Processo Tributário

Impugnação à negativa de seguimento ao recurso excepcional

Autores

  • Mario Jabur Neto

    é advogado especialista em Direito Tributário e pesquisador do grupo de estudos em Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • Camila Campos Vergueiro

    é advogada doutoranda pela Unimar mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Curso de Especialização do Ibet do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus professora e coordenadora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de Processo tributário analítico do Ibet.

  • Rodrigo Dalla Pria

    é advogado doutor em Direito Processual Civil mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professor do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado) do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) professor e coordenador do curso de extensão Processo Tributário Analítico (Ibet) coordenador das unidades do Ibet em Sorocaba e Presidente Prudente coordenador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico (Ibet) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

27 de março de 2022, 8h00

No contencioso judicial tributário, muitas teses são sedimentadas por meio de precedentes firmados em julgamentos de recursos (especial e extraordinário) representativos de controvérsia. Tais entendimentos, sabemos todos, devem ser seguidos pelos tribunais locais, pois de observância obrigatória, a teor do que prescreve o artigo 927, inciso III [1], do Código de Processo Civil [2].

Para que uma tese jurídica seja fixada por essa via, no entanto, é necessário que o jurisdicionado transponha um dos obstáculos mais difíceis da pragmática processual, que é justamente o juízo de admissibilidade a que estão submetidos os recursos excepcionais.

Esse desafio, com efeito, é ainda mais árduo quando a acórdão recorrido invoca, equivocadamente, orientação jurisprudencial de observância obrigatória.

É que, no exame de admissibilidade do recurso especial ou extraordinário interpostos contra o acórdão proferido em consonância às orientações firmadas em leading cases [3], o legislador estabelece a obrigatoriedade de prolação de "despacho" monocrático, a cargo da presidência ou da vice-presidência do tribunal a quo, que determina ou nega seguimento ao recurso, nos termos dos artigos 1.030, inciso I, alíneas "a" e "b" [4] e 1.040, inciso I [5], do CPC.

Esse tipo de decisão monocrática, quando negativa de seguimento do recurso, deve ser atacada pela via de agravo interno, interposto no âmbito da própria corte local, conforme estabelecem os artigos 1.030, § 2º[6], e 1.042, caput [7], do CPC.

Em razão do princípio da unirrecorribilidade, segundo o qual contra cada ato judicial é manejável uma única modalidade de recurso, o agravo interno é o instrumento apto a viabilizar ao jurisdicionado se insurgir contra o equívoco da decisão que tenha negado seguimento ao seu recurso excepcional, cujo fundamento seja a "aplicação" inadequada de um precedente e/ou, ainda, que não tenha se desincumbido do dever de demonstrar que o caso sob julgamento se "ajusta" aos fundamentos do leading case invocado, nos termos do artigo 489, §1º, inciso V, do CPC [8].

Ao apreciar o agravo interno, o órgão colegiado do tribunal local poderá manter a decisão monocrática agravada ou dar provimento ao recurso, reconhecendo a "aplicação" indevida de precedente e devolvendo o processo à turma que proferiu o acórdão recorrido para que tenha a oportunidade de adequar (ou não) o entendimento firmado anteriormente, mediante emissão de juízo de retratação, a teor do que dispõem os arts. 1.030, II [9] e 1.040, inciso II [10] do CPC.

Acaso a turma julgadora se negue a adequar seu entendimento à orientação do tribunal superior, o recurso excepcional deverá ser admitido e remetido ao STF e/ou ao STJ, na forma dos arts. 1.030, "c" [11] e 1.041 [12] do CPC.

Até esse ponto, o jurisdicionado navega por águas calmas e claras quanto às regras de controle de aplicação de precedentes em sede de admissibilidade de recursos excepcionais. Todavia, quando o acórdão que aprecia o agravo interno mantém a negativa de seguimento, afastando a alegação do jurisdicionado acerca da aplicação errática de um leading case, o mar fica revolto e a água torna-se turva, não havendo uma rota segura que permita ao jurisdicionado o acesso aos tribunais superiores.

Isso porque, além de o STJ já ter estabelecido ser incabível [13] a interposição de recurso contra acórdão proferido pelo tribunal de origem no julgamento do agravo interno do artigo 1.030, §2º, do CPC, sua Corte Especial firmou o entendimento de que, nesses casos, a reclamação [14] também não é admissível.

A posição do STJ de admitir a impugnação de decisão desse quilate tão somente por meio de ação rescisória (artigo 966, inciso V, §5º e 6º, do CPC [15]), implica seguir na contramão da ideia de efetividade do processo [16], configurando aquilo que costuma ser denominado de "jurisprudência defensiva".

É o caso de buscar, então, outros caminhos, a fim de viabilizar o acesso às cortes superiores.

Com base na doutrina e na jurisprudência (minoritária), é possível identificar algumas rotas capazes de conduzir o jurisdicionado em direção ao acesso efetivo aos tribunais superiores. Esses caminhos, vale destacar, são de difícil navegabilidade, tendo como obstáculo maior, vale repisar, a defensiva jurisprudência de nossos tribunais superiores.

Dentre os expedientes processuais de possível utilização, destacam-se: (a) a possibilidade de interposição de recurso especial e/ou extraordinário diretamente contra o acórdão do agravo interno [17]; (b) a própria reclamação, pois ainda que tenha sido tida por incabível pelo STJ, apresenta-se, segundo doutrina [18]abalizada, como o instrumento tecnicamente mais adequado à impugnação de decisões desse jaez, contando, inclusive, com o apoio de um raro julgado do STF [19]; e (c) o mandado de segurança, o qual, ante a inexistência de recurso hábil à impugnação da decisão, passa ser instrumento legítimo para a insurgência do jurisdicionado, sendo possível identificar, também nesse tocante, precedente exarado no âmbito do STJ [20] que dá respaldo a tal expediente.

Tem-se, assim, que as estratégias acima indicadas sejam capazes de viabilizar a solução para essa recalcitrância institucional, limitadora do acesso aos tribunais superiores, com vistas à máxima efetividade ao processo, bem como permitir a correção de decisões que tenham invocado, equivocadamente, precedentes de observância obrigatória, dando-se plena aplicabilidade ao quanto prescrito no artigo 926, caput [21], do CPC.


[1] Artigo 927. Os juízes e os tribunais observarão:
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

[3] Para fins deste artigo, denominamos de leading cases os entendimentos do STF ou STJ exarados, conforme o caso, no regime de repercussão geral ou de recursos repetitivos.

[4] Artigo 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:
I – negar seguimento:
a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral;
b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos;

[5] Artigo 1.040. Publicado o acórdão paradigma:
I – o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior;

[6] Artigo 1.030. (…)
§ 2º. Da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do artigo 1.021.

[7] Artigo 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.

[8] No presente artigo tratamos apenas do despacho que nega seguimento ao recurso excepcional com base no artigo 1.030, inciso I, alíneas "a" e "b", por isso recorrível apenas pelo agravo internos, mas não se pode esquecer da possibilidade tratada pelo enunciado 77 do CJF: "Para impugnar decisão que obsta trânsito a recurso excepcional e que contenha simultaneamente fundamento relacionado à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral (artigo 1.030, I, do CPC) e fundamento relacionado à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais (artigo 1.030, V, do CPC), a parte sucumbente deve interpor, simultaneamente, agravo interno (artigo 1.021 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos recursos repetitivos ou repercussão geral e agravo em recurso especial/extraordinário (artigo 1.042 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos fundamentos de inadmissão por ausência dos pressupostos recursais".

[9] Artigo 1.030 (…)
II – encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos;

[10] Artigo 1.040. Publicado o acórdão paradigma:
II – o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;

[11] Artigo 1030. (…)
c) o tribunal recorrido tenha refutado o juízo de retratação.

[12] Artigo 1.041. Mantido o acórdão divergente pelo tribunal de origem, o recurso especial ou extraordinário será remetido ao respectivo tribunal superior, na forma do art. 1.036, § 1º .

[13] STJ: AgInt na Pet 11.755/PE, rel. ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), 4ª TURMA, julgado em 27/2/2018, DJe 2/3/2018; AgRg na MC 23.595/RJ, rel. ministro RAUL ARAÚJO, 4ª TURMA, julgado em 4/8/2016, DJe 12/8/2016.

[14] Rcl 36.476/SP, rel. ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 5/2/2020, DJe 6/3/2020.

[15] Artigo 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
V – violar manifestamente norma jurídica;
§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento.
§ 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica.

[18] cf. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Caneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 18ª ed. Salvador: Juspodivum, 2021, p. 406, 407.

[19] Rcl 30326 AgR, relator(a): min. ALEXANDRE DE MORAES, 1ª Turma, julgado em 6/9/2019.

[20] AgInt no RMS 53.790/RJ, rel. ministro GURGEL DE FARIA, 1ª TURMA, julgado em 17/5/2021, DJe 26/5/2021

[21] Artigo 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Autores

  • é advogado, especialista em Direito Tributário e pesquisador do grupo de estudos em “processo tributário analítico” do Ibet.

  • é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGVLaw) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão "Processo tributário analítico” do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de "Processo tributário analítico" do Ibet.

  • é advogado, doutor em Direito Processual Civil e Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professor do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado) do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), professor e coordenador do curso de extensão de "Processo tributário analítico" do Ibet, coordenador das unidades do Ibet em Sorocaba e Presidente Prudente e coordenador do grupo de estudos de "Processo tributário analítico" do Ibet.

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