Tribunal do Júri

A Defensoria Pública não é "soldado de reserva" no Plenário do Júri

Autores

  • Denis Sampaio

    é defensor público titular do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Lisboa (Portugal) mestre em Ciências Criminais pela Ucam-RJ investigador do Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Lisboa membro consultor da Comissão de Investigação Defensiva da OAB-RJ membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros professor de Processo Penal e autor de livros e artigos.

  • Rodrigo Faucz Pereira e Silva

    é advogado criminalista habilitado no Tribunal Penal Internacional (em Haia) pós-doutor em Direito (UFPR) doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG) mestre em Direito (UniBrasil) e coordenador da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI.

  • Daniel Ribeiro Surdi de Avelar

    é juiz de Direito mestre e doutorando em Direitos Fundamentais e Democracia (UniBrasil) professor de Processo Penal (UTP EJUD-PR e Emap) e professor da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI.

11 de junho de 2022, 8h02

Com a Emenda Constitucional 45 de 2004, garantiu-se que, "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (artigo 5º, LXXVIII, CF). Trata-se de um dos elementos fundamentais para a promoção de justiça, desde que baseado nas regras do due process of law.

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Na prática do júri, as normas relacionadas à ausência das partes ganham especial relevância no que se refere à velocidade e tempo de finalização do processo. Na reforma do procedimento do júri em 2008, o legislador optou por não tolerar ausências injustificadas de membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da defesa constituída. Assim, não havendo escusa legítima, o julgamento será adiado uma única vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado novamente (artigos 455 e 456, §1º, ambos do CPP). Ressalta-se que na hipótese de ausência justificada, o adiamento é imperioso, independentemente da quantidade de situações (legítimas) que ocorrerem.

A atualização legislativa indicou que a dinâmica na realização da conclusão do processo é uma imposição social, não podendo os trâmites processuais ficarem a cargo de intenções nem sempre republicanas das partes. Reservou, portanto, uma maior responsabilidade ao julgador na fiscalização quanto à celeridade processual (não apenas neste dispositivo, mas em diversas outras fases também).

Contudo, a celeridade necessária à conclusão do processo não poderá, jamais, violar as garantias constitucionais do acusado ou infringir as prerrogativas institucionais da defesa pública ou privada.

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Para garantir o exercício da plenitude de defesa, com a atuação da defesa técnica, determinou o legislador no artigo 456, parágrafo 2º do CPP, que na hipótese da ausência injustificada da defesa "o juiz intimará a Defensoria Pública para o novo julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o prazo mínimo de 10 (dez) dias".

Em uma primeira leitura, pode ser observado que a Defensoria Pública será intimada para figurar na defesa técnica quando houver nova data designada para o seu julgamento. Essa conclusão decorre da atuação constitucional da Defensoria Pública em que garantirá o acesso à justiça — nesta hipótese através da resistência à acusação criminal — não podendo haver julgamento regular sem que haja a presença da defesa técnica efetiva, como impõe o artigo 5º, LV da CRFB, e o artigo 261, CPP.

No entanto, uma interpretação simples e literal pode macular toda uma construção de garantias constitucionais e institucionais.

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De fato, a Defensoria Pública deve realizar a sua função constitucional de atuar na defesa dos interesses dos mais vulneráveis e, na seara criminal, promover a defesa dos acusados que não possuem advogados constituídos, inobstante a condição financeira daqueles.

Contudo, ainda que haja ausência injustificada do defensor constituído, este continua legitimado e constituído para representar o acusado [1]. Assim, eventual atuação da Defensoria Pública não pode ser admissível pelo viés institucional, constitucional ou ético.

Na hipótese de advogado constituído e presente nos autos, quiçá a Defensoria poderá ser intimada para atuar no feito criminal. Ao acusado não é permitido, para sua infelicidade, possuir advogado e defensor público atuando em conjunto por vedação constitucional.

Uma leitura descontextualizada e singela artigo 456, §2º, CPP levaria a alusão do defensor público como verdadeiro "soldado de reserva", uma vez que se o patrono do acusado comparecer, não será necessária a atuação daquele. Isto é, o membro da Defensoria Pública teria que ficar no "banco de reservas" (de plantão), aguardando a confirmação de uma nova ausência do advogado para, somente assim, exercer sua função. Para deixar claro, não há atuação residual, na defesa criminal, dos membros da Defensoria Pública prevista em lei e, muito menos, na nossa Constituição.

Faz-se essencial ressaltar que o defensor público somente poderá atuar na defesa dos interesses de qualquer acusado quando (a) este não possuir advogado constituído, (b) ocorrer a renúncia dos poderes outorgados e não for constituído outro, ou (c) a defesa técnica for destituída pelo julgador quando diante de circunstância elencada no artigo 497, V, CPP e o acusado não constituir outro advogado.

Como já dito, reconhece-se a necessidade de um trâmite processual célere — até mesmo pela simples leitura do texto constitucional —, mas a plenitude de defesa precisa ser sempre respeitada como fator de validade de um processo penal justo, também como expressão do artigo 8º, nº 2, alínea "d", da Convenção Americana de Direitos Humanos [2]. Ademais, em última análise, por seu duplo viés (defesa técnica e autodefesa), o acusado não pode ser prejudicado pela atuação deficiente — ou negligência — de seu defensor (público ou privado).

Óbvio que não se está dizendo que o acusado e seu advogado podem gerir a pauta do juízo. Assim, se a defesa, por mais de uma vez não comparecer sem motivo justificável, não há alternativa senão a destituição do seu poder para representar o acusado e a consequente comunicação à OAB. Porém, sempre deve ser garantido ao acusado, em decorrência do princípio constitucional da plenitude de defesa, a possibilidade de contratar novo patrono [3]. No caso da inocorrência, ou na manifestação pela assistência da Defensoria Pública, aí sim, a atuação constitucional do defensor público.

Pode-se depreender que a simples intimação e nomeação da Defensoria Pública para atuar no Plenário do Júri designado, além de indicar uma mácula à própria instituição, com as reservas constitucionais já aludidas, levará à nulidade do julgamento, o que indicará a ineficácia do ato e do próprio processo.

A leitura constitucional e convencional do artigo 456, parágrafo segundo, do CPP, preconiza a opção reservada ao acusado para escolha da sua defesa técnica, inclusive após a renúncia ou destituição do advogado constituído, não sendo legítima a atuação residual de membro da Defensoria Pública diante da simples ausência de patrono constituído.

Em conclusão: a ausência injustificada do advogado constituído não resulta na atuação automática da Defensoria Pública. Deve o acusado ser intimado para, em prazo determinado, dizer se pretende (ou possui condições de) constituir novo advogado. Decorrido o prazo e mantido o silêncio, presume-se que ele está indefeso para qualquer ato do processo, não apenas para a sessão plenária, pois a defesa técnica se caracteriza como indisponível para o exercício da defesa plena. Consequentemente, a Defensoria Pública assumirá a defesa do acusado por imposição constitucional.

 


[1] Neste sentido o entendimento já exposto na obra Manual do Tribunal do Júri: "(…) caso se trate de ausência injustificada do defensor, a seccional da OAB deverá ser imediatamente comunicada para eventuais providências disciplinares (inciso XI do art. 34 da Lei 8.906/94), informando-lhe a nova data designada para a sessão de julgamento. Se o defensor ausente for mantido no processo, o julgamento será adiado para a primeira pauta livre de julgamento, observando-se a ordem preferencial prevista no art. 429 do CPP, priorizando-se o julgamento de acusados presos." PEREIRA E SILVA, Rodrigo Faucz; AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi de. Manual do Tribunal do Júri, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 352.

[2] Art. 8º, nº 2, alínea "d" do Pacto de São José da Costa Rica dispõe que toda pessoa tem o direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (d) direito do acusado defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor.

[3] Sempre relevante apontar decisão paradigmática do STF sobre o tema: "HABEAS CORPUS" – JÚRI – (…) RÉU QUE EXPRESSAMENTE MANIFESTOU O SEU DESEJO DE SER DEFENDIDO POR ADVOGADO QUE ELE PRÓPRIO HAVIA CONSTITUÍDO – PLEITO RECUSADO PELA MAGISTRADA QUE NOMEOU DEFENSOR PÚBLICO PARA PATROCINAR A DEFESA TÉCNICA DO ACUSADO — TRANSGRESSÃO À LIBERDADE DE ESCOLHA, PELO RÉU, DE SEU PRÓPRIO DEFENSOR — DESRESPEITO À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO — INVALIDAÇÃO DO JULGAMENTO PELO JÚRI — PEDIDO DEFERIDO. LIBERDADE DE ESCOLHA, PELO RÉU, DE SEU PRÓPRIO DEFENSOR. — O réu tem o direito de escolher o seu próprio defensor. Essa liberdade de escolha traduz, no plano da "persecutio criminis", específica projeção do postulado da amplitude de defesa proclamado pela Constituição. Cumpre ao magistrado processante, em não sendo possível ao defensor constituído assumir ou prosseguir no patrocínio da causa penal, ordenar a intimação do réu para que este, querendo, escolha outro Advogado. Antes de realizada essa intimação – ou enquanto não exaurido o prazo nela assinalado – não é lícito ao juiz nomear defensor dativo (ou Defensor Público) sem expressa aquiescência do réu. Precedentes. (…) – A garantia constitucional do "due process of law" abrange, em seu conteúdo material, elementos essenciais à sua própria configuração, dentre os quais avultam, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (…) (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (…)" (STF, HC 96.905, rel. Celso De Mello, j. em 25/8/2009).

Autores

  • é defensor público, titular do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Lisboa (Portugal), mestre em Ciências Criminais pela Ucam-RJ, investigador do Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Lisboa, membro Honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros e professor de Processo Penal.

  • é advogado criminalista, pós-doutor em Direito (UFPR), doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG), mestre em Direito (UniBrasil), coordenador da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI, professor de Processo Penal da FAE e do programa de mestrado em Psicologia Forense da UTP.

  • é juiz de Direito, presidente do 2º Tribunal do Júri de Curitiba desde 2008, mestre em Direitos Fundamentais e Democracia (UniBrasil), professor de Processo Penal (FAE Centro Universitário, UTP e Emap), professor da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri (Nupejuri).

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