Prática Trabalhista

Fim do estado de emergência de saúde pública e as repercussões trabalhistas

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

5 de maio de 2022, 8h00

Publicada no último de 22 de abril de 2022 [1], a Portaria GM/MS nº 913 que declarou, no âmbito da União, o encerramento da emergência de saúde pública de importância nacional em decorrência da Covid-19.

De acordo com o artigo 2º da referida portaria [2], que entrará em vigor 30 dias após a sua publicação, o Ministério da Saúde continuará a orientar os demais entes da República Federativa do Brasil, a saber: estados, o Distrito Federal e os municípios.

Entrementes, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) entendeu por desconsiderar a medida do governo federal e orientou os estados a continuarem seguindo as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) [3].

Segundo a Organização Mundial da Saúde, independentemente da melhora no cenário epidemiológico, a Covid-19 continua sendo classificada como pandemia, e, portanto, representa estado de emergência de saúde pública de âmbito internacional [4].

Spacca
E, neste no contexto, quais seriam os impactos da revogação do estado de enfrentamento à crise sanitária para o Direito do Trabalho?

De início, impende destacar que, desde à época da decretação do estado de calamidade pública pelo governo federal, as relações trabalhistas foram fortemente impactadas, trazendo uma série de mudanças.

Nesse diapasão, com a declaração do fim estado de emergência, as normas criadas durante este período poderão deixar de ser aplicadas, e, por conseguinte, trarão repercussões às empresas e aos trabalhadores.

Destarte, o fim do estado de calamidade implicará não somente no resgate das normas trabalhistas aplicáveis no período anterior à pandemia, como também em um estágio de readaptação.

Dentre as mudanças advindas com a portaria, citem-se aqui, de forma exemplificativa, medidas como o uso de máscaras e distanciamento no ambiente de trabalho que deixam de ser obrigatórias pela portaria ministerial, embora as empresas possam continuar a adotar tais disposições por meio de regulamentos internos, adotando uma postura de prevenção e cuidado com a saúde e a segurança de todos os seus colaboradores e empregados.

Outra questão se refere à mitigação da exigência do afastamento dos empregados que apresentem os sintomas da gripe e/ou resfriado, até que seja efetivamente constatada a infecção por Covid-19, exceto se houver expressa recomendação médica.

Frise-se, por oportuno, que um ponto polêmico diz respeito ao retorno do trabalho presencial da gestante. Isto porque nos termos da Lei nº 14.311, de 9 de março de 2022 [5], o empregador poderá exigir o retorno presencial da empregada gestante, desde que totalmente imunizada ou mediante assinatura do termo de responsabilidade.

Ora, com a publicação da Portaria GM/MS nº 913/2022, o retorno presencial da gestante poderá ser determinado pelo empregador, ainda que a trabalhadora não tenha sido totalmente imunizada ou que tenha se recusado a se vacinar.

Noutro giro, impende destacar que não será impactada a Medida Provisória nº 1.108, de 25 de março de 2022 [6], que trouxe modificações consideráveis sobre as disposições do teletrabalho, uma vez que não estão relacionadas com o estado de calamidade pública.

Aliás, inobstante a portaria ministerial não obrigue mais a priorizar o home office para os empregados que possuam mais de 60 anos ou para aqueles que apresentem comorbidades, as empresas poderão continuar adotando preventivamente este procedimento a seu critério.

Lado outro, a Medida Provisória nº 1.109, de 25 de março de 2022 [7], que trata sobre de medidas alternativas trabalhistas e Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda para o enfrentamento do estado de emergência, poderá perder a sua eficácia prática.

No mesmo sentido, será afetada a Lei nº 14.297, de 05 de janeiro de 2022 [8], que dispõe sobre medida de proteção ao entregador que presta serviço por intermédio de empresa de empresa de aplicativo durante a vigência da emergência de saúde pública.

Vale lembrar que as empresas visando garantir um ambiente do trabalho saudável poderão, preventivamente, estabelecer políticas e protocolos internos para a proteção da saúde dos trabalhadores.

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição Federal estabelece em seu artigo 200, inciso VIII [9], o meio ambiente do trabalho como um direito humano fundamental.

Do ponto de vista internacional, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais [10] dispõe em seu artigo 12, que "os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental".

Se é verdade que o término oficial do estado de calamidade não isenta as empresas de continuar cumprindo as normas trabalhistas aplicáveis nesse período, de igual modo os empregados devem prestar atenção às novas orientações empresariais.

Nesse panorama, uma das justificativas para a manutenção de tais exigências seria a prevenção e a proteção a saúde do trabalhador.

Nesse sentido, oportunos são os ensinamentos de Larissa Matos [11]:

"Nesse cenário de incertezas científicas, o princípio da precaução emerge como essencial à exortação de medidas que devem ser adotadas em prol do meio ambiente do trabalho hígido e saudável, sem olvidar o princípio da prevenção, ainda mais no contexto de precarização por que passa a Direito do Trabalho — o que, inevitavelmente, se reflete na implementação de normas de higiene e saúde do trabalhador, consideradas como um alto custo para muitas empresas.
(…). Além disso, não se pode perder de vista que a proteção do ambiente laboral é, ao fim e ao cabo, a própria tutela da vida, que reverbera na sociedade, pois o ambiente humano é único".

É certo que conquanto a citada portaria ministerial tenha por objetivo anunciar o fim do estado de calamidade, ainda se faz necessária a publicação de atos normativos para a implementação das novas diretrizes.

Em arremate, visando obter a tão almejada segurança jurídica, é aconselhável que se aguarde a publicação oficial do decreto revogador do estado de calamidade, vez que este poderá balizar o procedimento a ser adotado neste momento de transição.


[2] Art. 2º — O Ministério da Saúde orientará os Estados, o Distrito Federal e os Municípios sobre a continuidade das ações que compõem o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus, com base na constante avaliação técnica dos possíveis riscos à saúde pública brasileira e das necessárias ações para seu enfrentamento.

[6] Disponível aqui. Acesso em 3/5/2022.

[7] Disponível aqui. Acesso em 3/5/2022.

[9] Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (…). VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

[11] Meio ambiente em tempos de pandemia / organizadores Guilherme Guimarães Feliciano, Raimundo Simão de Melo. – Campinas, SP: Lacier Editora, 2021. Página 236.

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!