Segunda Leitura

O mercado de trabalho que espera os novos advogados em 2024

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  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

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31 de dezembro de 2023, 8h00

Os cinco anos se passaram e o curso de graduação em Direito terminou. Boas aulas, outras nem tanto, amizades, dois anos confusos de Covid e a vitoriosa aprovação no exame da OAB. Próximo passo: encontrar um bom caminho no disputado mercado de trabalho.

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Mas não basta formar-se. Na largada dessa disputa, alguns requisitos são comuns a todos na luta por um lugar ao sol. Conhecimentos jurídicos, um mínimo de cultura geral para poder compreender as reações humanas, disciplina, dedicação e relacionamentos.

Nas discussões sobre o tema, sempre vem a pergunta sobre a importância da faculdade no sucesso do aluno. É certo que o interesse do aluno é o primeiro e principal requisito (diz-se “o aluno faz a faculdade”). Mas é certo também que esse interesse, em estabelecimento de ensino de qualidade, impulsionará os conhecimentos do estudante e ele terá maiores possibilidades de sair-se vitorioso. Parece-me extremamente reduzida a chance de sucesso de um graduado que se formou em uma das 29 faculdades que, no último exame da OAB, apresentaram dez ou mais candidatos e não aprovaram um sequer [1].

Na minha opinião, os estudantes dos cursos de Direito podem, genericamente, classificar-se em três grandes grupos: a) de médio e alto poder aquisitivo, que estudam em faculdades de Direito de universidades públicas ou nas particulares mais conceituadas; b) de baixo poder aquisitivo, que, regra geral, trabalham durante o dia e estudam à noite em faculdades com mensalidades mais baixas e má classificação nos rankings oficiais; c) estudantes de faculdades isoladas, via de regra localizadas em cidades pequenas ou médias afastadas dos grandes centros.

Evidentemente, essa divisão é feita grosso modo, existindo exceções e também grupos menores, como o dos estudantes que ocupam vagas de conceituadas universidades públicas, valendo-se da oportunidade que o regime de cotas lhes proporciona. Em breve haverá também o grupo dos que estudam em faculdades EAD (ensino à distância). Mas aqui o foco será nos três grandes grupos, hoje numericamente mais significativos. Vejamos as oportunidades que o mercado de trabalho lhes proporciona.

Os graduados no grupo A saem na frente na maratona da vida profissional. Criados em ambiente de melhor nível socioeconômico, costumam comunicar-se mais corretamente, falar inglês e conhecer melhor as regras de educação e comportamento que auxiliam nos relacionamentos. Para os desse grupo será mais fácil uma vaga em conceituado escritório de advocacia, que inclusive pode ser de parentes. Porém, tal situação, que pode lhes dar vantagens, pode também trazer-lhes desvantagens. Não raramente, são criados com mimos e proteção que os torna incapazes, imaturos para enfrentar os inevitáveis embates da existência.

Os formados que se acham no grupo B têm as dificuldades da ausência de parentes em boas posições sociais e de faculdades com professores mais preparados. Entretanto, trazem consigo a vontade de vencer. Força e tenacidade são as suas armas. Sofreram privações nas suas existências e, por isso, valorizam fortemente a ascensão social e econômica que lhes proporcionam uma vida melhor.

Os do grupo C lutam com dificuldades maiores. Suas faculdades não estão perto das capitais o suficiente para atrair professores com títulos de mestre ou doutor e que estejam, profissionalmente, em posições de comando na hierarquia de famosos escritórios de advocacia, do Poder Judiciário, MP, OAB e outras instituições. Falta-lhes esse convívio. Os currículos dessas faculdades raramente avançam em temas do momento e as semanas jurídicas, regra geral, limitam-se a convidar autoridades locais. Ademais, as oportunidades de estágio são menores e cursos preparatórios para concursos somente em EAD.

O que podem almejar os formandos no ano de 2024? Tudo. Não é por ter se formado no grupo B ou C que o bacharel em Direito terá que limitar os seus sonhos. Provavelmente, para alguém formado em faculdade de nível baixo, com aulas preponderantemente não presenciais e professores de menor qualificação, as dificuldades serão maiores. Mas nem por isso as conquistas são impossíveis.

Vejamos as possibilidades de forma geral, partindo do pressuposto de que as oportunidades estão abertas a pessoas dos três grupos.

O primeiro e mais importante passo para o formado em Direito colocar-se no mercado de trabalho em 2024 é a criatividade. O sociólogo Domenico de Masi, exaltando a criatividade, descreveu na obra A Emoção e a Regra como pequenos grupos de pessoas criativas, muitas vezes egressas de pequenas cidades, produziram autêntica revolução em determinadas áreas com as suas iniciativas [2]. Os inertes seguirão a linha tradicional, abrir um escritório na área cível ou criminal, disputando pequenas ações. Muito trabalho e pouca renda. Os criativos irão mais longe. Percebendo, por estudo ou sensibilidade, “para onde o vento sopra”, conduzirão suas energias para, sozinhos ou acompanhados, abrir espaço em áreas pouco exploradas.

Ser criativo na advocacia significa analisar quais as tendências da sociedade em futuro próximo, quais os caminhos da economia, da tecnologia e da globalização e, a partir daí, preparar-se para dar atendimento às demandas que virão.

O primeiro e maior exemplo é o da área da T.I (tecnologia da informação). A crise gerada pela coronavírus levou o mundo do Direito a adotar o trabalho à distância. Esta radical mudança em práticas milenares veio para ficar. Os prédios do Judiciário ficaram vazios e, apesar das seguidas resoluções do CNJ estabelecendo percentuais de pessoas nas repartições e atos presenciais, a situação nunca mais será a mesma. E mais. O Chat GPT veio para ficar, pode escrever e dar soluções para os casos que lhe forem apresentados. Brevemente estarão sendo reconhecidos como hábeis a decidir casos sem complexidade, dentro do Poder Judiciário ou fora dele, em sites informais que serão criados.

Portanto, na advocacia, haverá um enorme campo de trabalho na área da T.I., seja como empregado de empresa, dando assessoramento jurídico, seja como sociedade de advogados especializados. Por exemplo, a Lei nº 13.709/2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), destinada a proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e a livre formação da personalidade de cada indivíduo, que tem gerado inúmeras dúvidas e adaptações nas empresas e nos órgãos do poder público, já é um excelente campo de trabalho.

Mas até no serviço público a necessidade será a mesma, ainda que de diferentes formas. Por exemplo, um delegado de polícia que conheça a T.I. poderá tornar-se peça indispensável para a agilização dos serviços de investigação de crimes cibernéticos.

Saindo da área da tecnologia para a da economia, tem-se o agronegócio, que representa aproximadamente ¼ do PIB nacional. Apesar da relevância dos negócios, raramente se encontram advogados especializados na área. A maioria dos escritórios de advocacia que atendem as demandas são empresariais. É evidente que todos eles necessitam ou necessitarão de profissionais especializados. Para cuidar, por exemplo, das questões ambientais, sempre alvo de conflitos na área, não basta saber que o artigo 170, inciso VI da Constituição vincula o desenvolvimento à proteção do meio ambiente. É preciso conhecer, também, as novas possibilidades para bem assessorar os clientes. Em artigo que escrevi com Amanda Stringari, chamamos a atenção para diversos aspectos importantes neste tópico, como a agricultura e o combate à fome, os impactos da economia agrícola, mercado de carbono, certificação ambiental e a conciliação entre o agronegócio e a proteção do meio ambiente [3].

A área da saúde é outra que exige cada vez mais atenção. A tendência de maior longevidade, as práticas novas, as deficiências do sistema público (SUS) ou privado (planos de saúde), erro médico, profissões novas (v.g., cuidadoras), geram e gerarão cada vez mais conflitos, exigindo profissionais competentes. Já existem escritórios especializados nos grandes centros, mas essa é uma área que tende a atuar também nas cidades de porte médio. E é importante não apenas para advogados, mas também para magistrados, agentes do MP e defensores públicos. Aliás, no estado de Mato Grosso, a Vara da Saúde, criada há três anos, tem jurisdição sobre o território de todo o estado, agilizando e uniformizando os julgamentos [4].

A área da energia também reclama profissionais do Direito especializados. Há uma tendência inevitável da adoção de fontes de energia renováveis, apesar da resistência dos combustíveis fósseis. Um advogado ambientalista genérico dificilmente dominará as novidades que surgem continuamente, como a energia eólica, solar, geotérmica, hidrogênio verde, biomassa e outras tantas. Cada uma tem suas peculiaridades, sua regulação, subordinação a órgãos diferentes, tudo a exigir um profissional altamente especializado. Por exemplo, o estudo de impacto ambiental de uma fonte pode ser totalmente diferente de outra.

Estamos, pois, diante de um novo cenário, pleno de dificuldades, mas também de oportunidades. Nele não se entra por acaso. É preciso ousadia, criatividade, afeição com a matéria, um mínimo de familiaridade (v.g., um habitante do litoral terá dificuldades maiores do que um do interior para entender o agronegócio), estágios em órgãos públicos ou escritórios especializados e vontade, muita vontade. Boa sorte aos que se dispõem a enfrentar o desafio em 2024.


[1] JUSBRASIL. 29 instituições de ensino não aprovam nenhum bacharel na OAB. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/29-instituicoes-de-ensino-nao-aprovam-nenhum-bacharel-na-oab/2849151. Acesso em 28 dez. 2023

[2] DE MASI, Domenico. A emoção e a regra. São Paulo: Ed. José Olympio, 1997.

[3] FREITAS, Vladimir Passos de. STRINGARI, Amanda. Riflessi ambientali ed economici dell’agrobusiness in Brasile. Revista Justitia, nº 17, dez. 2023. Disponível em: https://ar.ijeditores.com/pop.php?option=publicacion&idpublicacion=232&idedicion=20736. Acesso em 28 dez. 2023.

[4] Poder Judiciário de Mato Grosso. Vara da Saúde completa três anos garantindo direito à população do Estado. Disponível em: https://www.tjmt.jus.br/noticias/70857. Acesso em 28 dez. 2023.

Autores

  • é professor de Direito Ambiental e Sustentabilidade; pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR; desembargador federal aposentado, ex-presidente do TRF-4. Foi Secretário Nacional de Justiça, Promotor de Justiça em SP e PR, presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e do Ibrajus ( Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário).

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