Opinião

Causa e efeito das bolhas informacionais criadas pelo algoritmo

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23 de novembro de 2022, 17h16

A preocupação acerca do comportamento dos usuários nas redes sociais emerge em um cenário em que as discussões ideológicas e, principalmente, políticas, refletem uma sociedade polarizada e altamente intolerante a opiniões divergentes.

A divisão da sociedade em grupos é um comportamento naturalmente adotado pelos seres humanos desde os primórdios da civilização, onde o agrupamento com outros indivíduos era uma das estratégias mais eficientes para a proteção individual e sobrevivência.

Nos tempos atuais, a necessidade humana de pertencer a grupos se associa ao fato de nos sentirmos confortáveis no convívio com semelhantes, nos levando a preferir grupos que pensam, vivem e veem o mundo como nós. Este aspecto comportamental, na vida social humana, já é suficiente para que nossas crenças e rejeições sejam retroalimentadas pelas pessoas com as quais convivemos.

Neste contexto, a "polarização" da sociedade se dá quando existem grupos em extremidades opostas, seja de preferências, opiniões ou visões de mundo. Alguns fatores justificam o cenário polarizado vivido atualmente do Brasil, sendo uma das principais causas a estrutura do ambiente social virtual (redes sociais).

Inicialmente, cumpre pontuar o processo de superação do jornalismo convencional provocado pelo crescimento das redes sociais. Devido à ampliação do acesso à internet e à adaptação da sociedade à realidade digital, principalmente após a pandemia da Covid-19, qualquer pessoa que esteja conectada à internet pelo seu aparelho celular pode noticiar um acontecimento ou opinar sobre qualquer assunto, compartilhando com o mundo inteiro em tempo real.

Este processo de descentralização das atividades de noticiar e opinar reflete a democracia do debate e do acesso à informação, promovida pela internet. Não obstante, a consequência é o grande volume de conteúdo disponível e a alta velocidade com que se propaga.

Todavia, nem todas as informações chegam a todos os usuários. Para classificar conteúdos entregues pelas redes sociais de modo a fixar a atenção do usuário, são utilizados os denominados "algoritmos".

Os algoritmos criam um perfil comportamental a partir da análise de dados de navegação, como históricos de pesquisas, curtidas e interações, tornando as buscas mais eficientes e criando recomendações personalizadas.

Os algoritmos, portanto, buscam entregar notícias e opiniões com as quais o usuário se identifique e goste, ou seja, que se alinhem com sua forma de pensar. Dessa forma, necessitados do sentimento de pertencimento a um grupo com o qual temos identidade, nos sentimos confortáveis no ambiente social virtual, que se torna selecionado às nossas predileções.

Conclui-se, portanto, que o algoritmo governa a experiencia do usuário nas redes sociais, de modo que o ambiente virtual não é o mesmo para todos, sendo moldado a partir de interesses e preferências de cada usuário.

Para ilustrar, considere que João e Pedro são usuários ativos nas redes sociais, e se informam diariamente por elas.

João acredita que o Brasil está sob um governo que apresente grande risco à democracia, além de incitar discursos de ódio contra minorias e influenciar negativamente o caráter das pessoas. Em seu feed, se depara diariamente com falas que soam homofóbicas, xenofóbicas, racistas e machistas, como se a sociedade, de repente, estivesse sendo consumida por ódio. Ataques aos membros e decisões do Poder Judiciário e da Justiça Eleitoral são frequentes, corroborando com sua tese de que o governo ameaça a democracia e o Estado democrático de direito. Informações sobre ditadura militar são relacionadas às falas do Presidente da República e, de repente, enxerga-se um risco iminente de o Brasil estar sob a ameaça de um golpe de Estado por um governo de extrema direita. Diante disso, é claro que qualquer ser humano com capacidade empática é dominado por sentimentos de revolta e inquietação para conter tudo isso. Afinal, a democracia e os direitos humanos estão em risco.

Pedro, por sua vez, acredita que, finalmente, o país está trilhando um caminho para romper com a corrupção institucionalizada em todos os três Poderes do Estado, e que a mídia, sendo o quarto destes Poderes, distorce todas as falas do atual chefe do Executivo para difamá-lo e manipular a opinião popular. Em seu feed, se depara diariamente com influenciadores alegando perseguição política, denunciando censura às suas falas e arbitrariedades do Poder Judiciário contra suas páginas on-line, corroborando com sua tese de que há uma conspiração institucionalizada para dominar o pensamento da massa e perpetuar o poder de determinadas figuras políticas. Informações sobre ditaduras comunistas são relacionadas a essas figuras e, de repente, enxerga-se um risco iminente de que o Brasil esteja sob a ameaça de um governo autoritário e comunista. Diante disso, é claro que qualquer ser humano com senso de justiça é dominado por sentimentos de revolta e inquietação para conter tudo isso. Afinal, a democracia e as liberdades individuais estão em risco.

João e Pedro não vivem em países diferentes, mas têm diferentes percepções pessoais e vivem em bolhas informacionais que relatam diferentes perspectivas sobre a mesma realidade. É neste cenário onde os debates saem do âmbito das ideias para o âmbito da identidade.

A psicologia explica a tendencia de distorcer os fatos e processar uma informação de forma enviesada, de modo a chegar a uma conclusão preferida, como uma consequência do denominado "raciocínio motivado". Este comportamento é decorrência do viés de confirmação da cognição humana, que, de maneira não intencional, interpreta as informações recebidas de modo a confirmar alguma ideia preexistente.

A psicologia explica o viés de confirmação como comportamento natural da cognição humana, que, de maneira não intencional, interpreta as informações recebidas de modo a confirmar alguma ideia preexistente. Como desdobramento desse comportamento, a tendencia a distorcer os fatos e processar uma informação de forma enviesada, de modo a chegar a uma conclusão preferida, é uma consequência do denominado "raciocínio motivado".

Sendo assim, as evidências, em si, têm pouco poder para mudar a visão de mundo de uma pessoa, sendo as experiencias pessoais e opiniões preexistentes mais importantes que os fatos, e determinantes para interpretar informações recebidas.

Aderindo à analogia entre torcida eleitoral e torcida de futebol, feita recentemente [1] pelo ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, pode se compreender que, neste contexto, a tendencia a crer que o árbitro sempre favoreceu o time adversário é uma ilustração habitual de como o raciocínio motivado é inerente à inteligência humana.

O sucesso das fake news é outra evidência do raciocínio motivado na psique humana: ainda que aparentemente infundadas, notícias que corroboram com nossas ideias são facilmente aceitas e, por isso, rapidamente disseminadas, sem que sequer tenha sido checada sua procedência.

Já a intolerância a opiniões adversas é consequência da falta de contato com o mundo visto sob outra ótica e da falta de informações sobre outros fatos que vão de encontro às próprias crenças. Inseridos em determinado grupo ideológico e motivados pela rapidez e volume dos conteúdos de uma bolha informacional, as pessoas veem suas teses sendo excessivamente autenticadas por aqueles que têm ideais comuns.

Não obstante, são conduzidos à concordância com todas as opiniões do grupo, em todos os assuntos. Dessa forma, o raciocínio individual a respeito de um assunto isolado se torna cada vez mais raro, resultando em pensamentos coletivos, onde todas as pautas são agrupadas em dois polos, coexistindo apenas dois grupos extremamente opostos entre si. 

Os conteúdos entregues por algoritmos transmitem ao universo digital a falsa percepção de que tudo se divide em duas realidades antagônicas, ignorando uma infinidade de coisas que existe entre um extremo e outro, de modo que ideias que combinem elementos de ambos os polos perdem seu lugar nos debates.

Os grupos políticos, por sua vez, são beneficiados pela polarização entre seus seguidores, uma vez que a unanimidade a respeito das pautas partidárias e o medo cultivado sobre o perigo representado pela oposição  nazista, comunista, preconceituosa ou corrupta  justifica a leal e intensa aderência de seus filiados e eleitores para combater um inimigo comum. O resultado é altamente danoso para a sociedade em um Estado democrático, onde um dos pilares é a discussão de ideias, o que requer tolerância e diálogo.

Se a ideia inicial das redes sociais era a utilização da internet para a manutenção de vínculos sociais e afetivos, como um reflexo do mundo fático na internet, o que está ocorrendo é o oposto. A experiencia na internet é o que extrapola para o mundo fático, sendo refletida na convivência social todas as percepções de seus ambientes virtuais, que, como supramencionado, são personalizados para ratificar e intensificar crenças já existentes, segregando a sociedade por ideologias. 

Se, por um lado, o combate às fake news se demonstra uma prioridade do poder público, por outro, pouco é debatido acerca do combate à bolha informacional como forma de retroagir o cenário polarizado.

Enquanto não existam ferramentas que impossibilite o funcionamento dos algoritmos na seleção do conteúdo entregue, é importante que os usuários sejam alertados sobre este mecanismo e instruídos quanto às ferramentas acessíveis para limitar sua atuação, como a alteração das configurações dos sites de buscas, que usam informações dos usuários como a idade, localização, sexo e interesses para orientar os resultados de pesquisas. Práticas como apagar o histórico de pesquisa, deletar cookies do navegador, desativar a personalização da busca e estar em contato com páginas que representem opiniões diferentes podem neutralizar o efeito da bolha informacional a qual o algoritmo sujeita os usuários.

Diante do atual cenário social polarizado do país, é manifesta a necessidade da atuação do poder público para amenizar os confrontos civis. Em face de medidas imperativas para conter os debates ideológicos, que podem afetar o direito constitucional de liberdade de expressão, previsto pelo artigo 220, da Constituição, a conscientização sobre o tema é melhor aceita pela sociedade. Pois, para a inteligência humana, tão perigoso quanto receber fatos inverídicos, é receber apenas as verdades que se quer ver.


[1] MELLO, Samir. Eleições: Moraes usa futebol para indicar que não aceitará contestação de resultado. Metrópoles. Futebol. Disponível em: https://www.metropoles.com/esportes/futebol/eleicoes-moraes-usa-futebol-para-indicar-que-nao-aceitara-contestacao-de-resultado. Acesso em: 08/11/2022.

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