Comédia de devaneios

Aécio e Andréa Neves são absolvidos da acusação de corrupção passiva

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10 de março de 2022, 22h10

A condição de funcionário público, por si, não induz à tipicidade penal do artigo 317 do Código Penal. Do contrário, haveria uma séria limitação à capacidade civil do agente público, que estaria impedido de praticar todos os atos da vida civil, conforme lhe garante o ordenamento jurídico (artigo 5º, II, da CF e artigos 1º e 5º do CC).

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Juiz classificou Aécio Neves como "protagonista inconsciente de uma comédia"

Esse foi o entendimento do juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal de São Paulo, para absolver o deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), a sua irmã, Andréa Neves, Frederico Pacheco de Medeiros e Mendherson Souza Lima.

Os três foram denunciados junto com Aécio por corrupção passiva, organização criminosa, lavagem de dinheiro e tentativa de obstruir investigações. O inquérito é decorrente da delação premiada do empresário Joesley Batista.

Batista gravou escondido uma conversa com Aécio em que o político pede R$ 2 milhões a ele porque estaria com dificuldade para pagar os advogados que o defendem em outros processos da "lava jato".

A ação tramitou no Supremo Tribunal Federal até o fim do mandato de Aécio Neves como senador e depois retornou à Justiça Federal de São Paulo. Em novembro do ano passado, a PGR pediu o retorno do caso ao STF, mas desistiu do intento no mês seguinte. Na ocasião, a subprocuradora-geral, Lindôra Araújo, apontou que como já houve o declínio dos autos para a primeira instância e a decisão não foi desafiada por recurso, a competência para processamento e julgamento dos fatos investigados se firmou no juízo de primeiro grau.

No último dia 22, o MPF reiterou o pedido de condenação de Aécio, Andréa, Frederico Pacheco de Medeiros e Mendherson Souza Lima.

Ao analisar o caso, o magistrado inicialmente afastou as alegações de que a denúncia seria nula por causa da atuação "prévia e promíscua" do então procurador da República Marcelo Miller no acordo de delação.

"Pode-se colocar em dúvida a espontaneidade necessária à validade da colaboração, mas não se tem prova cabal disso. Por esta razão, superando as alegadas nulidades, a questão será remetida ao campo da valoração da prova", diz trecho da decisão.

O juiz sustentou que além do recebimento de vantagem indevida, deve haver o tráfico da função pública para caracterizar o crime de corrupção passiva. "A corrupção, em sentido técnico-jurídico, é o ato de negociar o dever funcional, solicitando, recebendo ou aceitando promessa de indevida vantagem para beneficiar outrem, agindo ou se omitindo, com o desvio ético do desempenho do cargo. É imprescindível, pois, para quem entende dispensável a existência de ato de ofício concreto, que a vantagem esteja vinculada ao exercício da função, de modo que atos da vida privada do agente não sejam criminalizados", explicou ele.

Sem atributos
O magistrado afirmou que o caso não possui os atributos necessários para ser enquadrado no crime narrado na denúncia do MPF. "De acordo com as palavras do próprio colaborador Joesley, a acusada Andrea o procurou com a proposta de venda de um apartamento situado na cidade do Rio de Janeiro, pertencente à sua genitora, tendo em vista a necessidade premente de pagar honorários advocatícios no montante acima mencionado".

O julgador entendeu que a divisão das duas questões — venda do apartamento e necessidade financeira do senador — partiu do delator, que ainda teria dito que em "qualquer momento iria ao Rio ver o apartamento". Por causa desses elementos, o juiz entendeu que o encontro tratava de negócio de natureza privada, nada tendo a ver com o cargo exercido pelo então senador.

O juiz também afastou as alegações do MPF nos memoriais de que Joesley teria "comprado boas relações com o senador". "A denúncia não diz isso. De forma confusa, sem muita concatenação lógica, a peça incoativa apresenta como contrapartida dois atos de ofício: o primeiro alusivo à liberação de créditos de ICMS do grupo JBS; o segundo, a nomeação de Aldemir Bendine, indicado por Joesley, para ocupar o cargo de presidente da Companhia Vale S.A", explica o juiz. Ocorre que as duas hipóteses são desmentidas em depoimentos do próprio Joesley.

O magistrado classifica o papel de Aécio Neves no acordo de delação de Joesley como um "protagonista inconsciente de uma comédia". "Na busca de espetáculo, situam-se as filmagens do transporte de dinheiro realizado pelos corréus Frederico Pacheco de Medeiros e Mendherson Souza Lima. Estas serviram apenas para criar impacto midiático, sobretudo porque o suposto delito já estava consumado com a prática do núcleo verbal do tipo penal consubstanciado no ato de 'solicitar' a vantagem. Não há qualquer liame objetivo ou subjetivo que coloque ambos os acusados no seio das conversas entabuladas entre os demais personagens".

Por fim, o juiz também afastou as acusações do MPF de que Aécio teria se utilizado do cargo de senador para impedir investigações. "A irrogada 'intensa atuação' de Aécio, na condição de Senador da República, nos 'bastidores' do Congresso Nacional, no sentido de aprovar medidas legislativas voltadas a, segundo o MPF, impedir ou embaraçar a apuração e a efetiva punição de infrações penais que envolviam organização criminosa, tais como a lei da anistia do chamado caixa dois eleitoral e a lei de abuso de autoridade, não passa de devaneio. É risível. A mesma independência funcional exigida aos membros do Ministério Público é também atributo inalienável dos membros do Congresso Nacional".

Segundo Alberto Toron, que defendeu Aécio no caso, a sentença "desfez uma farsa". "Aécio Neves nunca pediu dinheiro para corrupção, isto é, como contrapartida para a prática de qualquer ato ligado à sua função pública. O mais importante é que isso foi dito com todas as letras pelo próprio Joesley. Oxalá perseguições como esta não se repitam na cena forense brasileira."

O advogado Fábio Tofic, que representa Andrea Neves, comemorou a decisão. "Ruiu o castelo de uma grande farsa, que alimentou o clamor público e fez muito mal à justiça", resumiu.

Recurso apresentado
O Ministério Público Federal já interpôs um recurso de apelação contra a sentença da 7ª Vara Criminal de São Paulo. De acordo com o MPF, não há dúvidas de que Aécio e sua irmã incorreram na prática de corrupção passiva.

"Embora não seja possível apontar quais favores o empresário recebeu em troca, o episódio caracterizou a mercantilização da função de senador ao configurar a compra de 'boas relações' com Aécio. A solicitação e o recebimento do dinheiro são suficientes para que o parlamentar seja responsabilizado pelo crime", diz trecho de comunicado do MPF sobre o assunto.

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0008456-05.2017.4.03.6181

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