Prática Trabalhista

Metaverso e suas futuras repercussões no Direito do Trabalho

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

19 de maio de 2022, 8h00

Recentemente, a Justiça de Trabalho de Mato Grosso inaugurou o primeiro e mais novo ambiente integralmente digital. Com suporte no denominado metaverso, se tornou possível visitar, virtualmente, a Vara do Trabalho da Cidade de Colíder (interior de Mato Grosso), dispensando-se, assim, a visitação presencial[3]. No mesmo sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Amazonas (OAB-AM), foi a primeira no Brasil a realizar uma reunião no metaverso[4].

Aliás, essa temática sobre Justiça Digital e Inovação tem sido debatida atualmente pelas autoridades com o objetivo de utilizar a tecnologia para a melhor entrega da prestação jurisdicional[5].

Mas o que seria o metaverso?

De uma forma técnica e objetiva, o "metaverso é a terminologia utilizada para indicar um tipo de mundo virtual que tenta replicar a realidade através de dispositivos digitais"[6].

Entrementes, nesse mundo virtual as pessoas são representadas pelos chamados avatares para desempenhar as suas atividades, como se estivessem realizando-as no mundo físico, pessoalmente.

Segundo uma pesquisa do Kantar Ibope, 6% dos brasileiros (o equivalente a 5 milhões de pessoas) já conectam alguma das plataformas do metaverso. A perspectiva é que no ano de 2026, cerca de 2 bilhões de pessoas estarão no metaverso[7].

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Indubitavelmente, essa inovação tecnológica irá trazer fortes mudanças na rotina das empresas, dos trabalhadores e de toda a sociedade. Por isso, é preciso um olhar cuidadoso para as questões jurídicas.

Frise-se, por oportuno, que, no final de novembro de 2021, houve uma denúncia de assédio no metaverso, na qual uma mulher relatou que teve o seu avatar "apalpado" por um estranho, em uma plataforma de realidade virtual[8].

Após o ocorrido, o Facebook criou uma ferramenta para assegurar o distanciamento entre os avatares.

De igual modo, uma empresária britânica também denunciou ter sofrido assédio e agressão sexual digital no metaverso. A vítima afirmou ter sido tocada por outros avatares masculinos, sem o seu consentimento[9].

Dito isso, já existem algumas polêmicas e questionamentos jurídicos sobre o assunto, principalmente no que diz respeito a aplicação da legislação trabalhista.

Nesse sentido, oportunos são os ensinamentos de Rodrigo de Lacerda Carelli[10]:

"De imediato temos de fazer uma colocação crucial: não se trata de um 'mundo', ou de nova e outra 'realidade', ou de um 'local' no qual as pessoas vão interagir. A pretensão ideológica de tratar a internet como um mundo à parte, sem lei, em total independência com o físico, vem de longo tempo e é expressa na Declaração de Independência do Ciberespaço, de John Perry Barlow, que se tornou um lema das grandes empresas do Vale do Silício.
(…). Imaginar a internet, ou as plataformas, como um espaço cibernético, ou seja, como um lugar, é a sacada ideológica para a fuga das leis estatais que regulam as relações jurídicas e sua substituição por regras mais favoráveis a essas empresas. Porém, não se trata de um mundo à parte: as plataformas baseadas na internet fazem parte, hoje mais do que nunca e cada vez mais, do mundo real."

Com efeito, inúmeras dúvidas poderão surgir no que diz respeito à legislação a ser aplicável para a formalização e execução dos contratos de trabalho no mundo virtual. Isto porque pode acontecer de trabalhadores de uma determinada empresa, com sede física em um país, estarem lotados em outro local, diverso do estabelecimento principal, porém prestando serviços através de avatares no metaverso.

De outro norte, em caso de litígio não há uma regra própria, isto é, se este conflito será solucionado no metaverso ou no mundo físico.

Vale lembrar que, hodiernamente, não existe uma legislação específica que regulamente as relações de trabalho no metaverso.

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Lei nº 7.064, de 6 de dezembro de 1982[11], disciplina o conflito de aplicabilidade das normas referentes ao local da contratação e da prestação de serviços, no caso de trabalhadores brasileiros contratados ou transferidos para prestar serviço no exterior.

Impende destacar, contudo, que a atual e vigente Medida Provisória nº 1.108, de 25 de Março de 2022[12], trouxe uma alteração ao artigo 75-B[13] da Consolidação das Leis do Trabalho. Segundo essa MP, é facultado às partes estipularem as regras a serem aplicáveis ao contrato de trabalho — se brasileiras, por ser o empregado aqui contratado; ou, se estrangeiras, por força do local da prestação de serviços.

Lado outro, é importante ressaltar que, conquanto o trabalho desempenhado no metaverso possa trazer benefícios as partes, este formato de contratação poderá acentuar ainda mais as desigualdades sociais.

Sob outra perspectiva, uma desvantagem do trabalho desenvolvido nessas circunstâncias é que o excesso da tecnologia poderá desencadear transtornos mentais ao trabalhador, tais como depressão, ansiedade e síndrome de burnout.

De mais a mais, indiscutivelmente esta nova forma de trabalho irá exigir uma mudança de comportamento e conscientização das empresas, para adotar medidas efetivas de proteção e segurança ao trabalhador.

É cediço que o direito do trabalho deve se adequar às novas realidades, e, para tanto, se mostra imprescindível o debruçar aprofundado sobre o assunto.

Em arremate, é imperioso a criação de uma regulamentação específica, o mais breve possível, visando prevenir futuros litígios, e, por conseguinte, seja garantida a segurança jurídica as partes envolvidas.


[6] Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Metaverso. Acesso em 17.05.2022.

[7] https://noticias.r7.com/cidades/folha-vitoria/seis-perguntas-basicas-sobre-o-metaverso-11052022

[11] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7064.htm. Acesso em 17.05.2022.

[13] Art. 75-B. Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo. (…). § 8º Ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que optar pela realização de teletrabalho fora do território nacional, aplica-se a legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes na Lei nº 7.064, de 6 de dezembro 1982, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.

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