Prática Trabalhista

Diretores de cooperativa de consumo e estabilidade no emprego

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

2 de fevereiro de 2023, 8h00

Nos últimos anos, os Tribunais Trabalhistas têm sido provocados a enfrentar um assunto antigo, porém problemático, envolvendo a questão da garantia e estabilidade provisórias no emprego de dirigentes de cooperativas, mas que deve ter um ponto final agora no próximo dia 16.2.2023, quando ocorrerá o julgamento do recurso de embargos (autos de nº E-RR-1299-79.2016.5.05.0036) pela Subseção I da Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SBDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

E aqui algumas dúvidas permeiam a matéria, quais sejam: será que a legislação assegura a proteção de empregado, dirigente de cooperativa, contra o despedimento sem justa causa? Existe algum regramento legal específico disciplinando tal matéria? Quais são hoje os atuais entendimentos jurisprudencial e doutrinário predominantes sobre a temática?

O assunto, claro, é polêmico, sendo inclusive indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista nesta ConJur[1], razão pela qual agradecemos o contato.

Com efeito, um ponto crucial para o direito coletivo do trabalho se refere à estabilidade de empregados que detêm representação de classe. Aliás, justamente em razão da natureza do conflito de interesses inerente às relações trabalhistas, é que nasce a garantia provisória no emprego.

Spacca
Do ponto de vista normativo no Brasil, o inciso VIII do artigo 8º da Constituição Federal (CF) dispõe ser "vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei".

No mesmo sentido, o §3º do artigo 543 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)[2] traz idêntica vedação à proibição de dispensa do empregado sindicalizado, que se candidata para o cargo de direção, ou representação de entidade sindical, ou, ainda, de associação profissional.

Acerca da temática de fundo objeto deste artigo (estabilidade de dirigente de cooperativa), é certo que, de um lado, a Lei nº 12.690/2012 dispõe sobre a organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho e institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho (Pronacoop) [3]; lado outro, a Lei nº 5.764/1971[4], que define a Política Nacional de Cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, preceitua em seu artigo 55 que "os empregados de empresas que sejam eleitos diretores de sociedades cooperativas pelos mesmos criadas, gozarão das garantias asseguradas aos dirigentes sindicais pelo artigo 543 da Consolidação das Leis do Trabalho". Aliás, as Orientações Jurisprudenciais nºs 253[5] e 365[6] da SBDI-1/TST caminham nessa direção.

Entrementes, o contrato de sociedade cooperativa, nos termos do artigo 3º da Lei nº. 5.764/71[7], é celebrado sem objetivo de lucro, em que pese possa ocorrer o retorno de sobras líquidas do exercício, proporcional às operações realizadas pelo associado[8]. E com fulcro nesse fundamento, no ano de 2019, os ministros da 5ª Turma do TST, vencido o exmo. ministro Douglas Alencar Rodrigues, reconheceram a estabilidade provisória de uma trabalhadora em razão de sua eleição como integrante da diretoria de uma sociedade cooperativa de consumo[9].

Em seu voto, o ministro relator Breno Medeiros ponderou:

"No caso concreto, o que se constata foi a criação de uma cooperativa interestadual de consumo dos representantes propagandistas e vendedores de produtos farmacêuticos nos estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Sul (Cooperrep), cuja atividade consiste no 'comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios, minimercados, mercearias e armazéns, e, como secundária, o comércio de artigos de papelaria, cosméticos, dentre outros'.
Resta evidenciado, portanto, que os cooperados, em prol da melhoria da qualidade de vida dos seus membros se uniram para satisfazer suas necessidades econômicas.
O fato de ter sido criada para o comércio varejista de seus associados não a desnatura como sociedade cooperativa. É que, não é uma espécie de mercado que atende toda a população indistintamente objetivando o lucro, mas sim, minimercados, mercearias que oferecem produtos para atender as necessidades comuns dos associados que compartilham de iguais riscos e benefícios, com evidente proveito comum, já que na maioria das vezes, cooperativas dessa natureza oferecem preços exclusivos aos cooperados."

Acontece que o citado entendimento vem passando por uma metamorfose, de forma que a estabilidade dos diretores de sociedades cooperativas vem sendo analisada com cautela pelo Poder Judiciário.

Se é verdade que a estabilidade concedida ao dirigente sindical tem por objetivo principal salvaguardar a atividade de representação sindical efetiva; igual raciocínio não se aplica à concessão de proteção ao diretor de cooperativa de consumo, por exemplo, em que o objeto social da cooperativa não conflita com a atividade principal do empregador. Ora, se não há contraposição de interesses entre dirigentes da cooperativa, no exercício de suas atribuições estatutárias, e seus empregadores, parece ser equivocada a estabilidade no emprego, uma vez que tais diretores não estarão a defender, tampouco a proteger os interesses da cooperativa[10].

Aliás, de acordo com o Anuário do Cooperativismo Brasileiro, o número de cooperativas registradas na Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), até a data de 31.12.2021, totalizava 4.880[11], sendo que desse montante poucas representam a seção de trabalho e emprego.

E com supedâneo neste atual contexto é que, mais recentemente, a 4ª Turma do TST, por unanimidade de votos, rejeitou o pedido de estabilidade provisória de um trabalhador que pretendia a anulação de sua dispensa, em razão do seu mandato como dirigente de cooperativa[12].

Em seu voto, o ministro Relator Caputo Bastos asseverou[13]:
"
Em razão de o artigo 55 da Lei nº 5.764/1971 não estabelecer em quais tipos de cooperativas será assegurada a estabilidade de emprego, bem como não dispor, expressamente, sobre a necessidade da existência de contraposição de interesses com o empregador para o reconhecimento da garantia, parte da doutrina e da jurisprudência adota entendimento de que esse direito deve ser assegurado indistintamente, não admitindo interpretação restritiva do citado preceito.
Esse, contudo, não parece ser a melhor interpretação a ser conferida ao aludido dispositivo.
Ora, é bem verdade que o Poder Constituinte originário se preocupou em proteger a relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, fixando garantia no artigo 7º, I, da Constituição Federal, o qual, como forma de desestimular a dispensa imotivada, prevê aos trabalhadores, dentre outros direitos, uma indenização compensatória.
Desse modo, tem-se que apenas em situações excepcionais, as quais estejam previstas no texto constitucional, em lei, em instrumento coletivo, em regulamento de empresa ou no próprio contrato de trabalho, é que se poderá ter como assegurado ao trabalhador o direito à estabilidade provisória."

Na mesma linha de raciocínio foi a recente decisão da 8ª Turma do TST[14], cujo voto do ministro relator Alexandre Agra Belmonte foi de que não há motivos para a concessão da estabilidade provisória, se não existe conflito entre o objeto da cooperativa com os interesses dos empregadores.

Frise-se, aliás, que existem outros precedentes convergentes no âmbito da Corte Superior Trabalhista exarados, respectivamente, pela 1ª Turma (Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior)[15] e 7ª Turma (Relator Ministro Cláudio Brandão)[16], no sentido de que tal proteção legal se dá ao empregado que efetivamente defende os interesses da coletividade, em razão de este ocupar uma posição de poder, liberdade e autonomia. Portanto, uma vez que não existe conflito entre o objeto da cooperativa com a atividade empresarial, não haveria o porquê se falar em estabilidade[17].

Portanto, em observância aos atuais entendimentos jurisprudencial e doutrinário, verifica-se que a estabilidade do dirigente de sociedade cooperativa de consumo não pode ser concedida indistintamente. Deve-se certificar, principalmente, se esta cooperativa possui ou não fins lucrativos, e, sobretudo, se há conflito de interesses entre a atividade principal do empregador e o objeto social da cooperativa.


[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] Art. 543. O empregado eleito para cargo de administração sindical ou representação profissional, inclusive junto a órgão de deliberação coletiva, não poderá ser impedido do exercício de suas funções, nem transferido para lugar ou mister que lhe dificulte ou torne impossível o desempenho das suas atribuições sindicais. (…). § 3º – Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até 1 (um) ano após o final do seu mandato, caso seja eleito inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação.

[4] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5764.htm. Acesso em 30.1.2023.

[5] ESTABILIDADE PROVISÓRIA. COOPERATIVA. LEI Nº 5.764/71. CONSELHO FISCAL. SUPLENTE. NÃO ASSEGURADA. O art. 55 da Lei nº 5.764/71 assegura a garantia de emprego apenas aos empregados eleitos diretores de Cooperativas, não abrangendo os membros suplentes.

[6]  ESTABILIDADE PROVISÓRIA. MEMBRO DE CONSELHO FISCAL DE SINDICATO. INEXISTÊNCIA.  Membro de conselho fiscal de sindicato não tem direito à estabilidade prevista nos arts. 543, § 3º, da CLT e 8º, VIII, da CF/1988, porquanto não representa ou atua na defesa de direitos da categoria respectiva, tendo sua competência limitada à fiscalização da gestão financeira do sindicato (art. 522, § 2º, da CLT).

 

[7] Art. 3°. Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.

 

[8] Art. 4º. As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: (…). VII – retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral.

[10] "Entendemos que a melhor interpretação a ser dada ao disposto no art. 55 da Lei das Cooperativas, é no sentido de que só deve gozar do benefício da estabilidade provisória aquele empregado que tenha vivenciada uma relação de conflito com o empregador, sendo este velado ou explícito, ao teor do que ocorre com o dirigente sindical, o qual é paradigma para efetividade da norma, conforme a própria legislação preconiza ao mencionar o art. 543 da CLT." (MACHADO, Raimar. A estabilidade do diretor de cooperativa e a adequada interpretação do artigo 55 da Lei nº 5.764/71. Revista LTr, São Paulo, a. 85, t. I, n. 2, p. 191-200, fev. 2021).

[11] Disponível em https://anuario.coop.br/brasil/cooperativas/. Acesso em 30.01.2023.

[17]A garantia de emprego de dirigentes sindicais, quando ocupam cargos de direção para defender os legítimos interesses individuais e coletivos dos trabalhadores, é uma das expressões de legitimidade do regime de liberdade sindical. O mesmo ocorre em relação a dirigentes de cooperativas. Entretanto, se não houver conflito entre a atividade principal do empregador e o objeto social da cooperativa, não se justifica qualquer tipo de garantia de emprego. É o que ocorre nas cooperativas de consumo, pois não há conflito com o empregador na defesa dos interesses dos cooperados” (MANNRICH, Nelson; BOSKOVIC, Alessandra Barichello. Diretores de cooperativas de consumo e garantia de emprego: tendências do TST. Revista Consultor Jurídico. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-jan-18/opiniao-garantia-emprego-diretores-cooperativas-consumo. Acesso em 31.1.2023).

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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