Desrespeito ao STF

Gilmar Mendes anula operação contra ex-governador de Goiás Marconi Perillo

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3 de maio de 2022, 21h41

Compete à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos. Com base nesse entendimento, firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no Inquérito 4.435, o ministro Gilmar Mendes declarou a incompetência da Vara Criminal Federal de Goiás e anulou operação deflagrada contra o ex-governador Marconi Perillo (PSDB) e seu grupo político às vésperas das eleições de 2018. O processo e os procedimentos relacionados a ele deverão ser enviados à 135ª Zona Eleitoral de Goiânia.

Edilson Rodrigues/Agência Senado
Após operação, Perillo, que liderava pesquisas, ficou em quinto na eleição
Edilson Rodrigues/Agência Senado

Em 28 de setembro de 2018, pouco mais de uma semana antes do primeiro turno das eleições, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal deflagraram operação contra o grupo político de Perillo. Candidato a senador por Goiás e líder na corrida para uma das duas vagas do estado, conforme pesquisa do Ibope de 21 de setembro, ele ficou em quinto na disputa. Três dias após o pleito, foi preso preventivamente enquanto prestava depoimento à PF.

Na denúncia — que foi recebida pela Justiça Federal de Goiás —, o MPF argumentou que Perillo recebeu, por intermédio do seu tesoureiro da campanha, Jayme Rincón, recursos para as campanhas eleitorais ao governo goiano nos anos de 2010 e 2014. Em troca, favoreceu a Odebrecht em contratos de concessão de serviços, incluindo obras de saneamento básico.

A defesa de Jayme Rincón, comandada pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Romero Ferraz Filho, impetrou Habeas Corpus sustentando que a competência para julgar o caso é da Justiça Eleitoral, e não da Justiça Federal.

Em sua decisão, o ministro Gilmar Mendes apontou que, de acordo com as investigações e a denúncia, os crimes possivelmente cometidos são falsidade ideológica eleitoral (artigo 350 do Código Eleitoral) e corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal). E a Justiça Eleitoral, citou o magistrado, é competente para processar e julgar investigações e processos que envolvam infrações penais eleitorais conexas a crimes comuns, como decidiu o STF no Inquérito 4.435.

Ainda assim, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Benedito Gonçalves, a pedido do MPF, fracionou os processos perante a Justiça Eleitoral e a Justiça Federal. O magistrado tomou dessa decisão com base na previsão constitucional da competência da Justiça Federal e com base em "razões de ordem mais pragmática", que apontariam para a "vocação" da Justiça comum para processar e julgar crimes de corrupção.

No entanto, esses argumentos se baseiam em teses já refutadas pelo STF no Inquérito 4.435 ou "em razões metajurídicas relativas à natural 'vocação investigativa' da Justiça comum, que não devem ser admitidas, sob pena de se negar a natural força ou eficácia expansiva dos precedentes estabelecidos pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal", disse Gilmar.

Conforme o ministro, a "inequívoca imbricação das condutas" (crime eleitoral e crime comum) foi vislumbrada em inúmeras etapas dos procedimentos investigativos. Tanto que a própria Justiça Federal se declarou incompetente para conduzir um dos inquéritos.

Porém, tal decisão foi burlada pelos órgãos que atuaram em primeira instância, apontou Gilmar Mendes. Para isso, destacou, o MPF apresentou denúncia na qual promoveu a indevida exclusão dos delitos eleitorais. Com base nessa denúncia, apresentada após a declaração de incompetência — ou seja, por membro do MP sem atribuição legal —, o Ministério Público Eleitoral requereu o indevido arquivamento das infrações penais eleitorais, o que foi acolhido pelo juízo eleitoral e resultou na devolução do feito à Justiça comum.

"A análise dessa situação demonstra que houve o indevido uso de instrumentos de bypass processual à jurisprudência desta Suprema Corte em tema relativo à garantia do juiz natural. Destaque-se que situações como essa têm se repetido. Em alguns casos, as instâncias inferiores promovem o arquivamento dos crimes eleitorais logo após a remessa dos autos pelo STF, sem sequer promover qualquer diligência para apuração dos crimes de falsidade ideológica eleitoral apontados por esta Suprema Corte nos acórdãos declinatórios", avaliou Gilmar.

"Desta feita, é importante que se analise tais casos com cautela, para que não se permita um bypass ao precedente firmado pelo STF, em especial quando existem claros indícios da prática de crimes eleitorais que são discricionariamente desconsiderados pelas instâncias inferiores para se escolher o foro arbitrariamente considerado como mais conveniente para a apuração e julgamento de processos criminais".

Na visão do ministro, houve duas violações à garantia do juiz natural no caso. A primeira consiste no indevido fracionamento do feito perante o STJ, com a "artificiosa" divisão dos processos relativos às infrações penais eleitorais e aos crimes comuns. Já a segunda, conforme o magistrado, está na atuação dos órgãos de primeira instância, "que se utilizaram de instrumentos de bypass processual para tentar modificar o juiz competente para processar e julgar os fatos investigados".

"Reitere-se que as instâncias inferiores não podem deixar de observar as regras definidoras das atribuições e competências fixadas pelo STF apenas por divergências jurídicas ou pessoais sobre o resultado do julgamento de determinado precedente. Ou seja, não se deve admitir essa resistência institucional ao cumprimento dos acórdãos e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal", opinou o ministro.

Dessa maneira, ele declarou a nulidade dos atos decisórios e da denúncia do caso, ordenando a remessa do processo para a Justiça Eleitoral goiana.

Defesa de Perillo
Em nota, a defesa de Marconi Perillo afirmou que a operação contra o ex-governador e seu grupo político foi deflagrada às vésperas das eleições de 2018 "com o claro intuito de interferir naquele pleito eleitoral, prejudicando gravemente a campanha e o resultado daquelas eleições, em que Perillo liderava as pesquisas".

"O processo agora seguirá para a Justiça Eleitoral, onde já foi decidido, neste mesmo caso, que não houve qualquer irregularidade nos pleitos eleitorais investigados. Nesses anos de batalha, Marconi Perillo teve suas vidas pessoal e política devassadas, sua família atacada violentamente, mas resistiu e as defesas seguiram questionando todas as ilegalidades cometidas pelo Ministério Público Federal, acreditando sempre que este dia, enfim, chegaria e seria feita a devida justiça", disseram os advogados Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, Roberta Castro, Marcelo Turbay, Liliane Carvalho, Álvaro Chaves e Ananda França.

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HC 214.214

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