Opinião

Novas possibilidades de sustentação oral: avanços e omissões da Lei nº 14.365

Autores

  • José Henrique Mouta Araújo

    é pós-doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) doutor e mestre (Universidade Federal do Pará) professor do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) e do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) procurador do estado do Pará e advogado.

  • Rodrigo Nery

    é doutorando e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) (com ênfase em Direito Processual Civil) pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito pesquisador do Grupo de Pesquisa CNPq/UnB Processo Civil Acesso à Justiça e Tutela dos Direitos membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC) integrante e orador da primeira equipe da UnB na 1ª Competição Brasileira de Processo (CBP) e advogado.

10 de junho de 2022, 14h02

Há poucos dias entrou em vigor a Lei nº 14.365, de 2 de junho de 2022. Entre outras modificações, o novo diploma trouxe acréscimos relevantes ao rol de hipóteses de sustentação oral no Direito Processual brasileiro. É sobre essa mudança que falaremos no presente escrito, avaliando o cenário anterior e refletindo sobre o que foi estabelecido por essa nova lei.

É de se notar, antes de qualquer outro ponto, que as alterações feitas pelo legislador tiveram como foco o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906 de 1994), e não especificamente o Código de Processo Civil (CPC). Com efeito, trata-se de um fator no mínimo peculiar, e que, não obstante parecer carente de relevância, na prática pode ter consequências importantes para a compreensão do tema, especialmente em relação a dispositivos que contrariem dispositivos previstos em Regimentos Internos dos Tribunais, como no caso objeto do presente estudo.

Com efeito, no CPC, o principal dispositivo que versa sobre a sustentação oral é o artigo 937. Conforme se depreende da sua redação, "Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido (…), pelo prazo improrrogável de 15 minutos para cada um (…)" nas hipóteses de "recurso de apelação", "recurso ordinário", "recurso especial", "recurso extraordinário", "embargos de divergência", "ação rescisória", "mandado de segurança", "reclamação""agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência", e "em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal". Também se percebe previsão de sustentação oral no incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), seguindo a lógica do artigo 984 do referido diploma (vide artigo 937, §1º do CPC), bem como nos agravos que questionam indeferimento de recurso extraordinário ou especial, "quando esse recurso for julgado conjuntamente com o RE ou o REsp correspondente (artigo 1042, §5º)" [1]. Por fim, há também, segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, a possibilidade de sustentação oral em qualquer recurso, quando se constatar "fato superveniente à decisão recorrida ou questão de ofício não solucionada, durante a sessão de julgamento (CPC 933 §1º)" [2].

De plano, é de se destacar a importância que a sustentação oral tem para o devido acesso à justiça por parte do jurisdicionado. Em muitas oportunidades, levando-se em conta uma série de fatores processuais e extraprocessuais que mereceriam análise em outro escrito, a sustentação oral acaba sendo o único momento em que, de fato, a parte, por meio do seu advogado, tem o direito de ser "ouvida" pelos julgadores [3], no sentido literal da palavra.

Não nos parece que somente em questão de fato, para simples esclarecimentos, é que a sustentação oral teria maior relevância. Em verdade, em toda e qualquer hipótese argumentativa esse instituto é pertinente, tendo em vista a por vezes existente dificuldade de se ter acesso aos magistrados responsáveis pelo julgamento das demandas recursais ou demandas originárias.

Da lista de hipóteses contida no artigo 937, incisos e §1º do CPC, inevitavelmente contata-se a existência de algumas omissões relevantes.

A primeira delas é a ausência de previsão da possibilidade de sustentação oral em todas as ações ou incidentes de competência originária dos tribunais, e não somente nas ações rescisórias, nos mandados de segurança e nas reclamações. Com efeito, desde a época do CPC de 1973, Barbosa Moreira já afirmava que a regra do artigo 554 daquele código (que corresponderia, com relevantes alterações, ao art. 937 do CPC atual) se aplicaria, "por analogia, às causas da competência originária dos tribunais" [4]. Não obstante esse entendimento, de caráter crítico, o diploma atual optou por restringir a sustentação oral, no âmbito da competência originária, apenas às ações previstas no artigo 937, VI [5]. Outras situações envolvendo competência originária (como Pedido de Suspensão [6], petições diversas, tutelas provisórias recursais  artigos 1.012, §§3º, 4º e 1.029, §5º, do CPC) que não foram abarcadas pelo referido dispositivo, dependeriam de previsão expressa no regimento interno do tribunal no qual elas venham a tramitar.

A segunda omissão, por sua vez, é decorrente da ausência de previsão de sustentação oral no agravo de instrumento quando esse estiver realizando o papel de recurso de apelação. Sabemos que em diversos momentos, com a possibilidade de decisões parciais de mérito, por exemplo, o recurso de agravo inevitavelmente estará exercendo o papel de um recurso de apelação [7].  É nesse ponto que não faria sentido o código apenas prever sustentação oral para o recurso de apelação, não prevendo sustentação oral para o recurso de agravo de instrumento quando esse exercer papel idêntico ao daquele [8].

A terceira omissão, por fim, sem óbice de outras, é a atinente à ausência de previsão de sustentação oral no agravo interno (artigo 1.021 do CPC). Em diversas hipóteses, inclusive levando-se em conta a possibilidade de provimento ou negativa de provimento monocráticos dos recursos (vide artigo 932, IV e V, do CPC), o recurso de agravo interno acaba se tornando a única oportunidade de se levar a questão ao colegiado para que, por meio de sustentação oral, o advogado possa exercer o seu importante papel na tribuna.

Não se nega que o agravo interno, nos moldes estabelecidos pelo Código, é uma vitória para o jurisdicionado, tendo em vista as dificuldades históricas que foram superadas para possibilitar a ampla recorribilidade das decisões monocráticas nos tribunais [9]. Entretanto, a ausência de previsão de sustentação oral nesse recurso configurava-se como uma barreira a ser superada. Até a ocorrência das modificações que serão comentadas a seguir, apenas era admitida expressamente, na legislação processual federal (sem óbice de eventuais previsões em regimentos internos dos tribunais nacionais), a sustentação oral em agravo interno nos casos de decisão do relator que extinguisse algumas das ações de competência originária previstas no artigo 937, VI, do CPC (vide artigo 937, §3º, também do CPC).

É no cenário (de previsões e omissões) que surge a Lei º 14.365, de 2 de junho de 2022. Como dito, ela faz alterações relevantes na dinâmica da sustentação oral, não no próprio CPC, mas sim em outro diploma legal, que é o Estatuto da Advocia (Lei nº 8.906 de 1994).

Por óbvio que a previsão do CPC quanto à sustentação oral também deve ser entendida como a previsão de um "direito" do advogado. Trata-se de uma previsão de um direito (processual) tanto da parte quanto do profissional que a representa. Mas, como tudo no Direito, é possível que haja interpretações contrárias a esse posicionamento.  É nesse âmbito que a inserção de modificações atinentes à sustentação oral no Estatuto da Advocacia, e não no CPC, especificamente no rol de "direitos do advogado", possui, a nosso ver, consequências tanto no plano simbólico quanto no plano jurídico.

No plano jurídico, além de ser possível entender, a título de hermenêutica, que todas as hipóteses de sustentação oral seriam direitos do advogado, e não somente das partes por ele representadas, fica também positivado que, em havendo desrespeito ao direito à sustentação oral, tanto da previsão contida no Estatuto da Advocia quanto do CPC, se deflagraria a possibilidade de impetração de mandado de segurança em nome do próprio advogado para fazer valer essa prerrogativa. Também a OAB teria mais um fundamento para defender essa garantia, que, como dissemos, é muito importante para o efetivo acesso à justiça por parte do jurisdicionado.

No que concerne às novas hipóteses de sustentação oral surgidas do novo diploma aqui comentado (Lei nº 14.365 de 2022), elas encontram-se agora na atual redação do artigo 7º, §2º-B, do Estatuto da Advocacia. Segundo atualmente consta nesse dispositivo, em razão da nova lei,  "Poderá o advogado realizar a sustentação oral no recurso interposto contra decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações: I – recurso de apelação; II – Recurso ordinário; III – recurso especial; IV – recurso extraordinário; V – embargos de divergência; IV – ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária".

Ora, essas mudanças, não obstante ainda serem passíveis de melhoras, configuram-se como um importante aprimoramento da sistemática da sustentação oral no Direito Processual brasileiro. De forma geral, a norma consagra ao advogado a direito à sustentação oral no recurso que atacar decisões monocráticas do relator (no caso do CPC, o agravo interno, vide artigo 1.021 do CPC [10]) que julgarem o mérito ou não conhecerem de determinados recursos. Também foi garantida expressamente a sustentação oral em ações de competência originária.

Com essas modificações, com certeza algumas das omissões apontadas no início deste texto são sanadas, especificamente as que dizem respeito (ao menos em sua maioria) aos recursos contra decisões monocráticas e às ações de competência originária. Entretanto, como adiantamos, é possível aprimorar ainda mais a sistemática, isso porque não foram resolvidos todos os "problemas" que existem nela.

A ausência de previsão de sustentação oral no recurso de agravo de instrumento, quando esse inevitavelmente exerce o papel de um recurso de apelação, é uma dessas omissões que ainda não foram resolvidas pelo legislador. Também a questão atinente aos incidentes processuais, tais como o pedido de suspensão e petições diversas, merece um maior cuidado por parte da nossa legislação, tendo em vista a sua relevância e utilidade prática. Ao fim, também a possibilidade de sustentação oral no agravo interno contra decisões do relator que versem sobre tutela provisória seria inevitavelmente um avanço, levando-se em conta a previsão dessa possibilidade nos agravos de instrumento (artigo 937, VIII, do CPC).

Importante observar que restou consagrada essa garantia de participação em Internos interpostos em Recursos Especiais e Extraordinário, o que não se estendeu aos respectivos Agravos (artigo 1.042, do CPC). Talvez isso possa significar, em breve futuro, maior aplicação dos filtros de admisibilidade previstos no artigo 1.030, do CPC, com recorribilidade mediante Agravo Interno a ser julgado pelo Tribunal local ou Agravos em Especial ou Extraordinário (o que pode ser objeto de pesquisas e estatísticas pelos operadores do Direito).

Ademais, a falta de alteração no CPC e nos Regimentos Internos pode gerar algum atropelo na aplicação desses dispositivos, daí a importância de um maior diálogo entre as Normas que tratam deste importante tema.

Por fim, considerando a grande dificuldade de se alterar diplomas legais de tamanha relevância, como é o caso do Estatuto da Advocacia, vemos com muita empolgação o avanço obtido. São de se comemorar as novas mudanças realizadas pela lei ora comentada, essa que em boa hora trouxe soluções importantíssimas para as citadas falhas existentes no sistema legal da sustentação oral no Direito Processual do nosso país. Espera-se que, futuramente, as outras também sejam resolvidas, e que, antes disso, os tribunais nacionais vejam com bons olhos as modificações que já foram implementadas.


[1] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 16ª ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1989

[2] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 16ª ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1990.

[3] Nas palavras de Benedito Cerezzo Pereira Filho e Marcelo Leal: "a sustentação oral  ainda — é o momento sagrado em que, finalmente, o advogado tem a certeza de que será ouvido pelos julgadores" (PEREIRA FILHO, Benedito Cerezzo; OLIVEIRA, Marcelo Leal de Lima. Julgamento privado de assuntos públicos: inconstitucionalidade manifesta. Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-31/opiniao-julgamento-privado-assuntos-publicos. Acesso em: 04/06/2022).

[4] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V: arts. 476 a 565. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 667.

[5] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 16ª ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1989.

[6] Sobre a competência no pedido de suspensão e sua natureza jurídica: ARAÚJO, José Henrique Mouta. O pedido de suspensão e a inauguração da competência de STF e STJ. Disponível em https://www.conjur.com.br/2021-mai-14/araujo-pedido-suspensao-competencia-stf-stj. Acesso em 04.06.2022.

[7] Nas palavras de Vinicius Silva Lemos: "Evidentemente que esse agravo de instrumento tem uma ótica diversa dos demais, até pelo conteúdo que se impugna, uma decisão interlocutória que detém conteúdo que outrora era imaginado somente na sentença, com a extinção parcial do mérito ou com o próprio jukgamento parcial deste. Ou seja, apesar de ser um agravo de instrumento, formalmente, o conteúdo do que se impugna impõe a necessidade de uma construção sobre os moldes e sistemática da apelação, adequando-o à recorribilidade inerente à decisão parcial" (LEMOS, Vinicius Silva. A decisão parcial e as consequências processuais. Revista de Direito da ADVOCEF. Porto Alegre, ADVOCEF, v. 1, n.31, 2021, p.28).

[8] Também defendendo o cabimento de sustentação oral no agravo de instrumento, tendo em vista que "O denominador comum entre as hipóteses arroladas pelo legislador é a pressuposição de que (…) haverá oportunidade para se tratar do mérito da causa", cf. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 1018..

[9] Sobre o tema, em importante histórico desse recurso, Cf. ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 2ª ed. em e-book baseada na 8. ed. impressa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. RB-9.1.

[10] Os embargos de declaração não se encaixariam nessa previsão, não obstante serem também um recurso cabível contra decisões monocráticas do relator.

Autores

  • é pós-doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), doutor e mestre e em Direito (UFPA), professor do Cesupa-PA e IDP-DF, advogado e procurador do estado do Pará.

  • é mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) com ênfase em Direito Processual Civil, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito (FBD), membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Direito Processual Civil da UnB (GEPC-UnB) e membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC).

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