Opinião

Polêmica liquidação antecipada do seguro garantia e carta de fiança

Autor

  • Phelippe Toledo Pires de Oliveira

    é procurador da Fazenda Nacional mestre pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne mestre e doutor em Direito Tributário pela USP e professor do Ibmec-Brasília tendo sido pesquisador visitante em Berkeley Londres e Viena.

10 de dezembro de 2023, 15h13

A execução fiscal é o instrumento legal para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública. É utilizada para a cobrança das dívidas de natureza tributária e não tributária dos entes públicos, incluídos a União, estados, municípios, Distrito Federal, bem assim suas respectivas autarquias.

A Lei 6.830/80, que regula a execução fiscal, foi alterada pela Lei 13.043/2014 para permitir, além da fiança bancária, também o seguro garantia como forma de garantir a execução fiscal. A apresentação de qualquer um desses instrumentos ou dinheiro equipara-se à penhora por expressa disposição do artigo 9º, §3º, da Lei 6.830/80.

Questão polêmica em relação à fiança bancária e ao seguro garantia diz respeito ao momento a partir do qual a Fazenda Pública pode exigir a liquidação dessas garantias, requerendo que a seguradora ou a instituição financeira fiadora efetuem o depósito do valor garantido.

A Fazenda Pública sustenta que a liquidação dessas garantias poderia ocorrer com a decisão de primeira instância favorável à Fazenda nos embargos à execução, pois a sentença de improcedência dos embargos possui efeito imediato (artigo 1.012, §1º, III, CPC), permitindo o seu cumprimento provisório igual ao definitivo  (artigo 520 do CPC).

Com efeito, a apelação interposta contra sentença que julga improcedentes os embargos à execução fiscal será recebida apenas no efeito devolutivo, ressalvada a concessão, em situações excepcionais, de efeito suspensivo ao recurso, quando presentes os critérios autorizadores do seu deferimento.

Um argumento adicional em favor da liquidação antecipada no seguro garantia é de que, por exigência da Portaria PGFN 164/2014, que regulamenta a aceitação do seguro garantia, as apólices, em regra, contemplam como hipótese de sinistro o não pagamento pelo devedor, quando a apelação é recebida sem efeito suspensivo [1].

Nessa situação, após a sentença dos embargos à execução desfavorável ao contribuinte, poderia a Fazenda Pública requerer a intimação da seguradora para efetuar o depósito do valor garantido. O valor depositado permaneceria à disposição do juízo até o trânsito em julgado dos embargos, nos termos do artigo 32, § 2º, da LEF.

Embora o valor depositado somente seja convertido em renda após o trânsito em julgado da decisão, tratando-se de tributos e contribuições federais, a Lei 9.703/98 estabelece que esses depósitos sejam repassados à conta única do Tesouro, permitindo que a Fazenda Nacional faça uso dos recursos de imediato.

Os contribuintes, por sua vez, alegam que tanto o seguro garantia quanto a carta de fiança são garantias idôneas, não havendo razão para sua liquidação antes do trânsito em julgado. Sustentam, também, que a liquidação antecipada dessas garantias acaba por aumentar o custo de sua contratação pelos contribuintes.

O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou no REsp nº 1.996.660/RS no sentido de permitir a liquidação do seguro garantia ainda que antes do trânsito em julgado, ressalvado  o levantamento do depósito pelo garantidor ao trânsito em julgado da decisão, nos termos do artigo 32, §2º, da Lei 6.830/80 [2].

Houve uma tentativa de proibir a liquidação antecipada das garantias. O PL 2.384/2023, aprovado pelo Congresso Nacional, expressamente vedava a liquidação antecipada da carta de fiança e do seguro garantia, condicionando-a ao trânsito em julgado da decisão desfavorável ao contribuinte. Tal dispositivo, no entanto, foi vetado quando da sanção da Lei 14.689/2023 [3].

Em agosto desse ano, a presidente do tribunal, ministra Maria Thereza de Assis Moura, indicou o AREsp 2.349.081/SP como representativo de controvérsia, submetendo-o à apreciação da Comissão Gestora de Precedentes [4] . No entanto, por considerar que a questão fática subjacente não se amoldaria ao tema proposto, a presidente da comissão entendeu por rejeitar sua qualificação [5] .

Mas a polêmica continua. No mês passado, os ministros da 1ª Turma do STJ voltaram a analisar a questão no julgamento do AREsp nº 2.310.912/MG. Na oportunidade, com dois votos favoráveis à Fazenda e dois favoráveis ao contribuinte, houve a suspensão do julgamento para voto-desempate do ministro Benedito Gonçalves [6].  

Em conclusão, por enquanto, permanece a polêmica sobre a liquidação antecipada do seguro garantia e carta de fiança. O STJ possui entendimento favorável à Fazenda Pública permitindo a liquidação antecipada da garantia, mas pode vir a reavaliar a matéria. É aguardar para ver o desfecho.


[1] A Portaria PGFN 164/2014 que regulamenta o oferecimento e a aceitação do seguro garantia  encontra-se disponível em: PORTARIA Nº 164, DE 27 DE FEVEREIRO DE 2014 — Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (www.gov.br).

[2] STJ, REsp nº 1.996.660/RS, 2ª Turma,  rel. Min. Francisco Falcão, j. 16/5/2023, DJe 22/6/2023. A esse propósito, conferir também: AgInt no REsp n. 1.963.214/SP, 2ª Turma,  rel. ministro Francisco Falcão, j. 19/9/2022, DJe de 21/9/2022; AgInt no AREsp n. 1.646.379/RJ, 2ª Turma, rel. ministro Herman Benjamin, j. em 21/9/2020, DJe 1/10/2020.

[3] Conforme Mensagem 487, de 20 de setembro de 2023. Disponível em: Mensagem nº 0487-23 (planalto.gov.br).

[4] STJ, AREsp nº 2.349.081/SP, decisão monocrática, min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 28/7/2023, DJe 01/8/2023.

[5]  STJ,  REsp nº 2.093.015/SP, decisão monocrática, min. Assusete Magalhães, j. 18/10/2023, DJe 20/10/2023.

[6] STJ, AREsp nº 2.310.912/MG, rel. min. Sérgio Kukina (pendente de julgamento).

Autores

  • é procurador da Fazenda Nacional, mestre pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne, mestre e doutor em Direito Tributário pela USP e professor do IBMEC-Brasília, tendo sido pesquisador visitante em Berkeley, Londres e Viena.

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