Opinião

Diretores de cooperativas de consumo e garantia de emprego: tendências do TST

Autores

  • Nelson Mannrich

    é advogado sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos professor titular da Universidade de São Paulo (aposentado) oresidente da Academia Iberoamericana de Direito do Trabalho e membro e presidente honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (cadeira nº 49).

  • Alessandra Barichello Boskovic

    é mestre e doutora em Direito pela PUC-PR advogada sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos e professora do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

18 de janeiro de 2022, 7h13

A legislação brasileira assegura aos dirigentes sindicais proteção contra despedida sem justa causa, desde o registro de sua candidatura até um ano após o término do mandato (CF, artigo 8º, VIII; CLT, artigo 543, §3º). A razão de ser da estabilidade provisória do dirigente sindical, com cargo de direção, é assegurar liberdade e independência no exercício das funções de representação. É natural o conflito na defesa dos interesses do grupo em face do empregador, daí a garantia constitucional.

Não se trata de recompensa pessoal, tampouco de privilégio. Ao contrário, corresponde a garantia em face do grupo e se apresenta como prerrogativa funcional. Ou seja, a atuação sindical deve ser livre, sem o fundado receio de perda do emprego pela representação dos trabalhadores ou simples status de dirigente sindical.

A Política Nacional de Cooperativismo estende garantia equivalente aos diretores eleitos para sociedades cooperativas de empregados (Lei nº 5.764/71, artigo 55). Todavia, tal previsão legal é genérica e não estabelece em quais tipos de cooperativas haverá a garantia de emprego. Além disso, embora resulte de forma lógica da conexão com o artigo 543, da CLT, a norma não vincula tal garantia a eventual conflito entre representação dos interesses dos cooperados em face do empregador.

Para parte da jurisprudência, esse direito deve ser assegurado indistintamente [1]. O simples fato de ser eleito implica garantia de emprego, independentemente da modalidade de cooperativa. Não é essa a orientação dominante dos tribunais trabalhistas, tampouco da doutrina especializada, porque desvirtuaria a própria finalidade do instituto da estabilidade.

O fundamento da garantia de emprego do diretor de cooperativa — assim como do dirigente sindical — repousa na necessidade de se assegurar a tais trabalhadores autonomia e independência funcional. Em consequência, sua atuação na defesa dos interesses dos representados ou associados está blindada em face de interferência patronal, em especial quando há conflito no exercício de poder.

Não basta simples preenchimento de requisitos formais para constituição de cooperativas ou eleição dos membros das respectivas diretorias para desencadear a garantia de emprego de seus dirigentes. Ao contrário, por ocuparem posições de poder e tomada de decisões, acabam se expondo em face de seus empregadores em decorrência da defesa dos interesses do grupo ou de parte de empregados que representam.

Em consequência, diretores de cooperativas de consumo, por exemplo, não se beneficiam da garantia de emprego. Nesses casos, o objeto social da cooperativa não conflita com a atividade principal do empregador, não se justificando tal proteção. Em outras palavras, não havendo contraposição de interesses entre dirigentes da cooperativa, no exercício de suas atribuições estatutárias, e seu empregador, não há fundamento para garantia de emprego.

Nesse mesmo sentido a tendência jurisprudencial recente do Tribunal Superior do Trabalho [2], inclusive da doutrina [3]. Embora ainda o debate doutrinário seja escasso, a orientação é no sentido acima já apontado: a garantia provisória do diretor de cooperativa tem natureza funcional, limitando-se às hipóteses em que há conflito de interesses com o empregador [4].

O legislador ordinário também está atento a esse tema sensível. À época da tramitação da reforma trabalhista de 2017, discutiu-se a possibilidade de se revogar o artigo 55 da Lei nº 5.764/71. Alegava-se, então, desvirtuamento da finalidade das cooperativas, mas o debate não saiu do papel [5]. Isso porque, quando se trata de cooperativa de consumo, de modo particular, o objeto social da cooperativa não se contrapõe aos interesses do empregador.

A garantia de emprego de dirigentes sindicais, quando ocupam cargos de direção para defender os legítimos interesses individuais e coletivos dos trabalhadores, é uma das expressões de legitimidade do regime de liberdade sindical. O mesmo ocorre em relação a dirigentes de cooperativas. Entretanto, se não houver conflito entre a atividade principal do empregador e o objeto social da cooperativa, não se justifica qualquer tipo de garantia de emprego. É o que ocorre nas cooperativas de consumo, pois não há conflito com o empregador na defesa dos interesses dos cooperados.

 


[1] A título de exemplo, mencionamos o acórdão proferido pela 2ª Turma do TST, de relatoria da ministra Maria Helena Mallmann, no AIRR-11178-42.2018.5.18.0016 (DEJT 3/9/2021).

[2] Nesse sentido, conf. acórdão da 4ª Turma — RRAg-1420-27.2017.5.17.0008, de relatoria do ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, publicado no DEJT em 10/12/2021. Conf. também acórdão da 7ª Turma -RR-1299-79.2016.5.05.0036, de relatoria do ministro Claudio Mascarenhas Brandão, publicado no DEJT em 10/12/2021.

[3] Por todos, conf. Douglas Alencar Rodrigues, em seu blog: "Reconheceu o legislador que o pressuposto de defesa da liberdade de exercício do mandato, essencial para os líderes sindicais, está também presente no caso dos diretores eleitos de cooperativas de empregados, cuja atuação, em defesa dos objetivos e fins institucionais da cooperativa, pode transitar por áreas marcadas pela forte presença de interesse do empregador, com potencial para gerar pressões ou tentativas de interferência em decisões que afetem os interesses dos cooperados. Fora dessa singular situação, a garantia provisória de emprego não deve ser reconhecida, sob pena de deturpação da regra legal, como decidiu recentemente o TST, em julgamento subscrito pelo Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão." RODRIGUES, Douglas Alencar. Cooperativismo, ética e inclusão social. Blog do Douglas. Disponível em: https://blogdodouglas.com.br/artigo.php?id=17&Cooperativismo%2C+%C3%A9tica+e+inclus%C3%A3o+social. Acesso em: 12/1/2022.

[4] "Entendemos que a melhor interpretação a ser dada ao disposto no art. 55 da Lei das Cooperativas, é no sentido de que só deve gozar do beneficio da estabilidade provisória aquele empregado que tenha vivenciada uma relação de conflito com o empregador, sendo este velado ou explícito, ao teor do que ocorre com o dirigente sindical, o qual é paradigma para efetividade da norma, conforme a própria legislação preconiza ao mencionar o art. 543 da CLT." MACHADO, Raimar. A estabilidade do diretor de cooperativa e a adequada interpretação do artigo 55 da Lei nº 5.764/71. Revista LTr, São Paulo, a. 85, t. I, n. 2, p. 191-200, fev. 2021.

[5] Conf. Emenda na Comissão nº 758/2017 – EMC 758/2017, não aprovada. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1536680&filename=EMC+758/2017+PL678716+%3D%3E+PL+6787/2016. Acesso em: 12/1/2022.

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    é mestre, doutor e livre-docente em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), professor titular de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da USP, membro (cadeira nº 49) e presidente honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, integrante do subgrupo Liberdade Sindical, do Gaet, coordenador do Getrab-USP e advogado sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.

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    é mestre e doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), pesquisadora do Getrab-USP, professora de Direito do Trabalho e advogada sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.

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