Opinião

Não haverá sociedade livre sob o temor da manifestação do pensamento

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21 de outubro de 2022, 13h01

O Brasil está há anos mergulhado em crises políticas, econômicas e morais que, neste ano eleitoral, descambaram para episódios de brutal violência. A polarização política tem se materializado em comportamentos extremados de parcelas da população, que deixam de enxergar o outro como semelhante e passam a tratá-lo como um inimigo a ser vencido, custe o que custar.

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Anísio Teixeira, no livro "A Educação do Brasil", de 1969, escreveu que "o princípio da igualdade individual, proclamado como princípio fundamental da forma social democrática, não se baseia na igualdade psicológica dos indivíduos, mas em sua igualdade política, graças à qual lhes devem ser dadas oportunidades iguais de desenvolvimento e de participação social".

A lição do autor é que apenas o respeito às diferenças, marcantes em uma nação de proporções colossais, propiciará a prosperidade de todo o povo, indistintamente. A despeito do resultado das urnas, é preciso baixar o tom belicoso neste momento e fazer um gesto de paz ao oponente — do contrário, da guerra não sobrarão sequer despojos. E nossos filhos e netos não merecem vivenciar tal descalabro.

Nossas instituições, capitaneadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), têm defendido e preservado o Estado de Direito. O primeiro turno da eleição ocorreu de forma pacífica e foi marcado, mais uma vez, pelo sucesso e pela segurança do modelo da urna eletrônica.

Apesar desse êxito, o historiador do amanhã estranhará, nos jornais de hoje, a frequência das tragédias. O apoiador de um candidato que foi morto a facadas em Itanhaém (SP), em outubro. O apoiador de outro concorrente assassinado da mesma forma, em Confresa (MT), em setembro.

Até mesmo as igrejas estão sofrendo com a violência política e a desinformação. No dia 10 de outubro, em São Mateus do Sul (PR), uma paróquia foi atacada, com a destruição de uma imagem centenária. Houve, igualmente, registros de depredação de igrejas evangélicas —o que indica a gravidade dos atentados de ambos os lados.

É emblemático o caso da professora de Ponta Grossa (PR), que fez saudações nazistas diante dos alunos. E também o da advogada de Uberlândia (MG) — já afastada de suas funções na subseção local da OAB — que expressou profundo preconceito e discriminação contra os nordestinos. Inaceitável.

Todos esses atos são, ao mesmo tempo, lamentáveis e patéticos. Não há liberdade em um país em que, enganados, homens e mulheres se matam uns aos outros em nome dos interesses dos candidatos de turno. Não haverá sociedade livre, justa e solidária se os indivíduos permanecerem coagidos no exercício do voto e temerosos na manifestação do pensamento. A concórdia e o apaziguamento são o único caminho.

A Constituição brasileira de 1988 é reconhecida mundialmente como exemplar para a garantia do Estado democrático de Direito. Cidadãs, cidadãos e sociedade civil organizada têm obrigação de atuar ativamente para defender a Carta — incumbência que recai com ainda mais força sobre os líderes políticos, que devem interceder pelo fim da violência política.

*artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo

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