Necessidade global, modelo local

Diversidade de formatos caracteriza figura do juiz das garantias em outros países

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31 de agosto de 2023, 18h48

A decisão do Supremo Tribunal Federal de limitar a competência do juiz das garantias contrariando o texto aprovado pelo Congresso Nacional invadiu a competência do Legislativo, como já apontaram especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Para além disso, o modelo de atuação definido pelo STF vai no sentido oposto ao de países como França, Portugal e contribuiu para uma novo formato de um instituto marcado pela diversidade.  

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Modelo imposto pelo STF para o juiz das garantias se junta aos diferentes formatos de um instituto marcado por sua multiplicidade

Além da Justiça francesa e da portuguesa, outros países adotaram o instituto como Itália, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos, Colômbia, Chile e Argentina.

O advogado e professor associado de Direito Internacional da UFMG, Fabrício Polido, explica que apesar da multiplicidade, o juiz das garantias é uma tendência das instituições judiciais e de fortalecimento da democracia em escala global. 

"No direito internacional, observa-se um autêntico movimento de 'andensamento de juridicidade', para usar uma expressão sempre recordada do Professor Celso Lafer, aqui ampliada para o campo da proteção dos direitos humanos e garantias processuais, inclusive os previstos em tratados e convenções de que o Brasil é parte", sustenta.

Pedro Serrano, sócio do Warde Advogados e especialista em Direito Constitucional, explica que a lógica do juiz das garantias é decidir questões de investigação até a aceitação da denúncia, para que o magistrado que vai conduzir a instrução do processo e a conclusão final não esteja contaminado com a investigação.

"Com essa alteração definida pelo STF, no nosso modelo vai haver essa contaminação. Vamos contaminar com o sistema inquisitorial o que deveria ser um modelo de processo penal mais avançado e alinhado ao direito constitucional", explica. 

O desembargador federal Paulo Fontes completa que concluir a fase investigativa com uma decisão de recebimento ou arquivamento é própria desse tipo de juiz. "Na França é assim que se passa, com uma decisão final do juiz de instrução que é uma verdadeira sentença, analisando toda a prova obtida, a 'ordonnance de renvoi', em que ele envia o feito para uma formação de julgamento", explica. 

Fontes também cita o modelo português, cujo artigo 17 do Código de Processo Penal estabelece que ao final da investigação o juiz de instrução profere uma decisão de pronúncia ou impronúncia, como o nosso juiz singular nos feitos do tribunal do júri.

"Nesses modelos, funciona assim para que o juiz do processo, aquele que vai julgar efetivamente o caso, tenha uma maior 'originalidade cognitiva', como disse na ConJur o professor Aury Lopes Jr."

Modelos diversos
O conceito do juiz de instrução surgiu na Alemanha nos anos de 1970. Lá ele é chamado de Ermittlungsrichter (juiz da investigação, em tradução livre). Ele é responsável por decidir sobre questões relativas ao andamento do inquérito policial como pedidos de busca e apreensão, interceptação telefônica e oitiva de testemunhas.

"O modelo da Justiça alemã é diferente do nosso. Mas, pode-se dizer que a competência vai até o oferecimento da denúncia. A partir daí a competência passa a ser do tribunal. Para delitos menos graves o caso é enviado a um juiz singular. Em crimes mais graves o processo passa a ser julgado por órgão colegiado", explica Luís Henrique Machado, advogado e doutor pela Universidade de Humboldt de Berlim.

A competência do Ermittlungsrichter está no § 162 do Código de Processo Penal da Alemanha (Strafprozessordnung – StPO). 

Ao lado do modelo alemão, o instituto do juiz de garantias na Itália é um dos mais copiados. Lá, o juiz das garantias recebe o nome de giudice per le indagini preliminari, ou simplesmente GIP. 

O advogado e doutor em Direito Comercial Comparado e Uniforme pela Universidade de Roma La Sapienza (Itália), Andrea Marighetto, explica que a função do GIP é zelar pelo calendário das investigações, o desenvolvimento do inquérito e, sobretudo, exercer a função de controle das atividades do Ministério Público. 

"A razão da adoção da figura processual do GIP, ou seja, da presença de um juiz em uma fase extrajudicial, antes da formalização da denúncia por parte do Ministério Público, torna-se necessária pelo fato de as medidas de investigação acabarem podendo violar direitos constitucionalmente protegidos", explica. 

Na Itália, é o GIP que decide sobre o recebimento da acusação e encaminha o processo a um juiz ou um órgão colegiado que irá julgar o caso. Lá como cá, apesar dos diferentes formatos, o juiz das garantias nasceu da necessidade de maior imparcialidade no processo penal.

Na América do Sul, países como Chile, Honduras, Uruguai, El Salvador, Equador, Paraguai, Peru e Colômbia adotaram um instituto semelhante ao juiz das garantias nos moldes da Itália e da Alemanha.

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