e sua utilização ambientalmente saudável (inciso IX).

O Anexo lista os sete eixos temáticos componentes da Política Nacional da Biodiversidade: conhecimento; conservação, utilização sustentável; monitoramento, avaliação, prevenção e mitigação de impactos sobre a biodiversidade; acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados e repartição de benefícios; educação, sensibilização pública, informação e divulgação; e o fortalecimento jurídico e institucional para a gestão da biodiversidade, detalhando em seguida os objetivos gerais e específicos de cada componente.

O DF nº 4.703/03 da 21-5-2003[6] criou o Programa Nacional da Diversidade Biológica – PRONABIO e a Comissão Nacional da Biodiversidade – CONABIO, indicando composição, atuação e financiamento dos órgãos encarregados da implantação e acompanhamento da Política Nacional da Biodiversidade. A Resolução CONABIO Nº 6/13 DE 3-9-2013 indica as metas nacionais de biodiversidade para 2020, compostas de cinco objetivos estratégicos e vinte metas[7]; a Resolução CONABIO nº 7/18 de 29-5-2018[8] aprova a Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras, que ameaçam os ecossistemas e a biodiversidade local e outras resoluções e atos administrativos enfocam atividades e situações.

A atividade legislativa foi intensa, uma vez que a diversidade biológica é o tema central da proteção dos ecossistemas e transparece direta ou indiretamente nas diversas leis editadas. A LF nº 5.197/67 de 3-1-1967, o Código de Caça[9], vedou a utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha de animais de qualquer espécie da fauna silvestre, em qualquer fase de seu desenvolvimento, e de seus ninhos, abrigos e criadouros naturais, estabelecendo requisitos para a caça e apropriação de tais animais. A LF nº 6.938/81 inclui as interações químicas e biológicas na definição de meio ambiente e a degradação da biota na definição de poluição (art. 3º, incisos I e III). A Resolução CONAMA nº 20/86 de 18-6-1986, substituída pela Resolução CONAMA nº 357/05 de 17-3-2005, define os padrões de qualidade das águas superficiais e das águas subterrâneas segundo os usos preponderantes não segundo o nível atual, mas aquele que deveria ter; a LF nº 9.433/97 de 8-1-1997, a Lei das Águas, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos[10] e, embora voltada ao uso econômico da água, dispõe sobre qualidade, requisitos e veda condutas prejudiciais e é complementada, de certa forma, pela LF nº 11.445/07 de 5-1-2007[11], que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico (extensamente modificada pela LF nº 14.026/20 de 15-7-2020[12]) e, ao vedar a descarga de poluentes nos cursos d’água, contribui para a preservação do ecossistema aquático.

A LF nº 8.723/93 de 28-10-1993[13] dispõe sobre a redução de emissão de poluentes por veículos automotores e deu origem ao PROCONVE, promovendo significativa redução de emissões ao longo dos anos.

A LF nº 7.661/88 de 16-5-1988[14] instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, que dispõe sobre a proteção de recursos naturais renováveis e não renováveis, recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas a ser elaborado e executado observando normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente, estabelecidos pelo CONAMA (art. 3º inciso I, e 5º). A LF nº 7.802/89 de 11-7-1989[15] dispôs sobre a pesquisa, experimentação, utilização, destino final dos resíduos e embalagens, controle e fiscalização de agrotóxicos, substâncias letais à diversidade biológica, aqui mencionada por, ao regulamentar, indiretamente reduzir os efeitos degradantes de seu uso.

A LF nº 9.985/00 de 18-7-2000[16] institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza com o objetivo, entre outros, de contribuir para a manutenção da diversidade biológica no território e águas de nossa jurisdição, proteger espécies ameaçadas de extinção, preservar e restaurar a diversidade de ecossistemas naturais, definindo as unidades de proteção integra (estação ecológica, reserva biológica, parque nacional, monumento natural e refúgio da vida silvestre) e as unidades de uso sustentável (áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico, florestas nacionais, reserva extrativista, reserva de fauna, reserva de desenvolvimento sustentável e reserva particular do patrimônio natural) (art. 7º a 21).

A LF nº 10.257/01 de 10-7-2001, o Estatuto das Cidades[17], reforça o conceito de função social da propriedade, já constante da Constituição Federal, entre elas a preservação ambiental; e a manutenção de arborização, praças, vegetação e ar limpo contribui de modo decisivo para a preservação, ainda que reduzida, da biodiversidade nos ecossistemas urbanos. A LF nº 11.445/07 de 5-1-2007[18], o Lei do Saneamento Básico, modificada pela LF nº 14.026 de 15-7-2020, estabelece que o saneamento básico considerará certos princípios fundamentais, entre eles o abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de forma adequada à saúde pública, à conservação dos recursos naturais e à proteção do meio ambiente (art. 2º, inciso III).

A LF nº 11.959/09 de 29-6-2009[19] dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, definindo a captura permissível, os períodos de defeso, as áreas interditadas ou de reservas, a capacidade de suporte dos ambientes. A LF nº 12.187/09 de 29-12-2009[20] institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e dispõe que todos têm o dever de atuar, em benefício das presentes e futuras gerações, para a redução dos impactos decorrentes das interferências antrópicas sobre o sistema climático (art. 3º inciso I), cuja degradação traz consequências trágicas para todas as formas de vida. A LF nº 12.305/10 de 2-8-2010[21] institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que tem entre seus objetivos a proteção da saúde pública e da qualidade ambiental, a redução e recomposição de áreas contaminadas (art. 7º incisos I a V).

A LF nº 12.651/12 de 25-5-2012, o Código Florestal em vigor[22], que substituiu a LF nº 4.771/65 de 15-9-1965, dispõe sobre as áreas protegidas, a proteção da flora no território nacional e o uso sustentável da terra na área rural e urbana. A LF nº 13.123/15 de 20-5-2015[23] é considerada o marco legal da biodiversidade no Brasil por regulamentar o acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, a remessa para o exterior de amostras do patrimônio genético, a exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, à repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da exploração econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado, para conservação e uso sustentável da biodiversidade (art. 1º, incisos I a V), entre outros pontos. O DF nº 6.41/07 de 8-2-2007[24] institui a Política de Desenvolvimento da Biotecnologia com o objetivo de estabelecimento de ambiente adequado para o desenvolvimento de produtos e processos biotecnológicos inovadores nas áreas da saúde humana, agropecuária, industrial e ambiental, que suscita preocupações ligadas à bioética, à biosegurança e à modificação de organismos. A LF nº 11.105/05 de 24-3-2005[25], a lei da biossegurança, estabeleceu mecanismos de segurança e fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e estabelece os órgãos de controle e fiscalização.

Esse é uma coletânea não exaustiva da extensa disciplina legal que regula o meio ambiente em sentido amplo com reflexo direto na preservação e na conservação da diversidade biológica; sem menção à extensa regulamentação administrativa ante o escopo reduzido deste artigo. No próximo trabalho veremos como a biodiversidade vem sendo analisada em juízo.

[1] ConJur – Nós humanos precisamos das outras espécies? 10-6-2023

[2] CD (www.gov.br)

[3] NYNA LIS DE ABREU NUNES e FERNANDA DA ROCHA BRANDO, ‘Vinte Anos da Política Nacional da Biodiversidade’, in Proteção ao Meio Ambiente no Brasil, coordenado por Patricia Iglecias, Fernanda de Abreu Tanure, Jorge Gouveia e Caroline Jorge Santos, Ed. Almedina, São Paulo, 2023, pág. 583.

[4] L6938 (planalto.gov.br)

[5] D4339 (planalto.gov.br)

[6] D4703 (planalto.gov.br)

[7] Output file (economia.gov.br)

[8] RESOLUÇÃO Nº 7, DE 29 DE MAIO DE 2018 – Diário Oficial da União – Imprensa Nacional (www.gov.br)

[9] L5197 (planalto.gov.br)

[10] L9433 (planalto.gov.br)

[11] Lei nº 11.445 (planalto.gov.br)

[12] L14026 (planalto.gov.br)

[13] L8723 (planalto.gov.br)

[14] L7661 (planalto.gov.br)

[15] L7802 (planalto.gov.br). Estudos mostram o elevado uso de agrotóxicos no País, com relevante degradação ambiental.

[16] L9985 (planalto.gov.br)

[17] L10257 (planalto.gov.br)

[18] Lei nº 11.445 (planalto.gov.br)

[19] L11959 (planalto.gov.br)

[20] L12187 (planalto.gov.br)

[21] L12305 (planalto.gov.br)

[22] L12651 (planalto.gov.br)

[23] L13123 (planalto.gov.br)

[24] Decreto nº 6041 (planalto.gov.br)

[25] Lei nº 11.105 (planalto.gov.br)

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