Direito do Agronegócio

Créditos de descarbonização (CBios): ainda os reflexos fiscais

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV Direito-SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

27 de janeiro de 2023, 8h00

No início do ano de 2020, nesta mesma coluna, inauguramos as primeiras ponderações a respeito da política energética inaugurada pela Lei nº 13.576/2017, denominada de RenovaBio [1].

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Referida lei trouxe importante contribuição para a segurança energética do país, mas, sobretudo, buscou fomentar a produção de biocombustíveis no país, atentando-se à sustentabilidade.

Para buscar promover essa política energética de fomento aos biocombustíveis, entre os instrumentos criados pela legislação, teríamos, desde então, os créditos de descarbonização (CBios).

O CBios, segundo artigo 5º, V, da Lei 13.576/2017, seria "instrumento registrado sob a forma escritural, para fins de comprovação da meta individual do distribuidor de combustíveis de que trata o artigo 7º desta Lei" [2].

Ocorre, porém, que, quando do advento da lei e consequente previsão da negociação dos créditos de descarbonização — CBios —, nada dispunha quanto à natureza jurídica desta, muito menos havia qualquer disciplina com relação aos reflexos tributários, gerando enorme insegurança jurídica e preocupação, diante de uma possível exigência fiscal penosa e em desconformidade com a própria finalidade extrafiscal da política inaugurada [3].

Posteriormente, com o objetivo de regular aspectos tributários da negociação do CBIOS, houve alteração na Lei nº 13.576/2017 por meio da Lei nº 13.986/2020, que, em seu artigo 60, publicado em 20 de agosto de 2020, após derrubada de veto presidencial, incluiu o artigo 15-A, o qual dispõe:

"'Art. 15-A. A receita das pessoas jurídicas qualificadas conforme o inciso VII do caput do art. 5º desta Lei auferida até 31 de dezembro de 2030 nas operações de que trata o art. 15 desta Lei fica sujeita à incidência do imposto sobre a renda exclusivamente na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento).

§ 1º. A receita referida no caput deste artigo será excluída na determinação do lucro real ou presumido e no valor do resultado do exercício, mas as eventuais perdas apuradas naquelas operações não serão dedutíveis na apuração do lucro real.

§ 2º. O disposto no § 1º deste artigo não impede o regular aproveitamento, na apuração do lucro real das pessoas jurídicas referidas no caput deste artigo, das despesas administrativas ou financeiras necessárias à emissão, ao registro e à negociação dos créditos de que trata o inciso V do caput do art. 5º desta Lei, inclusive aquelas referentes à certificação ou às atividades do escriturador de que tratam os incisos I e VIII do caput do art. 5º e os arts. 15 e 18 desta Lei.

§ 3º. O disposto no caput e no § 1º deste artigo aplica-se por igual a todas as demais pessoas físicas ou jurídicas que realizem, sucessivamente, operações de aquisição e alienação na forma do art. 15 e com o registro de que trata o art. 16 desta Lei, salvo quando aquelas pessoas se caracterizarem legalmente como 'distribuidor de combustíveis'."

Com isso, ao menos, de forma temporária (31/12/2030), a lei disciplinou a incidência de algumas espécies tributárias, notadamente, o IRFonte à alíquota de 15%, além de reconhecer, por conseguinte, a impossibilidade de se tributar o IRPJ e CSLL, ao prescrever a exclusão "na determinação do lucro real ou presumido e no valor do resultado do exercício" (artigo 15-A, § 1º).[4]

Todavia, a existência de referida previsão legal não impediu que a insegurança jurídica em matéria fiscal permanecesse, uma vez que não havia disciplina voltada para as contribuições do PIS e da Cofins, muito menos para as de natureza previdenciária incidente sobre a receita da agroindústria (Funrural), nos termos do artigo 22-A da Lei nº 8.212/91 [5].

Aliás, embora não exista Solução de Consulta publicada voltada para o tema, a Receita Federal tem sustentado que os valores recebidos com a negociação do CBios pelas agroindústrias teriam a natureza de uma receita operacional, de tal sorte que, segundo o Fisco, há incidência de PIS e Cofins (regime não cumulativo – 9,25%; regime cumulativo 3,65%) e também do Funrural/RAT e Senar (artigo 22-A da Lei nº 8.212/91 — alíquota de 2,85%).

Sem a pretensão de retomar discussões até mesmo de uma possível natureza indenizatória do CBios [6], o que afastaria a incidência destes tributos, importante esclarecer que, em 19 de maio de 2022, houve a edição do Decreto nº 11.075, o qual "Estabelece os procedimentos para a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, institui o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa e altera o Decreto nº 11.003, de 21 de março de 2022".

Interessante notar que referido decreto, expressamente, explicita que o crédito de carbono consiste em "ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou regulado".

Em nossa visão, o decreto reconhece que o crédito de carbono, tal como aquele da política energética do RenovaBio e denominado de CBios, configura um "ativo financeiro ambiental", o que gera alguns reflexos tributários em contraposição ao posicionamento da Receita Federal.

Salvo as previsões em lei específicas de tributação acima descritas quanto ao artigo 15-A, ao reconhecer o decreto que seria um ativo financeiro ambiental o CBios, notadamente, não poderia ser tributado por PIS e Cofins como receita operacional, mas, tão somente, no regime não cumulativo, como financeira, nos termos do artigo 27, § 2º, da Lei nº 10.865/2004 e Decreto nº 8.426/2015.

No mesmo sentido, caracterizando os valores negociados a título de CBios uma receita financeira, não se trataria de uma outra receita operacional agroindustrial, o que, evidentemente, impediria também a tributação de Funrural/Rat/Senar, segundo artigo 22-A da Lei nº 8.212/91.

Em nossa visão, dada a finalidade lei do RenovaBio em buscar fomentar a produção de biocombustíveis, reforçando nossa segurança energética, e, em contrapartida, cumprir metas de sustentabilidade, nos parece completamente equivocada a pretensão do governo em aproveitar do instituto para fins arrecadatórios, dada a nítida função extrafiscal. Todavia, o advento do Decreto nº 11.075/2022 permite, ao menos, uma carga fiscal para as negociações de CBios menos onerosas.

 


[2] "Art. 7º — A meta compulsória anual de que trata o art. 6º desta Lei será desdobrada, para cada ano corrente, em metas individuais, aplicadas a todos os distribuidores de combustíveis, proporcionais à respectiva participação de mercado na comercialização de combustíveis fósseis no ano anterior. § 1º. As metas individuais de cada distribuidor de combustíveis deverão ser tornadas públicas, preferencialmente por meio eletrônico. § 2º. A comprovação de atendimento à meta individual por cada distribuidor de combustíveis será realizada a partir da quantidade de Créditos de Descarbonização em sua propriedade, na data definida em regulamento. § 3º. Cada distribuidor de combustíveis comprovará ter alcançado sua meta individual de acordo com sua estratégia, sem prejuízo às adições volumétricas previstas em lei específica, como de etanol à gasolina e de biodiesel ao óleo diesel. § 4º. Até 15% (quinze por cento) da meta individual de um ano poderá ser comprovada pelo distribuidor de combustíveis no ano subsequente, desde que tenha comprovado cumprimento integral da meta no ano anterior".

[6] "Admitida a natureza de indenização para a origem dos CBio, bem como a forma de circulação equivalente a uma "moeda verde", daí já se percebe que o modelo de tributação apresenta-se excessivamente oneroso, desprovido de segurança jurídica e desestimulante das atividades de redução das emissões de carbono na atmosfera. (…) Na emissão, há um evidente caráter indenizatório do CBio, o que deveria afastar a tributação de IRPJ e CSLL (vide Solução de Consulta Cosit nº 76/2019), e não incidiria PIS/Cofins na emissão, à alíquota de 4,65%, tampouco IOF à alíquota de 1,5% (especialmente quando envolver operações externas)." (TORRES, Heleno Taveira. https://www.conjur.com.br/2021-mai-06/consultor-tributario-proposta-tributacao-credito-descarbonizacao).

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  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito-SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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